Vivemos num país de emoções:
fortes, definitivas e superlativas. Com fervor quase militante, esgaravatamos o
quotidiano para encontrar razões para nos mantermos em estado fervente, sempre
escandalizados com “eles”, auto-flagelatórios com tudo “isto”. Se um país
corrente, comum, tão igual como os outros, com defeitos e virtudes, ameaça emergir
no horizonte, saltamos logo da trincheira: ou somos os melhores do mundo ou
somos a escória e a vergonha da vizinhança. Ai de quem nos insulte chamando-nos
normais!
Nunca Portugal viveu melhor, em
toda a sua História, nunca a generalidade dos seus cidadãos, em média, teve uma
vida tão confortável, em matéria de direitos, de segurança, de rendimentos ou
de bem-estar. E, no entanto, se olharmos alguns títulos e o caráter façanhudo
de certas pantalhas televisivas, dá ideia que o país está a caminho dos níveis
de Aleppo. O nosso serviço público de saúde é notado como um dos mais eficazes
do mundo, mas são as suas falhas, que sempre existiram, mas eram aturadas em
silêncio, que agora fazem a notícia. Quando as estatísticas de segurança
interna esmagam a boataria dos números falsos da criminalidade, não há quem não
lembre que teve uma prima vítima de esticão na mala de mão, como se pudesse
passar pela cabeça de alguém haver o menor orgulho em sermos o terceiro país
mais seguro do mundo. Passámos décadas a gastar milhões para trazer turistas de
fora, para atenuar a conversa dos comerciantes de que “isto este ano está pior
do que no ano passado”. Um dia, os turistas vieram: “São demais! Lá se vai a
nossa identidade! Invadem-nos a cidade!”.
E então, a corrupção! Não temos?
Claro que temos, como temos o combate à corrupção, cada vez mais eficaz, o que
a torna mais visível, infelizmente nunca tão eficaz que consiga erradicá-la por
completo. Mas ninguém tem a coragem de dizer, alto e bom som, que os níveis de
corrupção em Portugal estão perfeitamente na média dos países com o nosso grau
de desenvolvimento. Espera aí! Mas a estatísticas não dizem que estamos no
“topo”? Não dá jeito ler bem, não é? É que confundir deliberadamente corrupção
efetiva com “perceção de corrupção”, que é o que tem sido alegado, é muito
confortável para o achismo da “conversa de taxista” e vai muito com o ar do
tempo e o discurso tremendista dos indignados profissionais.
É bom ser português. Tenho a
ideia de que, nos dias de hoje, há muita gente que, pensando isso intimamente,
teme dizê-lo alto, de tão policiado que anda pelos profissionais do pessimismo.
Publicado por Francisco Seixas da
Costa
duas ou três coisas
No JN
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