O antigo Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, ex-Santo Ofício, foi branqueado nos cinco dias de exposição do cadáver à veneração dos fiéis. Reescreveu-se o seu passado, e atraem-se ódios contra quem recorda a vida do defunto.
Joseph Ratzinger, com o pseudónimo de Bento XVI, foi Papa da Igreja Católica desde 19 de abril de 2005 a 28 de fevereiro de 2013. Preparou a sua eleição metodicamente na Prefeitura onde mereceu o epíteto de “Rottweiler de Deus” e, sobretudo, quando dirigiu as exéquias fúnebres do seu antecessor, a estrela pop que ele desprezava pela grande indigência teológica e abissal diferença de inteligência e cultura que os separava.
Renunciou ao camauro, aos sapatinhos vermelhos, ao anelão e ao alvará para a criação de santos e cardeais, e manteve-se vivo e referência dos católicos mais reacionários, até ao último sábado. A propósito do encobrimento de pedófilos diremos, parafraseando o PR português, “esqueçamos isso agora, e concentrarmo-nos no que é importante, homenagear condignamente o Papa que, não só os católicos, mas todos os portugueses choram” e, em nome dos quais se desloca ao funeral. Resta dizer que a ocultação de casos de pedofilia foi confirmada, há um ano, por uma comissão criada pela própria diocese de Munique para a respetiva investigação.
Os elogios de que foi alvo, após a morte, para além da referência à sua enorme cultura e inteligência, factos indiscutíveis, mais pareciam uma forma de diminuir o atual Papa do que de enaltecer o único pontífice que teve direito a um funeral presidido pelo sucessor.
No entanto, Francisco não será intelectualmente inferior, e é seguramente muito mais humano e tolerante.
B16 foi muito amigo de Hans Küng, o teólogo suíço e conselheiro de João XXIII, com quem se bateu pelo Concílio Vaticano II. Separou-se dele depois, e acabou por afastá-lo do ensino católico durante o consulado de Karol Wojtyla, que pontificou sob o nome de João Paulo II (JP2).
Leonardo Bloff disse de B16: “vê na modernidade arrogância, relativismo, materialismo e ateísmo”. Quando ouvi Marcelo e Cavaco a falarem de B16, em substituição de Aura Miguel e João César das Neves, interroguei-me se não saberiam quem perseguiu Hans Küng, Leonardo Bloff e outros católicos progressistas relevantes, sobretudo Marcelo, já que de Cavaco não se espera qualquer laivo de cultura ou entendimento.
Ratzinger escreveu um comentário teológico sobre o suposto 3.º segredo de Fátima, a pedido do Papa João Paulo II, onde esclareceu que a profecia dos pastorinhos sobre o “bispo vestido de Branco” que morria baleado não se concretizou por causa do poder da oração, apesar de JP2 julgar que era ele o alvo da profecia.
O papa Bento XVI consagrou-se um crítico musical com o seu livro “Lodate Dio con arte“, que compila os seus discursos e outros escritos sobre arte e, especialmente, sobre música, mas, na opinião do autor deste preâmbulo, a música de Ratzinger era diferente.
Hei de publicar, em breve, um texto sobre a Música de Ratzinger, incluído no meu livro «Pedras Soltas».
Por hoje, fica, por um mínimo de decência, a reposição da verdade como antídoto dos encómios dos reacionários e outros parasitas dos defuntos.
Carlos Esperança


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