Rádio Freamunde

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sábado, 31 de dezembro de 2022

A varíola na Pax Americana:

 (Por Larry Johnson, in sonar21.com, 29/12/2022, Trad. Estátua de Sal)

Se o leitor já se questionou como era viver, logo após a Segunda Guerra Mundial, quando a Guerra Fria começou e os Estados Unidos se tornaram a potência dominante no mundo, não torne a questionar-se. Você está vivendo um momento histórico decisivo. Está repleto de perigos, de perigos e de um realinhamento fundamental da ordem internacional. Foi-se o tempo em que os Estados Unidos podiam ordenar a países como a Arábia Saudita e o Catar que cumprissem as suas ordens como o velho Tio Ben numa plantação no sul.

Os Estados Unidos estão prestes a tornar-se o Hitler retratado no filme “A Queda” – dando ordens a exércitos imaginários que não mais as podem cumprir.

Não estou sugerindo que os Estados Unidos estão prestes a entrar em colapso, como o Terceiro Reich em maio de 1945, mas acredito que acabaram os dias em que os Estados Unidos invadiam outros países à vontade, e derrubavam os governos que não queriam curvar-se diante do altar do poder americano. A guerra na Ucrânia pôs a nu a fraqueza dos Estados Unidos para controlar a arena internacional.

O ano de 2022 será registado pelos futuros historiadores como o momento decisivo em que a Rússia tomou a pílula vermelha e acordou da ilusão de que poderia ser um parceiro do Ocidente. Desde a dissolução da antiga União Soviética, os líderes russos – e não apenas Putin – acreditaram ingenuamente que poderiam ser aceites como parceiros na ordem mundial controlada pelos EUA. 

Vladimir Putin, no seu discurso de 21 de dezembro de 2022, perante o colégio do Ministério da Defesa, censurou-se por ter acreditado nas promessas ocidentais e anunciou que doravante a Rússia confiará apenas em si mesma e tratará o Ocidente como uma ameaça hostil. Eu encorajo o leitor a assistir ao vídeo. Enquanto o Ocidente tenta desesperadamente retratar Putin como louco, o homem que fala é calmo, inteligente e consistente. Que contraste com os anões políticos que povoam os Estados Unidos e a Europa.

As ações secretas dos Estados Unidos e da Europa para tentarem desestabilizar a Rússia falharam. O próximo ano, 2023, verá o fim do mundo unipolar dominado pelo petrodólar dos EUA e pelas intervenções militares dos EUA. Sou frequentemente atacado como sendo bajulador de Putin. É uma mentira perniciosa. Simplesmente, eu acredito que a Rússia não está a fazer bluff e reconheço que a Rússia é um dos poucos países do mundo que pode crescer e prosperar sem se prostituir a soldo do Ocidente.

Os Estados Unidos conheceram apenas uma ameaça existencial na sua história: a Guerra Civil na década de 1860. Ironicamente, a Rússia desempenhou um papel significativo nesse conflito, ao impedir que os britânicos interviessem nessa guerra para ajudar o sul. A Rússia, por outro lado, enfrentou séculos de ameaças existenciais e sempre encontrou maneiras de enfrentar e as derrotar, como a invasão de Napoleão em 1800,  ou a invasão nazi em 1941. A não ser provocando uma guerra nuclear, não há nada que os Estados Unidos possam fazer para impedir que a Rússia proteja as suas fronteiras. Os Estados Unidos descobrirão em 2023 que os seus militares multibilionários são impotentes quando se trata de apontar o seu poderio para a Rússia.

Putin e o seu governo entendem que a atual guerra com o Ocidente não ocorrerá apenas nos campos da Ucrânia. É também uma batalha política e económica. Por isso mesmo a Rússia está a construir relações importantes com a China, com a Índia e com as ex-colónias imperiais da Europa e dos Estados Unidos. Os líderes políticos, em Washington, ainda não compreenderam isso. Ainda acreditam que podem intimidar e ameaçar os países mais fracos para que cumpram as suas exigências. Joe Biden tentou essa manobra com a Arábia Saudita e esses ricos xeiques do petróleo disseram-lhe, na verdade, para se ir foder.

Embora eu deseje a todos que me estão a ler um feliz e próspero Ano Novo, temo que 2023 seja um tempo de escuridão e sofrimento para o Ocidente. A Europa já está devastada pela inflação e as economias estão todas em retração. 

Se o duplo golpe da inflação e da deflação económica atingir os Estados Unidos, a crise será exponencialmente pior do que a derrocada de 2008. Estamos diante da apócrifa maldição chinesa: “Que possamos viver em tempos interessantes”. Eu rezo para que consigamos sobreviver.

Fonte aqui

Do blogue Estátua de Sal

D'Alema di' qualcosa di Sinistra:

 

1. Não sei se Carmo Afonso tem razão quando identifica uma das especificidades da arte de ser português: “bons a conseguir o impossível, péssimos a gerir uma situação de vantagem”. Mas António Costa tem-no sobejamente demonstrado no ano em curso: em vez de aproveitar as excecionais condições suscitadas pela maioria absoluta para melhor superar os condicionalismos impostos pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, perdeu quase um ano a gerir casos e casinhos, que uma central de conspiração das direitas tem vindo a plantar habilidosa e cirurgicamente. E  somando-se-lhe um presidente que até se baba por o ter na mão, lembrando-lhe que a arma atómica está ao seu dispor e usá-la-á tão só sinta Passos Coelho ou outro qualquer dos seus acólitos em condições ideais para dar esse golpe.

