Os inquisidores de fatinho e
gravata
A nova direção do CDS anda
emaranhada — enrascada — com a questão judaica, a tentar controlar os danos
causados por um dos seus vice-presidentes a quem fugiu a boca para a verdade e
revelou os velhos preconceitos antijudaicos de parte da sociedade portuguesa,
ao classificar o diplomata Aristides Sousa Mendes de agiota defensor de judeus
e elogiou a PIDE como uma digna instituição zeladora da pureza da fé e da nação
cristã como o fora no seu tempo a Santa Inquisição e o seu Tribunal do Santo
Ofício.
Não estamos no século XVI quando,
em 1536, foi criado o dito tribunal com a finalidade de preservar a unidade
dogmática da cristandade e de Portugal. A comunidade judaica mundial detém um
avassalador e intolerante poder económico, político, militar e ideológico a nível
global que os partidos aqui em Portugal e em qualquer parte não podem afrontar,
muito menos os partidos de direita e os seus quadros dependentes dos negócios e
da especulação.
As afirmações do dito
vice-presidente do CDS, proferidas quando ainda não pensava na repercussão
pública delas e se sentia livre para expressar os seus preconceitos ideológicos
com franqueza e honestidade, revelam a situação historicamente dilemática das
direitas europeias (das burguesias nacionais), por um lado são nacionalistas e
racistas quer em termos de classe social quer em termos de origem étnica.
Defendem as identidades nacionais assentes em pressupostos de pureza de sangue
e de grandeza histórica conseguida por uma casta (de que se assumem como
representantes) em nome de uma fé. Por outro, são gente de poder e de riqueza,
de negócios e de tráficos que têm de comprar e vender sem olhar a quem. As
burguesias europeias, e a portuguesa não é exceção, vivem a clássica situação
dúplice de manterem a aparência de honestidade e castidade num lar de virtude e
de às escondidas frequentarem o bordel e praticarem a depravação.
O problema, neste caso, foi que
vice-presidente do CDS revelou o que não devia. Ele, no seu íntimo, defende,
tal como os detentores do poder na península Ibérica nos séculos XVI e XVII, a
pureza da raça lusitana, uma ideologia totalitária (no caso da Inquisição o
catolicismo romano, como religião oficial) e o controlo e se possível a
eliminação de elementos dissidentes, ou simplesmente diferentes, potencialmente
perigosos, como os então recém convertidos (pela força) mouros (islâmicos) e os
conversos ou cristãos-novos de origem judaica, as feiticeiras e até os
sodomitas e os bígamos!
A ideologia da direita — casos do
CDS e do Chega — está toda contida nos objetivos da Inquisição quinhentista: a
intolerância ideológica, o pensamento único, o ódio a minorias e ao outro, a
condenação da depravação de costumes e a defesa da família e do papel das
mulheres, consideradas pela inquisição como as principais promotoras da transmissão
de valores.
O elogio da PIDE enquadra-se
neste programa ideológico inquisitorial que constitui o núcleo duro da doutrina
do CDS e do Chega.
As desculpas que o dito
vice-presidente do CDS apresentou ou vai apresentar à comunidade judaica em
Portugal são apenas tretas de um oportunista sem espinha para que os negócios
prossigam. Irá à sinagoga, como, se for necessário, à mesquita, dizer foi um
lapsus liguae, desculpem lá, fazendo figas atrás das costas.
O Tribunal do Santo Ofício,
criado com a finalidade de preservar a unidade dogmática no seio da
cristandade, e a pureza da raça, continua a ser a instituição matriz destes
novos salvadores de fatinho e gravata, eles sim, agiotas dos valores morais e
éticos.
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