Rádio Freamunde

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sábado, 11 de agosto de 2018

Grande Entrevista a António Costa:

(In Expresso, 11/08/2018)
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(Este é o maior texto que, até à data, foi publicado na Estátua de Sal. É uma entrevista de grande fôlego. Costa responde a tudo e a mais alguma coisa, driblando muitas das perguntas, à partida difíceis, com que os jornalistas do Expresso o quiseram entalar. Sobre os fogos, a economia, os serviços públicos, as campanhas contra o governo, Sócrates, Tancos, política de alianças, etc, etc, etc. 
Nesse contexto, apesar de o texto ser longo, decidimos dar-lhe divulgação.
Estátua de Sal, 11/08/2018)

SOBRE OS FOGOS:

António Costa não quer fazer avaliações prematuras e acha que é preciso manter o rumo traçado no ano passado. Reconhece que é possível olhar para os incêndios a partir do copo meio cheio ou meio vazio. E alerta para que, acima de tudo, as pessoas têm de estar conscientes, nem que seja para decidir se “vão fazer um churrasco”.
Ao fim de sete dias de incêndio em Monchique, pode dizer-se que há deficiências na forma como ele foi combatido?
É prematuro fazer balanços e avaliações, principalmente tendo em conta que este ano tem sido particularmente atípico. O verão chegou tardio mas também foi atípica a situação excecional de calor que nunca tinha sido observada no país. O dia 4 de agosto foi o mais quente do século e todos os recordes foram batidos. Todos os agentes da proteção civil, milhares de mulheres e homens, têm estado empenhados na resposta, quer na prevenção quer no combate, a esta ameaça dos incêndios rurais. Dizer mais que isto nesta altura é extemporâneo.
A sua frase de que o fogo [de Monchique], apesar de todas as circunstâncias, ser a “a exceção que confirmou a regra do sucesso da operação ao longo destes dias” foi criticada por mostrar “insensibilidade”. Aceita a crítica?
Insensibilidade? Pelo contrário, sublinhei o carácter excecional do que estava a ocorrer em Monchique, que reforcei acrescentando que se iria agravar nas horas seguintes em face das situações climatéricas adversas. Não escondi o risco, nem o desvalorizei face ao balanço dos incêndios no conjunto do país.
O MAI disse que este acontecimento mostra que as alterações têm resultados eficazes. Mas também não mostra falhas na prevenção, na medida em que Monchique era uma área identificada de alto risco?
Foram muitas as câmaras que fizeram um grande trabalho em matéria de prevenção. É cedo para fazermos balanços em matéria de incêndios, tivemos um verão atipicamente tardio, e depois uma onda de calor que bateu recordes em todo o país. É possível olhar para um copo meio cheio, dizendo que com a maior onda de calor, com 600 incêndios, acabámos por nos focar num único incêndio dramático, e podemos olhar para o copo meio vazio dizendo que continua a haver incêndios dramáticos e continuaremos seguramente a ter, tendo em conta as alterações climáticas e a realidade de fundo da floresta portuguesa. É uma ilusão pensar que ela se muda em dois, três anos, é um trabalho continuado para uma década e de fundo. O que não é possível é andarmos para trás. E desta vez temos uma condição única. Tivemos um relatório feito por uma Comissão Técnica independente (CTI), que reuniu o melhor do saber académico, que foi aprovado por unanimidade e produziu uma estratégia que tem vindo a ser executada ao longo deste ano e que terá de continuar a sê-lo. Se não sairmos do rumo que traçarmos, teremos melhores resultados. É o que todos desejamos.
“É UMA ILUSÃO PENSAR QUE A REALIDADE SE MUDA EM DOIS, TRÊS ANOS, É UM TRABALHO CONTINUADO PARA UMA DÉCADA”
O início da reforma para uma década foi no Conselho de Ministros de 21 de outubro?
Foi até antes. No Conselho de Ministros de 2016, colocámos em discussão pública um conjunto de diplomas sobre a reforma da floresta, que é a questão de fundo relativamente aos incêndios. Tínhamos já iniciado o plano nacional de coesão territorial sobre a revitalização do interior, que é a segunda questão de fundo sem a qual não teremos uma resposta eficaz. O passo dado em 21 de outubro foi completar a dimensão interior e a da reforma da floresta com um novo olhar sobre o sistema de prevenção e combate aos incêndios. É indiscutível que ao longo de todo este inverno houve uma atenção à prevenção como nunca existiu: nunca se limpou tanto, houve um trabalho muito profundo de melhoria das redes de comunicações, um reforço enorme da profissionalização com a duplicação do número de elementos de prevenção, proteção e socorro da GNR, houve aumento dos efetivos das Forças Armadas afetos a esta função, começou a fazer-se o perfil do que deve ser a formação dos bombeiros, houve aumento das equipas de sapadores florestais, de intervenção permanente dos corpos de bombeiros voluntários. Portanto, houve um caminho que se iniciou que levou o Presidente da República a dizer que tinha havido uma resposta como nunca tinha existido num fenómeno desta natureza.
Ele também disse que agosto estava no início
É muito cedo para estarmos a fazer balanços, o verão começou há muito pouco tempo e de uma forma também atípica. Temos muitos meses pela frente, vamos ter seguramente outros incêndios, espero que nenhum com a dimensão de Monchique e sobretudo nenhum com as consequências humanas que tiveram os incêndios de 2017.
Diz que Monchique foi dos locais mais bem preparados, mas surpreendeu-nos a impossibilidade dos meios de prevenção e combate lá chegarem.
