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sábado, 27 de abril de 2024

"Marcelo, Montenegro, Moedas e Nuno Melo nas comemorações do 25 de Abril":

"Estou convencida de que a maioria dos políticos de direita não sabe bem o que fazer com o 25 de Abril. Não puderam ignorá-lo, sobretudo estando no poder e comemorando-se o cinquentenário, mas também não conseguiram celebrá-lo sem uma reserva ou sem uma tentativa de o desvalorizar.
Parte da bancada do PSD, e o próprio Luís Montenegro, não usou um cravo na lapela. É um pequeno sinal. Uma maneira de afirmar que não celebram o 25 de Abril inteiro. Já da bancada do CDS, ouvimos Paulo Núncio com a clássica exortação ao 25 de Novembro. Nunca falha. Mas invocar o 25 de Novembro nas comemorações do 25 de Abril é como ir a um concerto de Sérgio Godinho com headphones para ouvir uns hinos e umas marchas do Estado Novo.
As coisas calharam assim. A democracia também é isto. Celebrámos os 50 anos do 25 de Abril representados por um Governo, uma maioria parlamentar e um Presidente da República de direita. Celebram a revolução e até lhe reconhecem qualidades, mas não é um cheque em branco. Tem limites, tem condições e até reparos.
Nestas performances da direita no 25 de Abril, Carlos Moedas passou com distinção. Não apoiou o Arraial dos Cravos, no Largo do Carmo, e, com isso, transformou um pequeno evento numa manifestação imensa. Nunca o Carmo esteve tão cheio na véspera do 25 de Abril. Devemos isso a Carlos Moedas. Por outro lado, fez um discurso para homenagear a revolução. Nesse discurso, percebemos que tem uma visão muito própria do que se passou em 1974. Chama-lhe 25 de Abril moderado, mas eu acho que deveria chamar-lhe 25 de Abril descafeinado. Dúvidas houvesse. Relata quem esteve nas celebrações do Terreiro do Paço que não passaram o Grândola. Parece um verso da canção de Adriana Calcanhoto: 25 de Abril sem Grândola, sou eu assim sem você.
Mas não tenham ilusões. Foi Marcelo quem ganhou esta competição. Podia ter sido discreto e deixar a ocasião passar de fininho. Só que não. Tomou conta da agenda. Ocupou-a. Quis ser o foco das atenções e fê-lo com a subtileza que costumamos atribuir aos elefantes em lojas de louça. Informou-nos de que cortou relações com o seu filho por causa do caso das gémeas. Suponho que quis mostrar aos portugueses que fez uma justiça qualquer. Mas que portugueses ficam satisfeitos por saber que o Presidente da República se incompatibilizou com o seu filho? E, já agora, desde quando um pai – para se mostrar íntegro – coloca a falha moral no seu filho?
Esta parte foi só um aquecimento. Num jantar com jornalistas estrangeiros, fez o pleno. Caracterizou o primeiro-ministro como sendo de um país profundo, urbano-rural, com comportamentos rurais. Disse também que, por causa disso, era muito difícil de entender. Num país que ainda não integrou bem a sua ruralidade, Marcelo achou que o preconceito classista contra as pessoas que não foram educadas nos centros urbanos seria uma tirada bem metida.
Este golpe de génio foi apenas ultrapassado pelo momento em que se referiu a António Costa, um homem lento por ser oriental. A sensação que temos a ouvir Marcelo é igual à de estar ao telefone com alguém que julga ter desligado a chamada e desata a dizer coisas inconvenientes. Preferíamos não ter ouvido.
Ainda achei que Marcelo pensasse estar em off quando disse tais coisas aos jornalistas estrangeiros. Mas parece que não. Foi mesmo uma ausência de avaliação da situação e do alcance das suas palavras. Entre o snobismo e o julgamento racial, Marcelo Rebelo de Sousa, o nosso Presidente, fez secar os cravos.
Também houve a parte em que foi Nuno Melo, na sua qualidade de ministro da Defesa, o mestre da cerimónia militar das comemorações. Meu Deus, o Nuno Melo, que só não risca o 25 de Abril do calendário porque não pode. O Nuno Melo, esse grande ativista do 25 de Novembro. Às vezes, a vida oferece-nos justiça poética, mas, outras vezes, faz isto.

Mas houve coisas boas. A Avenida da Liberdade nunca esteve tão cheia, e se já tinha estado no ano passado. A esquerda tem um sítio onde cresce quando encolhe no Parlamento. É a rua. É essa pertença à rua que não se inventa. O 25 de Abril não tem donos, mas tem inquilinos daqueles à antiga. Os que tinham direitos e uma posse plena. Assistir a este 25 de Abril confirmou isso mesmo. Foi e sempre será uma revolução de esquerda."

(Carmo Afonso, no "Público") 

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