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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

O ENCONTRO ENTRE OS PROCURADORES GERAIS DA REPÚBLICA DE PORTUGAL E DE ANGOLA:


Este artigo foi escrito ao abrigo da liberdade de expressão, consagrada na Constituição, como direito cujo conteúdo e limites não podem deixar de ser balizados por outros direitos fundamentais igualmente inscritos na Constituição que com ele podem conflituar e até sobrepor-se se os valores por estes defendidos forem de nível superior aos contidos naquele direito.
Quer isto dizer que não vai ser necessário para escrever o que pretendo recorrer à mais recente (e inacreditável) jurisprudência do STJ e menos ainda à do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, a pretexto de garantirem a liberdade de expressão e de imprensa, permitem que se violem os mais elementares direitos de personalidade, como ainda recentemente aconteceu com o despacho sobre uma providência cautelar interposta por Isabel dos Santos contra uma conhecida denunciante profissional.
Dito isto, é com alguma apreensão que antevejo o próximo encontro entre os PGR dos dois países. Este encontro tem certamente a ver com o “caso Isabel dos Santos” e, como foi solicitado pelo PGR de Angola, é igualmente óbvio que Angola pretende saber até onde as autoridades portuguesas estão dispostas a ir para  a ajudar nos processos em curso contra Isabel dos Santos bem como nos assuntos correlativos com incidência portuguesa.
Este encontro, aparentemente disfarçado de encontro de natureza estritamente jurídica, não passa todavia de um encontro político de alto nível. E é por esse lado que a posição do MP tem de ser encarada, tanto mais que se trata de uma matéria que envolve interesses portugueses cuja importância e magnitude caiem, em grande medida, fora do raio de acção das autoridades judiciárias.
Convém contextualizar devidamente a questão para que se compreenda o que está em causa, sendo certo que nessa contextualização não cederemos, um milímetro que seja, ao politicamente correcto, nem tão pouco nos deixaremos influenciar, por medo, vergonha ou qualquer outra razão, pela magnitude da campanha em curso, fazendo o possível por nos mantermos fiéis à liberdade de análise tanto quanto as nossas capacidades intelectuais e de informação o permitirem.
Assim, é preciso começar por dizer que está em curso uma gigantesca campanha contra certos interesses angolanos promovida por interesses angolanos rivais. Esta campanha, como qualquer outra campanha, é uma campanha paga e que tem por agentes executivos vários órgãos de informação internacionais, entre os quais, em Portugal, os dois mais importantes ligados à Impresa – SIC e Expresso. Todavia a partir do momento em que a documentação começou a ser publicada em apoio das teses que a campanha tem por objectivo veicular, outros se juntaram àqueles órgãos de informação pois  como sempre acontece nas caçadas dos predadores há  os que se contentam com os restos da carcaça, de que o Correio da Manhã e a CMTV são, no caso, o principal exemplo.
Esta campanha, contrariamente ao que também foi veiculado, não envolve qualquer investigação jornalística nem tem por base a apropriação e recolha, lícitas ou ilícitas, de documentos, nem tão-pouco a consulta das famosas “fontes anónimas”, antes resulta da entrega de uma apreciável quantidade de documentos, facultados por Angola, a entidades previamente escolhidas e contratadas para prosseguirem determinados objectivos.
Os documentos a que importava dar a mais profusa publicidade estavam devidamente assinalados e, como sempre, são suficientemente sugestivos para, acompanhados das palavras adequadas, produzirem o efeito em vista.
O objectivo fundamental da campanha é destruir o “império de Isabel dos Santos”, desacreditando-a pessoal, política e empresarialmente, criando por todo o lado onde aqueles interesses existam um clima inibitório ou até intimidatório que leve à sua marginalização e ostracização. Como dano colateral ou indirecto necessário resultaria também a completa descredibilização de José Eduardo dos Santos, bem como do seu contributo na construção da “Pátria angolana”.
Dos documentos entregues ao “consórcio internacional de jornalistas” não decorre qualquer facto indiciador da origem, lícita ou ilícita, da fortuna de Isabel dos Santos, referindo-se todos eles a um período de tempo relativamente recente, coincidente com a parte final da sua breve passagem pela Sonangol até ao presente. Evidentemente, os promotores da campanha bem como os seus agentes executivos pretendem com base em indícios mais ou menos conclusivos resultantes de documentos recentes fazer retroagir os seus efeitos a todo o património pessoal e empresarial de Isabel dos Santos, embora, como já acima se disse, nada nesses documentos tenha a ver com a origem da sua riqueza
Este juízo tanto quanto possível objectivo não co-envolve qualquer avaliação ética dos protagonistas angolanos em confronto e tem apenas por objectivo situar a defesa do interesse português, o mesmo é dizer a defesa do interesse dos portugueses.
Na defesa deste interesse o Governo português não pode deixar-se influenciar pela campanha em curso e muito menos pelas arremetidas dos que, em Portugal, tem por missão promovê-la.
O Governo também deve fazer um esforço para manter “orelhas moucas” às vozes irresponsáveis de alguns que lhe são próximos, sejam essas vozes de “viúvas de Savimbi”, de delatoras (bufas) profissionais, de “supremacistas brancos” ou de uma certa esquerda “de feição neoconservadora” para a qual os negócios só se podem fazer com quem tenha no bolso, sempre actualizados, os certificados do registo criminal passados pelas entidades dos últimos países onde exerceram a sua actividade, tal e qual como o certificado de vacinas contra a febre-amarela, e, além disso, sejam cidadãos de países que não constem do seu extenso “índex (librorum prohibitorum) inquisitivo”.
As consequências políticas, económicas e sociais resultantes do desmembramento, extinção ou paralisação do “império empresarial” de Isabel dos Santos em Angola são da responsabilidade do Governo angolano, que certamente já fez essa avaliação e tirou as suas conclusões.
Ora, a Portugal o que interessa é que os efeitos das decisões do Governo angolano se não repercutam cá ou se repercutam com a menor intensidade possível, porque, independentemente da imputação de culpas e responsabilidades que possa ser feita, quem acaba por sofrer as consequências directa ou indirectamente são os portugueses, pagando inclusive do seu bolso os prejuízos apurados como continua a acontecer com o “saque bancário”, tenha ele como causa próxima a “resolução” comunitária ou outra.
Assim sendo, é do interesse português manter boas relações políticas e económicas com Angola, mas não será difícil demonstrar que não é do interesse português nem do interesse angolano que Portugal se substitua a Angola no desempenho das suas funções de soberania. Dito de outro modo, não é do interesse português, nem o seu sistema jurídico o permite, sequer em relação aos seus nacionais, fazer uma averiguação judicial da origem do património pessoal e empresarial de Isabel dos Santos.
As autoridades portuguesas devem, relativamente a este assunto, limitar-se de acordo com o direito português a averiguar possíveis irregularidades, cometidas em Portugal, por cidadãos ou empresas de qualquer nacionalidade, com base em indícios lícitos recolhidos em Portugal ou fornecidos directamente pelas autoridades angolanas competentes. E nada mais.
É por estas razões que o encontro entre os PGR dos dois países causa apreensão, já que a experiência demonstra que há da parte de certas autoridades do foro judiciário uma forte tentação de imiscuição nos assuntos políticos. Qualquer governo, de qualquer país, não teria a menor dúvida de, num caso destes, transmitir, nos termos da lei e do interesse nacional, as instruções convenientes ao Procurador Geral da República. É de esperar que o Governo português também o faça, porque não há nada que faça pior a uma democracia do que ter um país governado pelo poder judiciário.

Publicada por JM Correia Pinto

Do blogue Politeia

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