2. Não é que a choruda indemnização a Alexandra Reis fizesse falta para o sabermos, mas ela só confirma o despautério dos betos da Iniciativa Liberal, quando ululam quanto à existência de um tenebroso «socialismo» à frente da máquina do Estado. Como escreveu João Rodrigues no blogue Ladrões de Bicicletas estamos em neoliberalismo puro e duro. Estamos perante as consequências de décadas de redução dos direitos laborais e do poder sindical, correlativos de aumentos dos direitos patronais: paraquedas dourados para os de cima, presumindo-se que os de baixo sabem voar. E daí a conversa peçonhenta do empreendedorismo.”

Não estamos muito longe da conhecida cena do filme de Nanni Moretti em que ele vê o líder da esquerda italiana na televisão e lhe pede para que diga algo de acordo com esse suposto posicionamento político. E, associando-o a António Costa, acrescentemos-lhe mais um pedido: que o faça, provando que o socialismo não é só uma palavra, mas uma ideologia transformadora do muito que está mal e é urgente ser alterado!

2022 à la minute — On my own:

Gosto mais da frase em inglês — on my own — do que em português: só comigo.

A minha intenção ao escrever este texto sobre o ano de 2022 é a mesma dos solitários que fazem desenhos na areia: entreterem-se enquanto falam consigo próprios. Depois, quem passa olha, se lhe apetecer acrescenta, apaga, ou distorce. E segue o seu caminho. A nova maré levará a obra. O desenhador irá olhar o vazio para lá do horizonte.

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Carlos Matos Gomes

Truz... Truz:

Quem é? Perguntei! Sou eu! Agora reconhece a minha voz? Sem dúvida que sim. Respondi. Os tempos tinham mudado. Outrora tinha respondido assim. Entre! Quem ... é?

Quando chegou junto a mim deparei que vinha mal trajado e cansado. Não era para menos. Os dias e a vida tinham dado cabo dele.
Ainda me lembro faz um ano quando se me apresentou vinha todo garboso. Ideias não lhe faltava. Disse-me: espere por amanhã para se inteirar. Vou mudar tudo. O pobre vai deixar de ser tão pobre. O rico vai deixar de ser tão rico. Vai haver mais igualdade. Isso é o que todos dizem na sua aparição! Respondi.
Os dias foram se passando e nada modificava. Os minutos tinham sessenta segundos. As horas sessenta minutos. Os dias vinte e quatro horas. E os meses trinta dias. As estações temporais eram quatro. Primavera, Verão, Outono e Inverno.
Só que a meio do Inverno apareceu o primeiro contratempo. A invasão da Ucrânia.
Antes em Janeiro o Partido Socialista tinha vencido as eleições antecipadas com maioria absoluta. Portanto com os portugueses tudo bem.
O tempo, esse, é que não queria colaborar. Era calor atrás de calor. Por esse andar as culturas não iam "procriar". Advinhava-se um ano de fome.
A guerra da Ucrânia intensificava-se. Não havia maneira de entendimento para a paz. É como se costuma dizer. Um mal nunca vem só.
Já se pedia para nas Igrejas se fazer preces a pedir chuva e paz. Mas nem se fizeram preces nem a chuva e paz apareceram.
Os meses foram passando até que chegou Outubro e a chuva deu sinal de vida.
Veio de tal maneira que já havia quem queria preces para lhe pôr termo. Vá lá compreender o ser humano. Os rios já transbordam.
O ano caminha para o seu fim. No dia em que escrevo este texto é o trinta e um de Dezembro.
A chuva não pára e até se prevê tempestade. Os responsáveis pelas autarquias estão a suspender os festivais de fim de ano.
O de dois mil e vinte e dois que é o que nos encontramos está ansioso pela despedida. As suas promessas não se concretizaram.
Certamente o de dois mil e vinte e três também vai aparecer todo garboso e também vai bater á porta. Truz... truz.
Só que não sei se vou dizer: quem é? Entre.
Manuel Pacheco

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Crónica do quotidiano – O governo e a política:

A azia provocada pela maioria absoluta do PS está a dar lugar a um festival de festejos e desforras. Não pode a direita, cada vez mais à direita, queixar-se da asfixia democrática que as maiorias absolutas do cavaquismo impuseram ao País, mas deve o PM refletir na inépcia de algumas nomeações, nas indecisões em que se enredou e na imprudência com que permite a Marcelo liderar a oposição.

Não se pode perder ministros como Marta Temido ou Pedro Nuno dos Santos sem enfraquecer o Governo, a primeira com os bastonários da saúde e os hospitais privados a dispararem contra o SNS, e o segundo, o alvo predileto da direita, com um programa viário que o lóbi rodoviário odeia, e fere poderosos interesses privados. Ministros desta envergadura e incorruptibilidade fazem falta ao Governo e ao País.
O PS ganhou as eleições, não ganhou o poder, e devia estar mais atento a quem o detém e aos meios de que dispõe. Marcelo, com a maioria absoluta do PS, perdeu as eleições, e manteve o poder mediático e a habilidade de parecer que manda. Não é como Cavaco, o azedo difamador dos adversários, é um sibilino intriguista que desgasta o Governo até dispor dos seus preferidos, Durão Barroso e Carlos Moedas. Cada promulgação de um decreto parece uma dádiva do PR e cada veto uma vitória.
Os que hoje unanimemente vaticinam o fim prematuro do Governo, enquanto preparam o xeque-mate ao PM, esquecem-se apenas que a o anúncio da sua morte é exagerado. A oposição de direita exulta, está determinada a não deixar governar, e não está preparada para ser poder.
A degradação do PSD, a que Cavaco, Miguel Relvas, Marco António e Passos Coelho o conduziram, é responsável pelos candidatos a líderes que vieram, sendo Rui Rio o único que o podia ter conduzido à matriz fundadora, logo combatido por Marcelo e pela tralha cavaquista.
A Oposição de direita, a única que tem espaço eleitoral, está refém da mediocridade que a atingiu e refém de Belém, e o PM sabe que deve conter-se perante intrigas do PR, que não lhe perdoa a irrelevância a que o condenou a maioria absoluta.
Se António Costa conseguir resistir à pandemia, à guerra na Ucrânia, à inflação e ao PR, terá um lugar cimeiro na História, para além das vitórias dos dois primeiros Governos, contra comentadores alinhados, fazedores de opinião avençados e outros oportunistas.
O povo é sereno!
Carlos Esperança

