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sexta-feira, 10 de setembro de 2021

O mar também pára:


Por entre raquetes, bolas e risadas, surge uma pergunta embrulhada no vento da praia que me capta a atenção: "...o mar alguma vez pára?" Esperei um pouco pela resposta, mas infelizmente a minha curiosidade empírica não foi alimentada. E nem dos céus desceu um alma-de-mestre para me elucidar! Contam que os navegadores portugueses ao verem esta ave nos oceanos, sob a forma de um vulto negro, a associaram à alma dos mestres e capitães dos barcos naufragados, cujos corpos jamais foram resgatados. Se no corpo deste tipo de painho que nidifica na costa portuguesa, residir a alma dum velho e conhecedor capitão dos sete mares, ele seria a alma certa para esclarecer a interrogação lançada no ar, e certamente contaria que o mar pára todos os anos, durante alguns dias, entre uma a duas semanas, nos chamados dias de Alcíone, dias de mansidão e silêncio!

Alcíone segundo a mitologia grega era filha de Éolo, e era casada com Ceix, rei da Tessália. Ambos viviam apaixonados e tinham uma vida serena e harmoniosa. Mas após a morte dum irmão, Ceix começou a viver sobressaltado com medo do seu futuro, então decidiu procurar um oráculo. Apesar de Alcíone lhe pedir para não o fazer, porque temeu que algo tenebroso lhe acontecesse, Ceix fez-se ao mar. Na partida, o mar estava calmo e sereno, mas de forma inesperada, as ondas do mar levantaram-se e Ceix sucumbiu na braveza do mar. Alcíone enquanto o esperava, rezava por Ceix, mas o seu mau augúrio fez-se realidade, quando a notícia do seu naufrágio e morte chegou. Na manhã seguinte Alcíone foi até à praia, onde vira o seu marido pela última vez, e ao longe avistou algo que lhe prendeu o olhar. Ao aproximar-se da água do mar, Alcíone viu o corpo de Ceix, e então adentrou pelo mar em direcção ao corpo do seu amado, e fê-lo com tanto amor e paixão que começou a voar sobre as águas, e se transformou num pássaro. Os deuses ao verem o sucedido, ficaram tão comovidos e enternecidos que devolveram a vida a Ceix, transformando-o num pássaro para que ambos se pudessem amar de novo e de forma eterna.

E assim todos os anos, no solstício de Inverno (perto do nascimento de Jesus), Alcíone faz o seu ninho no mar, e por ordem de Zeus, Éolo seu pai e deus dos ventos, aprisiona todos os ventos, para que o mar não se agite...e nesse momento o mar pára!

Por entre raquetes, bolas e risadas, respondo: "...sim, até mesmo o mar pára!"

RICARDO JORGE NETO

"JORNAL "GAZETA DE PAÇOS DE FERREIRA" - EDIÇÃO DE 2 DE SETEMBRO

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