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quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Bravo, Miguel Pinheiro:

Pessoas que admiro moral e intelectualmente são contra a ideia de se debater com Ventura, mesmo dar a conhecer o que diz. Consideram que tal é favorecer o infractor, dando-lhe a notoriedade e poder de influência que procura para aumentar o número dos que apoiam propostas racistas, xenófobas e fascistas. Compreendendo e aceitando a sua posição, não posso estar mais em desacordo. Considero que o problema que os fanáticos levantam só cresce por causa dessa demissão dos que poderiam prestar um serviço fundamental à cidade confrontando a besta e vencendo-a com probidade.

Assim, procuro saber o que diz o Ventura, e como o diz, e o que dizem aqueles que o seguem. Essa atenção é tão mais urgente quando ele é o primeiro deputado que assumidamente pretende espalhar um movimento de derrube da Constituição e seus valores democráticos e humanistas. Não só isso, o poder político que Ventura conquistou nasceu de uma decisão de Passos Coelho enquanto presidente do PSD. Decisão essa que não foi nenhum equívoco, como escrevem hipócritas, foi uma estratégia consciente para testar uma fórmula assumidamente populista num eleitorado considerado viável para tal. Seguiu-se a tragédia de Rui Rio ser himalaicamente estúpido e ter colado o seu destino ao do Chega com o acordo nos Açores, facto que foi celebrado abertamente por Cavaco, Ferreira Leite e dezenas de figuras gradas do PSD. Por fim, temos uma réplica perfeita de Ventura a concorrer na Amadora com a chancela dos sociais-democratas. Nesta situação, se alguém achar que contém o dilúvio de merda a correr nas ruas por apertar o nariz e fechar a janela está a delirar.

Ora, em meados de Agosto viu-se Ventura a levar os seus dotes de aprendiz de feiticeiro a um novo grau. Depois de ter conseguido normalizar o ostracismo da comunidade cigana, depois de apelar à castração de “pedófilos”, depois de mandar uma deputada portuguesa “para a sua terra” por ela não ser caucasiana, depois de prometer prender políticos por terem ideias políticas democráticas, depois da saudação nazi, entre tantas outras manifestações da sua embriaguez de impunidade, lembrou-se de aproveitar a ocorrência de um fogo para lançar esta ideia: “os incendiários deviam ser atirados às chamas”. O canal foi o Twitter (pelo menos) e teve a curiosidade de o nosso incendiário de incendiários ter feito 3 publicações com a mesma expressão. Porquê 3? Aposto os 10 euros que tenho no bolso que tal resultou de uma aguda frustração pois terá achado que não estava a obter a quantidade de visualizações e comentários que ambicionava. Vai daí, a tripla de rajada. Tripla essa que teve de apagar pois o Twitter considerou que, se calhar, havia ali qualquer coisa de exagerado.

Portanto, vamos lá à continha: neste momento, existe em Portugal um deputado, acumulando com ser presidente de um partido aliado do PSD, que propõe publicamente o assassínio pelo fogo de indivíduos considerados “incendiários”; ainda não se sabendo se, na sua cachimónia, esse estatuto é para lhes ser atribuído com ou sem processo judicial. Perante isto, o que é que os restantes deputados, restantes líderes partidários, os diversos ministros, o primeiro-ministro e o Presidente da República deveriam inevitavelmente fazer em nome da Constituição e da República? E o que é que o comentariado disse a respeito, quem falou sequer ao de leve na coisa? É fácil imaginar como tal silêncio seria explicado havendo imprensa em Portugal para interrogar as personalidades acerca de .tamanha aberração Diriam inanidades, recusariam comentar e rapidamente se calariam – cobardes. Mas não há imprensa em Portugal, tendo vindo a única reacção que conheço de um local improvável, o Observador.

Aqui podemos ouvir Miguel Pinheiro, um furioso caçador de socialistas, a honrar a classe ou, pelo menos, o seu nome. Registe-se, porém, o tom contido, quase pesaroso, por ter de estar a tocar na ferida. Tom completamente diferente do que exibe quando está a sovar e a fuzilar os bandidos do Rato que lhe despertam as mais homéricas bravuras. É que, enfim, o Ventura até poderia dar jeito aos direitolas mas, caralho, mesmo para o Miguel Pinheiro há limites na política. O asco que lhe subiu ao goto dignificou a sua imagem e fica como marca de carácter.

POR VALUPI

Do blogue Aspirina B

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