Recuperar a liberdade de mudar e decidir:


Lamentaria a saída de Pedro Nuno Santos do governo se acreditasse na sua morte política. Mas nem as direitas partidárias, muito menos as da comunicação social, que o têm erigido em alvo preferencial, se iludem com essa possibilidade. Fica a exceção do jagunço do costume, mas esse só é para levar a sério enquanto demagogo mentiroso, que engana, e enganará, o lumpen ao serviço dos que, por trás dele, se acoitam como verdadeira e sempiterna ameaça.

Haverá quem se satisfaça com a vitória nesta pequena escaramuça, mas sem comemorações a sério porque sabem serem outros os contornos da verdadeira guerra lançada contra quem foi o melhor e mais competente ministro deste governo. Porque, ao invés de António Costa, que quer mudar o país passo-a-passo, Pedro Nuno anseia pelas transformações desejadas por aqueles que não esquecem a canção do Sérgio Godinho sobre ser urgente o fluir da torrente para quem tem sentido a vida parada. Precisamente por responsabilidade maior dos que são titereiros dos que, multiplicam contínuos dislates manipulatórios, que acabarão por fartarem os ouvidos de quem desconfia não ser verdade a repetitiva elocução das mentiras.

Doravante como deputado, e com a liberdade de prosseguir o trabalho de contacto com os militantes e simpatizantes socialistas de norte a sul do país, Pedro Nuno Santos fará o seu caminho para revigorar um partido, que arriscaria ficar anémico se não viesse a ser estimulado com a sua  determinação para melhorar a vida dos portugueses. 

A administradora da TAP e a anedota do jacaré:

O chinfrim (é disso que se trata) a propósito da saída de uma administradora da TAP, que recebeu uma boa indemnização e foi para outra empresa de onde transitou para o governo é uma algazarra como a que há anos, a propósito da lei do aborto, as beatas rurais mobilizadas pelos curas fizeram gritando à porta dos governos civis: “Não ao aborto, sim aos desmanchos!”

Há, é evidente, uma questão ética (falta de) na transumância da administradora da TAP, a engenheira Alexandra Reis. Ou ela quer ser quadro de topo de empresas privadas, ou ela quer uma carreira na administração pública. A lógica das empresas privadas é a do lucro, a das empresas públicas é (devia ser) a do serviço à sociedade. Mas ela pertence à geração do saque neoliberal, que foi educada a considerar os valores éticos questões para idiotas e perdedores. Ela foi educada a ver médicos a garantir uma base financeira segura como funcionários públicos nos hospitais do SNS e a aproveitarem todas os interstícios da lei para fazerem o seu chorudo pé-de-meia na medicina privada. Ela entende as empresas públicas como o chefe da ordem dos médicos e o chefe do sindicato entendem o Serviço Nacional de Saúde: um local de poiso de curta duração antes do voo para outras atividades mais lucrativas, ou dos jornalistas e comentadores avençados que passam das estações públicas para as privadas e regressam ao público para a administração de uma entidade reguladora, ou um gabinete do governo.

É este o caldo de cultura onde germinam engenheiros e engenheiras, jornalistas e pregadores de moral. O chinfrim a propósito deste caso, que até ressuscitou o Santana Lopes, tem o nome de descaramento e não de seriedade!

O objetivo intermédio desta campanha era o ministro das obras públicas, Pedro Nuno Santos (o final é o derrube deste governo). Nuno Santos morreu atropelado por um comboio de 12,5 mil milhões que pretende recolher matéria-prima de três minas:

- O novo aeroporto de Lisboa — as mais poderosas empresas de construção necessitam de um ministro por conta. Segundo estimativas publicadas são 5 mil milhões para um aeroporto novo (Alcochete), ou 1,15 mil milhões para a solução Montijo+Lisboa;

- A TAP. Ao contrário do que as empresas de lobbying têm feito crer a TAP possui ativos de grande valor: as rotas para África e para a América do Sul (Brasil e Venezuela) e desperta o interesse de vários grupos de aviação. Quanto mais desvalorizada estiver a TAP mais barata será para a Iberia/Air France/ Lufthansa/ British Airways./KLM. O Estado já lá injetou 3,2 mil milhões e os potenciais compradores querem uma pechincha!

- O TGV — quem irá construir as infraestruturas do TGV, quem irá fornecer o material circulante? O custo do projeto TGV tem sido apresentado como sendo da ordem dos 4,5 mil milhões.

Estes três negócios valem cerca de 12,5 mil milhões. Convém ter ministros amigos e um governo permeável. O clamor de base moral e ética de gente que até rouba o colete dos outros, mesmo dos que têm o casaco vestido, apresenta este fundo escondido, silenciado. Está a decorrer com grande êxito uma campanha dos predadores para convencer os pagantes de que 500 mil é maior que do que 12,5 mil milhões!

