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terça-feira, 4 de setembro de 2018

Comportamento exemplar de Joana Marques Vidal seria reafirmar o que já disse:

Em Março de 2016, em Cuba, a actual Procuradora-Geral da República declarou ser o mandato de PGR único. De facto, a duração prevista pela Constituição é de seis anos, duração mais longa do que o habitual em cargos institucionais para evitar mudanças demasiado precoces ou permanências demasiado prolongadas e permitir a necessária rotação. A ministra da Justiça, tendo ouvido essas declarações, corroborou-as uns tempos depois, sujeitando-se a uma chuva de críticas absolutamente estúpidas. As permanências excessivas nestes cargos são forçosamente fonte de instabilidade, são anti-dinâmicas, propícias a compadrios e prejudiciais à isenção. Além de contrárias ao espírito da Constituição. Dois mandatos significam doze anos. É muito ano. Porquê, então, esta febre e paixão joaninas que atacaram agora toda a direita portuguesa, ainda por cima quando o próprio sindicato do MP se mostra favorável ao mandato único (e olha quem)? Em todos os jornais, revistas, televisões e rádios, a recondução da PGR é claramente o osso que toda a direita abocanha por estes dias com desespero.

A quem deu caça esta mulher tão apreciada por toda a direita? A todos os corruptos? A todo o político que mexe, como gostam os populistas? Nem por isso. Mediatizou a “caça”, isso sim. Tabloidizou a justiça, isso é seguro. Reinstituiu o pelourinho, é a verdade. Será disso que eles gostam? O certo é que, apesar do alarido, não há conhecimento de condenações a penas de prisão em nenhuma das grandes operações lançadas no seu mandato. Nem na Operação Fizz, uma vergonha que envolvia um ex-procurador. Aliás, ainda resta saber, apesar do showdas detenções, se há ou não corruptos no principal processo – o Marquês – instaurado da maneira que sabemos no mandato de Joana.

Os factos são que esta procuradora-geral foi a que não só não controlou as fugas de informação escandalosas na Operação Marquês com origem na sua instituição, como também falhou rotundamente na instauração de vários inquéritos internos às ditas fugas (consta que 111 – ver aqui) já que ninguém conhece deles o mínimo resultado e sobretudo a mínima consequência, nada disto lhe tirando um minuto sequer de sono, apesar do descrédito que sobre ela paira. Mais valia não instaurar inquérito nenhum. Foi ela que assistiu impávida (ou autorizou ou não proibiu ou não puniu) à transmissão pública dos interrogatórios aos arguidos, testemunhas e pessoas lateralmente envolvidas no referido processo, na prática comprazendo-se ou alheando-se de responsabilidades perante uma situação tão aviltante e repugnante e totalmente inédita. Além de ilegal. Foi ela que, em Novembro de 2017, ponderou reabrir o processo Tecnoforma (que envolvia Miguel Relvas e Passos Coelho) após a investigação da Comissão Europeia ter detectado fraudes graves (de milhões) na utilização de dinheiros comunitários, mas se esqueceu do assunto logo no dia seguinte e para todo o sempre. Foi ela que arquivou o processo a Dias Loureiro. Foi ela que liderou aquela ridícula operação de busca ao Ministério das Finanças, porque, crime terrível que implicava de imediato um assalto policial aos gabinetes, o ministro tinha ido assistir a um jogo do Benfica em lugar mais protegido e confortável do que o terceiro anel do estádio da Luz. Mais actuações extraordinariamente louváveis como estas todos por aqui conhecerão, mas não vou mais longe.

Para a direita toda, que anda por onde pode a exigir a recondução desta senhora como se isso fosse uma questão de vida ou de morte, revelando que a mana Marques Vidal é, de facto, o seu braço armado na Justiça contra os socialistas, o grande, enorme ponto de interesse do seu mandato foi, na realidade, a humilhação infligida ao odiado Sócrates (muito mais do que a de Ricardo Salgado) – desde a detenção, à prisão, aos interrogatórios, ao julgamento via Correio da Manhã e tudo o mais que fez as delícias dos sabujos que adoram o pelourinho para os seus adversários. Só por isso, todos os dias estas pessoas e o Marques Mendes erguem a Joana Marques Vidal uma estátua virtual de proporções gigantescas e elucidativas, perante a qual se ajoelham, por esse feito absolutamente “heroico” (as aspas devem-se à inexistência de qualquer dificuldade ou obstáculo à façanha) e nunca visto. Lembro que a direita viveu o seu  tempo áureo quando dispôs de um Presidente (Cavaco), um primeiro-ministro (Passos) e uma PGR – um trio deprimente – à frente dos principais órgãos do Estado totalmente consonantes com a sua estratégia e alvos. A reintrodução de julgamentos à maneira medieval fez-se com um estalar de dedos. Mas só alguns foram assim julgados, claro.

Voltando ao meu ponto: se Joana Marques Vidal quisesse provar de uma vez por todas a sua total independência (ganhando a minha admiração) e arrumar também de vez com os articulistas/propagandistas da direita que desejam às escâncaras politizar a Justiça e fazer luta política agarrando-se a ela (aqui para nós, à falta de melhor), enquanto escrevem nos jornais e debitam nas televisões, viria a público dizer simplesmente que procurou cumprir com dignidade as suas funções, que espera ter lançado as bases para isto e para aquilo, mas que reafirma que considera o seu mandato único, como aliás foram os de todos os seus antecessores, com excepção de Cunha Rodrigues (de 1984 a 2000; outros tempos e uma excepção em mais de 80 anos). Suspeito, porém, que não o fará. Suspeito que ficará calada enquanto a direita a transforma na sua mais importante ou única bandeira. Possivelmente o Tavares caluniador do Público já a fez inchar de tal maneira com a campanha que pôs em marcha a seu favor (dia sim, dia não) que a vaidade lhe subirá à cabeça e Joana acabará por decidir dar o dito por não dito, mandar o tal de mandato único às urtigas, manobrar pela sua própria recondução e entrar na luta política. Entrar ou continuar. Se Costa e Marcelo a deixarem, está bom de ver. Estou curiosa por saber o que cozinham. Atendendo a que Joana já disse o que pensava sobre o assunto, vejo muito a custo Costa e Marcelo a pedirem-lhe que fique.

Por Penépole 
No blogue (Aspirina B)

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