Ricardo Costa é uma das mais poderosas figuras na comunicação social portuguesa. Nesta quarta-feira, botou faladura sobre a absolvição, em 1ª instância, de Miguel Macedo, por sua vez um dos mais importantes políticos portugueses e cidadão acusado num dos mais importantes processos da Justiça portuguesa – O caso Miguel Macedo e o Ministério Público. Neste importante artigo, o director-geral de informação no grupo Impresa foi buscar João Miguel Tavares como singular referência externa a compor a sua prosa. Corolário com a importância que cada um lhe quiser dar: o muito importante Ricardo Costa acha que as opiniões de João Miguel Tavares são muito importantes para os leitores do Expresso, daí estar a convidá-los à descoberta das mesmas. Convite aceite.
Na peça destacada e promovida pelo mano Costa – Miguel Macedo e as “canalhices” – o seu autor declara que Miguel Macedo foi absolvido apenas porque escapou “à tangente de uma condenação devido à formulação da lei e às garantias da presunção de inocência”. É este o único raciocínio objectivo sobre o facto bruto, a absolvição, o resto é fogo de barragem sobre “os políticos”. Espíritos cínicos serão tentados a ver na conclusão uma patarata tautologia. Algo da família do “Se a minha avó tivesse rodas era um camião“. Algo demasiado estúpido para ser citável a não ser como exemplo de inanidade. Mas isso não será fazer justiça à importância que João Miguel Tavares tem para o tão importante Ricardo Costa. Pelo que precisamos de aprofundar a análise.
Segundo a minha vizinha do 4º andar, o que o caluniador pago pelo Público está realmente a dizer é o seguinte: “Caso as leis fossem outras, ou caso não existissem garantias de presunção de inocência, ou preferencialmente as duas circunstâncias em simultâneo, então o Miguel Macedo teria sido condenado.” Condenado por quê, porquê, e com que pena? Infelizmente, não teve tempo para deixar uma jurisprudência alternativa na sua importante denúncia de mais um político que pretende condenar mediaticamente para aplauso da turbamulta. Em vez disso, a fixação num discurso primário feito de insinuações emporcalhadas e generalistas expõe uma retórica que apela – de iure – a um clima em que se aceite socialmente a diminuição dos direitos e garantias dos cidadãos em nome do “combate à corrupção dos políticos” (constate-se que este caluniador, que se auto-proclama ao lado de Rui Ramos e José Manuel Fernandes como super-herói na Grande Guerra Socrática, não gasta um caracter a reflectir sobre a sociologia e antropologia da corrupção, não usa um neurónio para comparar os níveis de corrupção internacionais, não perde uma caloria a discorrer sobre a corrupção de funcionários estatais e autárquicos, sequer apresenta qualquer dado mensurável e aferido por instituições com autoridade relativo ao fenómeno da corrupção em Portugal; tudo para ele se resume à perseguição de quem conceba como inimigo político ou de quem sirva para reforçar a sua marca comercial).
E não só, e ainda mais decisivo: as consequências para a vida pessoal, vida profissional e carreira política de Miguel Macedo, por ter sido acusado num processo judicial sem prova válida em tribunal, estão totalmente ausentes da sua farronca. Ou por outra, aparecem referidas indirectamente apenas para serem chicoteadas. O caluniador revolta-se contra quem aponte para os danos que o tal Ministério Público que “acabou com a impunidade” produziu com a sua acusação de merda, deixando um espectacular fiasco da PGR da santa Joana ao abandono na comunidade. Para este palhaço do circo justiceiro, o único problema que existe no processo “Vistos Gold” está no desencontro entre a campanha política que fez de Joana Marques Vidal uma comissária política de Passos e Cavaco e a real integridade e independência do poder judicial que respeita e aplica a Lei. O dinheiro gasto ao longo de anos pelo Estado, os recursos humanos ocupados na investigação e acusação e, acima e antes de tudo, a destruição do bom nome e valor social de cidadãos, mais a depauperação da sua segurança e saúde, e podemos até esquecer que têm família e amigos, justificam-se no seu bestunto se o caluniador profissional puder usar algum material das cinzas do caso para despachar mais um texto pago pela Sonae, eis a única lei que venera. Agenda secreta desta pulhice desenfreada: a fantasia lúbrica de ver o Ministério Público transformado numa polícia moral ocupada exclusivamente com governantes, deputados e dirigentes partidários. Qualquer pecado descoberto, mesmo que não recebendo de juiz algum o carimbo de ilegal, seria sempre para este senhor uma “tangente” à sua pulsão torcionária (desde que lhe dê jeito, vide como tratou os altos e baixíssimos voos do seu ídolo na Tecnoforma, para dar um singular e ilustrativo exemplo da sua duplicidade axiológica e inveterada sonsaria). Logicamente, a publicação das gravações dos interrogatórios judiciais dos “Vistos Gold”, expondo-se os registos áudio e vídeo dos arguidos, passa sem qualquer referência da sua parte. Compreende-se facilmente o silêncio. É que alguém que ganha o pão a explorar canalhices desse calibre não pode morder na mão que o alimenta.
Quantos anos teria Miguel Macedo de passar a ver o sol aos quadradinhos em ordem a deixar o Torquemada da classe política satisfeito? Nunca o saberemos, receio. Mas talvez um dia eles se cruzem por aí e o nosso salvador da pátria se lembre de dizer ao ex-futuro-presidiário qual o castigo que gostava de lhe dar. Entretanto, ficamos com uma questão bizantina nas mãos: Ricardo Costa acha que João Miguel Tavares está ao seu nível, ou, pelo contrário, Ricardo Costa acha que já chegou ao nível do João Miguel Tavares?

Legenda desta imagem: numa excepção que confirma a regra no Público, desta vez a inteligência e a decência venceram pelos números a vacuidade narcísica, a incapacidade empática e o oportunismo rapace.
Do blogue Aspirina B
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