Lembram-me a velha anedota do crocodilo: Saiu uma nota na floresta a decretar que os animais com a maior boca iriam ser eliminados, a bem da sustentabilidade da natureza. Diz o jacaré: coitadinho do hipopótamo! Ambos têm a boca grande, mas uma das bocas come 500 mil e a outra de superior a 12, 5 mil milhões, no entanto, segundo vemos e ouvimos essa é que prejudica o meio ambiente!

Pensando no dinheiro que está em jogo percebe-se que a notícia (nada inocente, nem a bem do contribuinte) da indemnização à engenheira Alexandra Reis caiu como sopa no mel (era essa a intenção). Os jogadores voltaram a sentar-se à mesa do casino.

O falecido Arnaldo de Matos concluiu genialmente: Isto é tudo um putedo! O “educador do proletariado” conhecia o milieu, os bas fonds e, apesar dos muitos defeitos, ao contrário dos dois jovens políticos ensarilhados nesta rede possuía a sabedoria do Diabo, que é diabo por ser velho e viver entre manhosos e criminosos e não por ser intrinsecamente mau.

Carlos Matos Gomes 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

"O QUE ESTÁ ERRADO NO CASO DE ALEXANDRA REIS?" - pergunta CARMO AFONSO:

«Há uma pergunta que deve ser feita, mesmo considerando que foi escasso o poder decisório do Estado: os ministros com a tutela da TAP tinham conhecimento da indemnização?»

É tão obrigatório como difícil falar sobre o caso de Alexandra Reis. Porque é obrigatório? Porque ouvindo a descrição dos factos – e não se conhecem todos –, é intuitivo concluir que algo não soa bem. E porque é difícil? Porque é altamente previsível que não esteja em causa o cometimento de qualquer ilegalidade e, mesmo no universo dos princípios, é delicado escolher qual foi o princípio de boas práticas que não foi seguido e qual a sua natureza.

Alexandra Reis recebeu uma indemnização em sede de acordo que celebrou com a TAP e essa indemnização terá sido calculada tendo em conta a sua remuneração e o tempo que faltava para o termo do seu mandato. A este propósito li o artigo do Daniel Oliveira no Expresso, “O problema do meio milhão de Alexandra Reis é político”, em que é referido que não faz sentido esta forma de cálculo de uma indemnização, porque isso seria impensável para um trabalhador. Ora, nos contratos de trabalho a termo é precisamente esse o cálculo que deve ser feito em caso de cessação, por iniciativa do empregador, antes do fim do termo do contrato. Ou seja: por aí, não só não encontramos qualquer falha legal, como também temos um raciocínio que se aplica a todos os trabalhadores contratados a termo.

A iniciativa que culminou na cessação do contrato terá sido da empresa e não de Alexandra Reis. É a lógica do recebimento de uma indemnização que assim o determina. Mas essa iniciativa não é incompatível com a posterior renúncia de Alexandra Reis. Tudo depende dos termos do acordo. Para já, e tendo em conta a informação que se conhece, teremos mesmo de abandonar o terreno da legalidade para discutir este caso.

Meio milhão soa mal, sobretudo num país onde a esmagadora maioria das pessoas ganha salários baixos ou muito baixos. O primeiro problema objetivo a apontar a este caso é que ele põe a nu a existência de dois mundos – ou de duas classes – no que diz respeito à valorização do trabalho prestado. A maioria dos trabalhadores da TAP ganha escandalosamente abaixo do nível remuneratório de Alexandra Reis. A partir desse desnível é fácil (não é só fácil, é necessário) que o cálculo de uma indemnização leve a montantes que se afiguram pornográficos para a maioria dos trabalhadores portugueses.

E entrámos na política. É aqui que devemos continuar.

Se Alexandra Reis chegou a acordo para sair da TAP, ela não ficou restringida em nenhum dos seus direitos enquanto sujeito político e designadamente o de ser contratada para desempenhar funções na NAV ou o de ser nomeada como secretária de Estado do Tesouro.

Mas uma análise política exige que vamos mais longe.

Alexandra Reis na TAP tinha estado envolvida nos cortes salariais aos trabalhadores da companhia, cortes esses que persistem em vigor. A primeira pergunta a fazer é se esses cortes foram extensíveis a cargos como aquele que a nova secretária de Estado ocupava. É que impor cortes aos outros e não ser atingida pela mesma medida é um problema político. Sobretudo notar que as novas competências de Alexandra Reis vão sempre tocar em finas matérias e que eventualmente estarão aí incluídas as empresas públicas e as empresas participadas que integram o sector empresarial do Estado, ou seja, poderia ser a responsável pelo dossier dos empréstimos à TAP e pelo da anunciada privatização da empresa. Ainda este ano, Alexandra Reis negociava uma indemnização na qualidade de contraparte.

Não é Alexandra Reis a primeira da fila para responder perante os portugueses. Temos o próprio Governo. Vejamos: se a TAP pagou a Alexandra Reis pela sua saída, mas o Governo insiste em escolhê-la para cargos e funções de responsabilidade, parece ficar demonstrado que foi escasso o poder decisório do Estado neste processo. A hipótese contrária, que também deve ser equacionada, é ainda pior. E há uma última pergunta que deve ser feita, mesmo considerando que foi escasso o poder decisório do Estado: os ministros da tutela tinham conhecimento da indemnização? Esta é a outra ponta do fio de que é feito este novelo.

