Rádio Freamunde

https://radiofreamunde.pt/

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Os jornalistas têm alergia ao jornalismo:

«Entendamo-nos: se debater com um demagogo que se especializa em dizer agora uma coisa e daqui a bocado o seu contrário (é ver as cambalhotas que o programa do partido tem dado nos últimos meses), em acusações torpes, em chistes, em interrupções e em invenções é sempre muito difícil, em 25 minutos é um tormento.

[...]

Mas, admitindo naturalmente que haja diferentes opiniões sobre como melhor enfrentar Ventura num debate deste tipo (sobretudo quando se disputa eleitorado, o que não é o caso de Catarina Martins), a questão é que a tarefa de o combater e àquilo que representa não compete apenas aos adversários políticos - é antes de mais até, defendo, do jornalismo. É aos jornalistas que compete contextualizar, expor falsidades, repor a verdade - e perante alguém que se especializa em ódio e mentira e na destruição da democracia, chame-se Trump ou André Ventura, não dá para entrar na desculpa da falsa "objetividade", muito menos para namoros a "killers".»

O “killer” Ventura e a normalização da mentira

Perante a inépcia revelada por quem debateu com Ventura nas presidenciais (Marcelo fazendo parte dos que se deixaram conspurcar), e perante o vexante espectáculo dado por Rui Rio no debate para as legislativas com o mesmo biltre, Fernanda Câncio escreveu o repto acima citado onde pede ajuda aos seus colegas jornalistas. Tanto aos que participam moderando como (ainda mais por terem maior disponibilidade) aos que comentam e analisam esses eventos. Pede-lhes que façam os mínimos, que sejam factuais perante um explorador da ignorância, da alienação e do ódio.

Ora, há algo de desesperado, ou então apenas estético, neste pedido. Porque os jornalistas, tirando as excepções que confirmam a regra, não estão nada de nada de nadinha de nada preocupados com o que o Ventura se lembre de dizer ou fazer. E é canja explicar o fenómeno. Este Ventura aparece-lhes como uma cópia do que eles adoram desprezar, uma cópia do típico político. Não só há esse reconhecimento de ser o calhordas mais um actor a representar a sua rábula para o mercado eleitoral onde é uma boa marca, como a própria história do nascimento do Chega é em tudo canónica. Ele foi escolhido por uma das mais importantes figuras da direita portuguesa para ser o protagonista de uma original e fundante experiência política: testar a eficácia da retórica racista, xenófoba e segregadora sob a chancela do PSD. Passos Coelho quis Ventura para fazer de Loures o laboratório do que, 4 anos mais tarde, Rui Rio validou nos Açores. Sem Passos, Ventura teria continuado na CMTV a falar de bola com outros grunhos.

Nem um pingo de exagero ou vestígios de miopia nesta constatação, temos de registar que toda a direita decadente aprova a estratégia – como se viu no levantamento de Cavaco, Ferreira Leite e alia para forçarem Rio a aceitar Ventura como parceiro de conquista do poder. E é esta direita quem dá trabalho aos jornalistas, não temos notícia de empresários socialistas ou esquerdolas a investirem na comunicação social. Das últimas vezes que se falou em tal, aquando da Prisa a comprar a TVI ou do lançamento do i, o resultado foi o casal Moniz e mais um pasquim populista. Logo, estar a pedir-lhes para boicotarem os interesses de quem paga as contas parece condenado à indiferença.

Se porventura o jornalismo cumprisse a missão de “contextualizar, expor falsidades, repor a verdade” como práxis – se por Ventura e por qualquer outro cidadão a merecer tal atenção os jornalistas aplicassem o que aprovaram como Código Deontológico – então o “Face Oculta”, a “Inventona de Belém” e a “Operação Marquês” ou não teriam sido possíveis ou teriam gerado o escândalo de regime que merecem.

POR VALUPI

Do blogue Aspirina B

Sem comentários:

Enviar um comentário