Depois dos debates com Catarina Martins e Rui Rio, ficou claro que a estratégia de André Ventura passará – sem grandes surpresas – por uma narrativa estruturalmente desonesta, pela manipulação grosseira dos factos e por provocações constantes, com vista a irritar os adversários, interromper as suas intervenções e raciocínios, e arrastar a discussão para o seu habitat natural, a lama, para de seguida tomar conta do debate, como aconteceu hoje com Rui Rio, perante uma Clara de Sousa que não soube moderar nem esconder o seu desprezo por André Ventura, acabando por prejudicar o líder do PSD.
Quando diz, a propósito do RSI, que nos Açores anda metade do arquipélago a viver à conta de quem trabalha, Ventura sabe que mente, como sabe que ele mente qualquer pessoa minimamente informada. Existe, contudo, uma indústria de propaganda por trás da desonestidade política e ideológica de André Ventura, que passa, essencialmente, pela criação de memes e conteúdos para as redes sociais, onde, sem necessidade de contextualizar, são despejadas todo o tipo de manipulações para consumo imediato daqueles que se revêm na agenda extremista do CH. É isso que acontece quando Ventura interpela os seus oponentes com prints que o tempo limitado do debate não permite desconstruir, ou quando lança uma bojarda que parece espontânea e genuína, mas que foi devidamente calculada e ajustada pelo gabinete de marketing e comunicação do CH, posteriormente transformada em “André Ventura esmaga” ou “André Ventura destrói”.
Bom exemplo desta desonestidade estrutural, no debate com Catarina Martins, foi a questão do IMI, quando André Ventura acusou o BE de nada fazer para acabar com as isenções de IMI para os partidos políticos, sugerindo que tal se devesse aos interesses particulares do partido. Contudo, em sede de orçamento de estado de 2020, o BE entregou uma proposta de alteração do OE2020 na especialidade, que previa, precisamente, o fim da isenção de IMI para os partidos políticos. Claro que, para o eleitor tipo do CH, nada disto interessa. O que importa é que Ventura disse umas “verdades” a Catarina Martins, mesmo tendo mentido, deliberadamente.
Que verdades são essas? São os factos alternativos à la Trump. É o meio país a trabalhar para sustentar a outra metade, uma das mentiras mais célebres de Ventura e de qualquer neofascista que se preze, que ganha todo um significado adicional quanto proferida por alguém que andou anos a ajudar milionários a fugir aos impostos. São os Mercedes estacionados à porta da casa dos beneficiários do RSI, mesmo que não existam ou sejam do vizinho, são os refugiados de telemóvel na mão, porque um refugiado com telemóvel é, como sabemos, um terrorista multimilionário, e é o sistema e os tachos, pelos quais Ventura anda há meses a mendigar, sempre que exige ministérios a Rui Rio, entre outros clichés do textbook da extrema-direita. Foi assim ontem, foi assim hoje e será assim nos próximos debates, durante os quais continuará a interromper constantemente os oponentes, a mandar bocas e piadolas para os desconcentrar e a exprimir-se com o histerismo populista que o caracteriza, sem nunca acrescentar uma ideia, uma proposta para melhorar o país ou para atender aos muitos problemas que exigem resolução. Só chavões para alimentar o ódio da sua turba contra os beneficiários dos apoios sociais, enfiando o gajo que se aproveita do subsídio e a mãe solteira com três filhos no mesmo saco, contra os ciganos, contra os migrantes, contra qualquer minoria e contra a democracia, que pretende substituir por um sistema autoritário estilo húngaro ou brasileiro. Fez bem o PCP, que se recusou a mergulhar na lama com a extrema-direita.
Esforço-me por perceber porque é que de esta narrativa extremista, desonesta e programaticamente vazia parece conquistar cada vez mais portugueses e não consigo. Alguém me explica?
Do blogue Aventar
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