Andamos a movimentar nenúfares, quando falamos do caso de Alexandra Reis. O sentimento de injustiça que ele suscita não tem acolhimento na lei, mas paira sobre demasiados princípios. Ora, é missão da política trazer ao ordenamento e ao campo das obrigações aquilo que traduz a justa percepção das situações por parte dos cidadãos. Tem de se tornar clara a linha que separa um comportamento incorreto de um comportamento racional que procura optimizar as oportunidades que surgem.

Este lusco-fusco encandeia.

(A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico)

O que acho do Pedro Nuno Santos?

(Por Sófia Smirnov, in Facebook, 29/12/2022)

Oque acho do Pedro Nuno Santos? Querem mesmo saber? Gosto do Pedro Nuno, mais jovem, determinado, sem papas na língua nem medo de fugir ao politicamente correto e às regras impostas por uma seita há décadas, uma rede de influências e favores que minou toda a classe política e não há exceções, da esquerda à direita, a anormalidade do panorama político é atroz.

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Do blogue Estátua de Sal 

O General Agostinho Costa é um santo:

(Por Sófia Smirnov, in Facebook, 20/12/2022)

Depois de tanta anormalidade vamos ao momento cómico do dia. (Ver o vídeo abaixo).

O Major-General Agostinho Costa, nem sei como se aguenta sem chamar galinha de cabeça oca a uma alma destas, hahahahahah. Ainda a trata por Sô Tora, o homem é santo, só pode. Já me estou a ver a mim a dizer:

“Oh sua aventesga, quem foram os irresponsáveis que lhe deram um diploma académico? Foi no ensino especial?”.

É que nem sei onde vão buscar estas aves raras, elas aparecem por todo o lado, eles e elas sem nada na cabeça, só ar. Mas esta gente faz ideia o que é uma guerra? Eu era contra o regime militar obrigatório mas agora acho que fez falta a esta gente, eles e elas, vivem assim tipo num Universo paralelo de barbies, pestanas postiças e romances de cordel da FNAC (a FNAC dá cultura não se esqueçam, mesmo que não comprem nada têm que lá ir e tirar umas selfies para o Facebook )… Ainda bem que nasci mulher, valha-me isso… A sério que tenho mesmo pena de alguns homens. Acho que alguns começam mesmo a sentir-se impotentes, eu sentiria irra, só mesmo com um rolo de fita isoladora para as calar e uma bandeirinha na cabeça pela pátria…

Portanto, diz ela que o Ministério da Defesa britânico anunciou que a Rússia vai mandar palhaços para a frente de batalha para animarem as tropas, hahahah. Para quê? Fartos de um palhaço estamos nós todos e os militares russos. Com combates fortíssimos iam mandar palhaços para um espetáculo na linha da frente, querem ver? Fogo-de-artifício,  já têm, ah, palhaços e músicos, tipo concerto ou Natal dos Hospitais.

Eu juro que nunca vi tanta anormalidade junta, e ainda estava toda atiçada a dizer que o Zé era palhaço mas corajoso. Uma coragem do caraças, no bunker, sem ter de agarrar em armas nem dar o corpinho ao manifesto, a fazer vídeos e a cagar larachas enquanto os lerdos pagam a inflação e lhe enviam aos milhões para ele snifar parte. Ela que cheire uns riscos e que perceba, se também não é a mais corajosa do Universo, ficam todos entusiasmados, uns heróis e os maiores… hahahah.

Estas notícias têm cada vez mais qualidade, de facto. Alguém que diga a esta alma que o Putin não vai mandar palhaços, vai mandar gajas boas… Depois do Viagra que mandou para as tropas russas (Viagra que é fabricado pela Pfizer, os tais amigos da amiga Úrsula do Zelensky), no mínimo tem que mandar duas mulheres para cada soldado, aliás, as mulheres deles acham bem e até já pediram ao Putin que envie as meninas, ahahahah.


 Do blogue Estátua de Sal

Comunicado do Ministério das Infraestruturas e da Habitação:

Perante todas as questões que têm sido levantadas e suscitadas ao Ministério das Infraestruturas e da Habitação importa esclarecer o seguinte:
1. No seguimento da alteração acionista da TAP S.A. e da TAP SGPS que resultou na saída do acionista privado Humberto Pedrosa, a CEO da TAP solicitou a autorização do Ministério das Infraestruturas e da Habitação para proceder à substituição da administradora indicada pelo acionista privado por manifesta incompatibilização, irreconciliável, entre a CEO e a vogal do Conselho de Administração;
2. Para preservar o bom funcionamento da Comissão Executiva e, portanto, o sucesso da implementação do Plano de Reestruturação, foi dada autorização para se proceder à rescisão contratual com a Engª Alexandra Reis;

3. Neste contexto, a TAP iniciou, em janeiro de 2022, um processo tendo em vista a rescisão contratual com a Eng.ª Alexandra Reis;
4. Como resultado desse processo, a TAP informou o Secretário de Estado das Infraestruturas de que os advogados tinham chegado a um acordo que acautelava os interesses da TAP. O Secretário de Estado das Infraestruturas, dentro da respetiva delegação de competências, não viu incompatibilidades entre o mandato inicial dado ao Conselho de Administração da TAP e a solução encontrada;
5. Todo o processo foi acompanhado pelos serviços jurídicos da TAP e por uma sociedade de advogados externa à empresa, contratada para prestar assessoria nestes processos, não tendo sido remetida qualquer informação sobre a existência de dúvidas jurídicas em torno do acordo que estava a ser celebrado, nem de outras alternativas possíveis ao pagamento da indemnização que estava em causa;
6. No entanto, tendo o Ministro tido agora conhecimento dos termos do acordo e perante as dúvidas, entretanto suscitadas, solicitou à TAP explicações em torno deste processo;
7. No seguimento das explicações dadas pela TAP, que levaram o Ministro das Infraestruturas e da Habitação e o Ministro das Finanças a enviar o processo à consideração da CMVM e da IGF, o Secretário de Estado das Infraestruturas entendeu, face às circunstâncias, apresentar a sua demissão;
8. Face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados em torno deste caso, o Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, entende, neste contexto, assumir a responsabilidade política e apresentou a sua demissão ao primeiro-ministro.

