Rádio Freamunde

https://radiofreamunde.pt/

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Saber estar em tempos de sordidez:

Vêm aí eleições. Tempo de assaltantes, dir-se-á. Claro. Mas convém não embarcar no botabaixismo do “eles são todos farinha do mesmo saco” ou no discurso do Capitão Jack Sparrow, uma figura de filmes de piratas: “Nos desonestos pode-se sempre confiar porque se sabe que sempre serão desonestos. Honestamente, é nos honestos que temos que ficar de olho… Porque nunca se sabe quando vão fazer alguma coisa realmente estúpida!”
A coisa mais estúpida dos honestos que os democratas podem fazer é serem ingénuos e confiarem nos mentirosos. A democracia não pode ser o reino da ingenuidade.
Uma das grandes mentiras em voga, entre muitas, é a da bondade de dois dirigentes de Ordens que deviam regular a atividade dos profissionais da saúde e que, só por isso, deviam ser particularmente fiáveis, merecedores de confiança.
As Ordens Profissionais foram criadas “para defesa e salvaguarda do interesse público, dos direitos fundamentais dos cidadãos, e para a autorregulação de profissões cujo exercício exige independência técnica. São entidades de direito público e representam actividades profissionais que por imperativo de tutela por parte do Estado justificam o controlo do respetivo acesso e exercício, o respeito das regras deontológicos específicas e um regime disciplinar autónomo”.
Dirigentes da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Enfermeiros não podem assumir funções de ativistas com um programa político e ideológico — no caso de enfraquecimento do serviço nacional de saúde, com a difusão de notícias alarmistas e greves cirúrgicas e de promoção da medicina privada, onde, estranhamente, reina a paz laboral. No caso da Ordem dos Enfermeiros a provocação à autoridade do Estado que representa os cidadãos chegou ao ponto da recusa a inspecções e de mandados dos tribunais. As últimas notícias confirmam a gravidade dos atos dos dirigentes da Ordem dos Enfermeiros.
Os dirigentes de uma Ordem, qualquer que seja, não podem assumir-se como os chefes dos gangues que provocam a insegurança num bairro para depois exigirem pagamento para repor a segurança.
Quem age assim, não se dá ao respeito.
Seria de esperar dos dirigentes das Ordens dos profissionais da saúde um comportamento ético exemplar enquanto cidadãos na defesa de direitos fundamentais dos seres humanos, do direito à vida, em primeiro lugar, mas também do direito dos profissionais de saúde em qualquer parte do mundo a exercerem a sua actividade em prole da vida dos seus concidadãos. Que tivessem a grandeza de seguir as palavras de Públio Terêncio: “Sou homem: nada do que é humano me é estranho”, pois estamos todos irmanados pelo facto de pertencermos à espécie humana.
Mas estes dirigentes das Ordens dos profissionais da saúde revelam que apenas se interessam por si, pelos seus interesses restritos São mesquinhos. Deles, além da displicência com que tratam os seus concidadãos, jamais se ouviu (que eu tenha notado) uma crítica, uma posição ética e moral contra as mortandades em Gaza e em todo o Médio Oriente, nem aos assassinatos de profissionais de saúde nos campos de refugiados palestinianos por atiradores israelitas, nem sobre a fome e morte no Iémen, nem na Síria, nem no Congo, nem na Venezuela, nem na Líbia… nem em parte alguma. Os grandes dramas da humanidade não são o objecto das suas preocupações primárias.
“O homem é a medida de todas as coisas”, nas palavras do sofista Protágoras de Abdera, mas não para os dirigentes das Ordens que hoje, dois milénios e meio passados, surgem nas televisões a exigir mais, mais de tudo, tirando apenas medidas ao homem/mulher médico(a) e ao homem/mulher enfermeiro(a).
Para já não falar da sordidez das pequenas coisas — título de um livro — que é a acção de desestabilização política de um advogado que surgiu a encabeçar um “sindicato dos motoristas de matérias perigosas”, num processo do tipo mafioso.
Tempos de sordidez.
Do Facebook, página de Carlos Matos Gomes

Sem comentários:

Enviar um comentário