Lisboa, 29 de dezembro de 2022 

Pedro Nuno Santos

A superação da dissidência, a desobediência e o regresso dos velhos totalitarismos:

A Liberdade é para mim o valor supremo. É a Liberdade que me permite ser eu. Mas apenas posso sobreviver em sociedade, o que impõe limites à minha liberdade. Vivo e vivi a lutar por me libertar, sabendo que estarei sempre preso, mas bato-me para esticar ao máximo a corda que me limita. Cheguei à conclusão (já não era sem tempo) que passei a existência como um prisioneiro que pensou constantemente em planos de fuga, e se relacionou com os outros presos e os guardas de modo a garantir a maior liberdade possível. Descobri à minha custa o segredo de conseguir equilibrar forças numa sociedade violenta. Nada de novo. Desde a antiguidade que primeira tarefa dos chefes é assegurar a obediência dos seus subordinados. Tentei e tento superar os riscos da dissidência, da desobediência. Nunca recebi um louvor por comportamento exemplar. Não me orgulho, mas sinto-me bem por ter superado a minha dissidência e, antes do tudo o mais, aprendi a distinguir os profetas da submissão por debaixo do tropel dos gritos e dos arrepelos dos cabelos. Os movimentos de extrema-direita que estão a sair da terra como os cogumelos do estrume gritam muito, mas nada mais pretendem que um regime de submissos. A insubmissão é hoje a defesa contra a berraria dos serventuários dos poderosos.

Max Weber, o sociólogo alemão, afirmou que a finalidade do poder é “a imposição da vontade de uma pessoa ou instituição sobre os indivíduos, mesmo contra resistências”. O poder é independente da aceitação dos sujeitos, mas aprendi que a utilização da força é o mais oneroso e traiçoeiro dos meios de obter um domínio e o menos fiável. Recrutar vendedores de felicidade e ilusionistas é muito mais eficaz.

Na nossa modernidade, Maquiavel e Hobbes, um com o «Príncipe» e o outro com «Leviatã», propuseram regras para analisar o exercício do poder e estão de acordo. Para Maquiavel a função do príncipe é consolidar o seu poder e ele não deve hesitar no uso da força e na astúcia. Quanto a Hobbes, o soberano exerce o poder pela força natural e pela concordância. Pau e cenoura, mas existe uma questão prévia: Como obter a submissão, a obediência às ordens? Como conseguir a servidão voluntária?

O grande mestre desta arte foi (tem sido) Étienne de La Boétie, francês do século XVI, amigo de Montaigne e considerado o fundador da moderna filosofia política em França. La Boétie escreveu em «Discurso da Servidão Voluntária»: “A primeira condição para a submissão voluntária é o hábito — os cavalos acabam por se habituar ao freio e até brincam com ele, aceitam a albarda e até se exibem apertados por ela todos ufanos e vaidosos.” Concordo com ó diagnóstico, mas dei sempre má cavalaria.

A questão de habituar os animais e os homens à submissão agravou-se nas sociedades industrializadas com as novas tecnologias da informação e as correspondentes tiranias venenosas. George Orwell, um fino observador das perversões que transformam sociedades abertas em sociedades totalitárias, considerou que os indivíduos são sujeitos a um persistente trabalho de sedução para que abdiquem do seu direito de pensar. No Ocidente, esse trabalho de sapa está a ser efetuado por pastores evangélicos, movimentos restauracionistas, e grandes cadeias de informação.

Os discursos no espaço público têm por finalidade a supressão da dissidência, a imposição do pensamento único ao “não há alternativa” (TINA), ou mesmo “os outros ainda são piores.” A função dos comentadores, mesmo quando apresentados como “fontes especializadas”, é anular a argumentação apesar de acompanhada de evidências contrárias. O caso recente de maior sucesso na supressão da contra-argumentação como arma do poder foi o das “armas de destruição em massa” que e Bush Jr jurou existirem no Iraque.

Temos agora o caso da Ucrânia como exemplo da supressão da crítica e da diferença. Essas “ferramentas de consciência de massa”, como os especialistas em comunicação as definem, permitem controlar as opiniões públicas e levá-las a acreditar e também a ignorar, orientando a atenção para o imaginário e a cegarem perante a realidade.

Olhando à nossa volta com autonomia de pensamento vemos as grandes placas que representam os antigos blocos político-militares criados no pós-Segunda Guerra a deslocarem-se, mudando o centro de gravidade do poder no planeta do Atlântico Norte, o mare nostrum ocidental, para Oriente. Moscovo e Pequim, parece terem entendido as mudanças que estão a ocorrer e saber como amplificá-las, assim como as capitais da América Latina, as de África e as do continente indiano.

E o Ocidente? Os neocons que governam os Estados Unidos estão a preparar-se para deixarem a Ucrânia e seguirem em frente, como fizeram no Vietname, no Iraque e recentemente no Afeganistão, que saiu dos noticiários. Os neocons nunca olham para trás. Devem estar a preparar o próximo projeto de enfrentamento com a China. Quanto à província europeia, os seus dirigentes repetem um discurso de tout va bien madame la marquise. Desindustrialização na Europa, inflação, desemprego, migrantes são a realidade visível, mas para os líderes europeus tudo vai bem, embora tudo arda.

O conflito na Ucrânia trouxe para a atualidade a utilização num grau sem precedentes da técnica da “negação e engano”. Os Estados Unidos estavam decididos a sangrar a Rússia e pagaram a nada menos que 150 empresas de relações públicas para convencer os líderes europeus e os seus crentes da possibilidade de sucesso. A estratégia funcionou no mesmo registo do “Ministério da Verdade” do livro «1984», de George Orwell, tendo por base o objetivo de conseguir “a unidade mental das multidões” que o professor belga Mattias Desmet, da Universidade de Ghent, descreveu em «The Psychology of Totalitarianism».

Descobri Mattias Desmet através de citações suas em obras sobre Hannah Arendt e Gustave Le Bon. Mattias Desmet proporcionou-me uma explicação para o nazismo e o fascismo diferente das que assentam nas condições materiais e nas etapas da História. Situou na psicologia de massas a origem do pensamento totalitário e as razões de adesão ao totalitarismo que estão na moda. Aborda os novos movimentos que emergem em Portugal, Espanha, França, Itália, na Bélgica e na Holanda, na Áustria tendo como pano de fundo a psicologia da negação em massa de realidades evidentes. Identificou os “mecanismos psicológicos primitivos” para que uma narrativa evolua para uma insidiosa “formação em massa” que destrói a consciência ética dos indivíduos e anula a capacidade de pensar criticamente. A condição primária para conseguir esta anulação dos indivíduos é que haja um segmento da população sem vínculos comunitários ou sem objetivos para as suas vidas, um segmento que sofra de “ansiedade e descontentamento flutuantes”, pois são estes segmentos que estão disponíveis para a agressividade com o sentimento de que “o sistema está manipulado” contra eles (repare-se na repetição do discurso após as eleições de Trump e de Bolsonaro), ou o grito “Vergonha” berrado repetidamente por Ventura. Os militantes destas organizações correspondem ao lumpenproletariat e às classes médias em perda de status que serviram de base ao nazismo. Multidões de jovens sem futuro e sem esperança, independentemente das suas habilitações, são a matéria-prima para promover uma sociedade totalitária. Recusar essa submissão acrítica é defender a Liberdade.

Estas organizações, com a lógica das seitas e dos gangues, não dispõem de um programa político a não ser a intolerância e o ódio aos que se querem livres para pensar, mas são atrativos porque o vazio de ideias traduzido em frases fortes parecem oferecer esperança a seres desamparados e disfuncionais. Na Europa, o Chega, o Vox, o FN, os Fratelli d’Italia, no Brasil os bolsonaristas e nos EUA os trumpistas repetem as mesmas artimanhas dos seus avós nazis e fascistas. O líder é o pastor de um aglomerado de carneiros ao qual se misturam alguns lobos esfomeados de poder.

A negação da realidade que foi instituída como doutrina pelo Ocidente conduziu a este triste resultado. Há que ser dissidente para defender a Liberdade.

Carlos Matos Gomes

9 meses de Governação e 10 Governantes caídos…

Uma maioria absoluta não foi suficiente para António Costa formar um novo governo sem criar uma nova geringonça! Desta vez foi a da, putativa, sucessão, importando, para o executivo, problemas que deveriam ser dirimidos no Partido Socialista nos momentos e órgãos próprios.

Afirmei, na Comissão Política Nacional, que se realizou após a vitória eleitoral, que o Governo deveria ser eminentemente político e experiente, contudo Costa, mesmo tendo perdido, para a Presidência da AR, o único “senador” do PS no Governo, sentiu que não precisava de figuras seniores para dar peso político ao seu novo governo, o que se revelou um desastre, considerou também que lhe bastaria a união da maioria no partido no Governo, ignorando o fiel da balança que a minoria interna poderia trazer ao executivo.
Outro aspecto que fragiliza o elenco de Costa são os independentes, que carecem de peso político, que não se dão ao debate no interior do partido e que, tantas vezes, parecem andar a um ritmo distinto, para não dizer deslocado, do programa do PS. No que toca à descentralização isso é por demais evidente.
Haverá uma Comissão Nacional do PS a 14 de Janeiro, num momento em que a fórmula de comunicação dos “casos e casinhos inventados pela imprensa ao serviço da direita” se esgotou... Será a Comissão Nacional em que António Costa deverá relançar a Governação, deverá unir o Partido, deverá contar com todos e não voltar a excluir a minoria interna. Deve ocupar os lugares no Governo, entretanto abertos, com seniores do PS e aproveitar a ocasião para remodelar alguns independentes que são de uma absurda inexistência política!
O non sense do caso de Alexandra Reis, ou antes de Miguel Alves, denotam a mesma incapacidade do PS para fazer uma avaliação rigorosa do perfil e do percurso desses elementos! Se o PS, internamente, não tem capacidade para fazer essa verificação, que contratem empresa especializada para o efeito! Chega de embaraços e de amiguismo! O PS é um partido político não é um clube de amigos para os amigos…

João Pedro Pereira

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Last Christmas — O Mundo em que vivemos:

A guerra na Ucrânia motivou a recuperação do concento de Ocidente, que tinha caído em desuso ideológico. A guerra na Ucrânia reergueu muros e muralhas, fronteiras entre impérios com língua, leis, exércitos e uma cultura. “Os portugueses somos do Ocidente”, escreveu Camões, e esta afirmação foi recuperada pelo Estado Novo. No pós-Segunda Guerra a afirmação foi utilizada como elemento identificador da bipolaridade da Guerra Fria. Eis-nos de regresso a esses tempos de Ocidente em versão recauchutada.

O Ocidente, que nos anos 50 e 60 podia ser associado a Mundo Livre, a esperança num mundo mais justo, é hoje uma bandeira descolorida e esfarrapada. O Ocidente de hoje é o que resta dos destroços das aventuras do Ocidente pelo mundo, das guerras da Indochina e do Vietname, do Congo, da Argélia, do patrocínio das ditaduras sul-americanas e de Israel, das invasões do Iraque, do Afeganistão, da Síria, da Líbia, das intervenções em África, dos escândalos financeiros e políticos.

O Ocidente do mercado global, esse “patife decadente e perverso” que resta como elemento identificador de uma civilização, produziu como derradeira obra uma elite geracional — os millennials e Z generation — que replica as bolas de Natal: brilhantes por fora, de casca muito fina e ocos por dentro, de Christmas ornaments em linguagem adequada.

No Ocidente foi notícia que um casal de ocidentais suecos andava a angariar dinheiro e adeptos para eliminar uma música, “Last Christmas”, uma obra que passou a fazer parte dos sons de Natal e que os ocidentais suecos querem banir, impedir que jamais seja ouvida (a não ser na clandestinidade). Querem impor o seu gosto à sociedade à custa de dinheiro. Comprar o que é de todos e pode ser ouvido por todos!

Esta grosseira censura baseada no conceito do alarve que arrota e afirma: Pago, logo posso! — que repete milhares de ações idênticas em época de trevas de destruição de símbolos culturais e identitários, seria em tempos de normalidade da civilização ocidental de estados liberais, de que, curiosamente a Suécia foi um farol, um não caso, uma diarreia resultante de uma ressaca. Mas tornou-se um caso nos tempos que vivemos, de regresso à caverna e ao patíbulo!

O primeiro indício do recuo civilizacional do Ocidente é o facto de esta fanfarronice ter merecido as honras da grande difusão. Não é um acaso. Os manipuladores das opiniões quiseram que ele fosse apresentado ao rebanho como um ato legítimo, quiseram normalizá-lo, e não o fizeram por ser uma notícia divertida, uma bizarria de um par que procurou aparecer, ser “famoso”, ter os seus cinco minutos de fama, mas porque está nos planos de restauração do Ocidente a aceitação de um pensamento de subordinação, de obediência que exige a aceitação da censura. Vêm aí tempos difíceis e os privilegiados querem massas acríticas que não questionem o seu poder!

A parelha sueca, em si, é irrelevante, são apenas atores, ferramentas. Mas a mensagem que transmitem é preocupante. Sou quase surdo, não tenho ouvido musical, não sou religioso, o Natal é para mim uma época de convívio, não conheço a dita música, não sei quem a toca, ou canta, mas recuso-me a aceitar que quem quer que seja, sueco, estónio, islandês, inglês, alemão ou francês reúna uma conta (talvez em bitcoins) e com ela a proíba, a elimine, não com uma bomba, como fizeram os talibãs às estátuas do Buda, mas com o dinheiro.

O ato da parelha sueca passa de forma sublimar a mensagem de que no novo Ocidente o dinheiro serve para destruir bens comuns, e não para promover a justiça e a liberdade.

A proposta muito publicitada destes suecos, e a “normalidade” com que foi admitida, é o resultado de um processo de domesticação ideológica que se iniciou nos anos 80, assente no individualismo, no egoísmo e no poder do dinheiro. Estes suecos são o produto da nova religião do Ocidente: tudo é comprável, tudo é mercadoria. Este par é sueco, mas seguem a doutrina de Elon Musk, ou de Trump, ou da deputada grega que andou a promover o Qatar, ou da namorada do futebolista Ronaldo, que lhe ofereceu um Rolls Royce com o dinheiro dele e o foi exibir em Espanha no meio de uma grave crise que arrasta milhões de pessoas para a pobreza.

A compra do Twiter por Elon Musk, o despedimento de milhares de “colaboradores”, a imposição de censura, ou de liberalização dos apelos à violência, o desprezo pelas vidas dos que vivem do trabalho, a corrupção dos homens e mulheres que tomaram o poder — desde a compra de vacinas à promoção de regimes totalitários, — a instituição das “fake news” como um instrumento legítimo de comunicação dos poderosos, da exibição obscena do luxo e da admissão da compra da liberdade que as obras artísticas representam, independentemente da sua qualidade intrínseca, a promoção de “famosos” e “influencers” de figuras que causaram desastres como o de 2008 com a falência dos banco Lehman Brothers estão a ser apresentados aos homens e mulheres do Ocidente como a Revelação de uma nova era em que a seguir à proibição do Last Christmas será banido o Requiem de Mozart, serão reduzidas a cascalho as esculturas de Miguel Ângelo, que em alguns museus do Ocidente já estão cobertas para que olhos mais sensíveis de islâmicos vendedores de petróleo e compradores de propriedades não se ofendam e recusem os negócios.

Estamos, no Novo Ocidente (que começou a ser designado pelos órgãos de propaganda como “Ocidente Alargado”, que inclui a Austrália e a Nova Zelândia, mas não a Rússia, nem a Sérvia), a ser domesticados para que os novos poderes emergentes nos façam percorrer o caminho de aceitação e imprevidência que Brecht descreveu: primeiro vieram buscar os judeus e eu não me importei, porque não era judeu, depois vieram pelos comunistas e eu descansei, porque não era comunista … até que me bateram à porta. O totalitarismo não é um direito!

Carlos Matos Gomes