Há muitos sítios onde a própria orografia tornará sempre impossível chegar-se lá. O trabalho de prevenção assentou na criação de faixas de proteção em redor das povoações e das casas, houve uma atuação extraordinária por parte da GNR e outros elementos da proteção civil, designadamente do ponto de vista da evacuação, todo o programa Aldeias Seguras está a ser executado e com enorme cooperação por parte das populações. Há dois meses estive em Monchique com o presidente da Câmara a assistir aos trabalhos de limpeza e da criação das faixas de contenção e proteção em torno da vila. Esse trabalho protege as habitações, mas não impede os incêndios, sobretudo em concelhos onde a concentração da massa florestal é brutal, como é o caso.
E do ponto de vista político, fez um acompanhamento mais próximo que no ano passado?
Fiz o mesmo que no ano passado, não tenho nenhuma alteração e, seguindo as recomendações da Comissão Técnica Independente, com menos presença nos teatros de operações, tendo em conta a perturbação que a Comissão sinalizou relativamente à presença de agentes políticos.
“DIZER QUE AS PESSOAS PODEM ESTAR DESCANSADAS NÃO É RESPONSÁVEL. DIZER QUE DEVEM ESTAR INQUIETAS É DESNECESSÁRIO”
Mas não recebe agora uns SMS com fotografias?
Já no ano passado recebia SMS. As fotos decorrem de haver um conjunto de meios aéreos dedicados exclusivamente à fiscalização de focos de incêndio, que apoiam quem está no solo. É mais uma ferramenta que permite a quem está a dirigir as operações poder estabelecer a estratégia de ataque, em função daquilo que é a dinâmica previsível do fogo. Isso não sei fazer mas os técnicos em função desse novo dado têm mais informação. O que foi aprovado na sequência do relatório da CTI foi haver mais proximidade entre prevenção e combate. Isso permitiu que as populações tenham uma atitude completamente diferente do que no passado, designadamente quando as autoridades lhes pedem para sair dos locais de perigo e se instalem nos de maior segurança; em segundo lugar, haver maior qualificação da intervenção de combate e, finalmente, haver maior especialização entre a intervenção na frente de fogo florestal e a prevenção das populações. Essa segmentação tem funcionado bem.
Está satisfeito com essa qualificação da intervenção? Foram mudadas muitas chefias. O nível de qualificação hoje é satisfatório?
É um processo. A Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Florestais está em instalação, entrará em funcio­namento pleno em janeiro de 2019, a lei orgânica da ANPC e do Instituto de Conservação da Natureza e da Floresta estão também para aprovação chegados ao outono e o processo de recrutamento de peritos está em curso.
Apesar de tudo, os portugueses este ano podem estar mais descansados?
Não gostaria que as minhas palavras fossem mal interpretadas. Dizer que as pessoas podem estar descansadas é uma irresponsabilidade. Dizer que devem estar inquietas é uma desnecessidade. As pessoas têm de estar conscientes. Primeiro, porque com as alterações climáticas o risco de incêndio é hoje maior do que há décadas — situações de grande anormalidade atmosférica, como na Suécia, Grécia, ou Portugal no ano passado. A 3 de agosto, quando o incêndio de Monchique estava relativamente contido, houve uma alteração climatérica atípica, que deu uma tromba de água em Albufeira e uma enorme rajada de vento na zona de Monchique, que alargou repentinamente a frente de incêndio. As alterações climáticas não são ficção científica, vivemo-las no quotidiano. Segundo, é preciso que as pessoas estejam conscientes da nossa floresta, essencialmente composta por árvores desadequadas, profundamente desordenada e em que depois de uma década em que as áreas ardidas baixaram de 200 mil hectares/ano para 60 mil, há uma enorme carga combustível acumulada. Tudo isto no conjunto deve levar-nos a estar conscientes de que há maior risco, a probabilidade desse risco se traduzir numa ameaça é maior e que quando essa ameaça se produz tem consequências piores do que no passado. Esta consciência é fundamental para o cidadão comum, quando ele decide se faz ou não um churrasco, quer para o Estado relativamente à alocação de meios e às políticas públicas que define para poder corrigir essas situações.
“Não era necessária a maioria no SIRESP”
No ano passado, o Governo prometeu que iria ficar com a maioria do capital da SIRESP (54%), e acabou por ficar apenas com 1/3. A Altice é maioritária. Houve algum acordo ou o Governo estava mal informado ou mal preparado para defender o que era o seu desejo?
O objetivo fundamental do Governo era entrar no capital da SIRESP e ficar com uma posição maioritária para obrigar a operadora a fazer um conjunto de investimentos, nomeadamente enterramento de cabos, aquisição de antenas e satélites para ter um sistema de redundância que permitisse que o sistema continuasse a funcionar quando os incêndios destruíssem a rede física, além de um conjunto de outros investimentos. Ao longo deste ano, a Altice acordou com o Estado o enterramento de cerca de mil quilómetros de cabo, dos quais 275 já estão realizados. Procedeu à aquisição de mais de 400 antenas satélite que asseguram a redundância e garantem também a redundância para os sistemas de abastecimento elétrico das estações, sempre que os cabos condutores da energia sejam destruídos pelo fogo. Tendo sido realizado este conjunto de investimentos, a necessidade de ter a maioria do capital deixou de ser essencial.
Foi, portanto, uma opção do Governo não ter a maioria do capital?

Sim, não era necessário. Bastou-nos uma posição que assegura o controlo estratégico, através de um acordo parassocial que regula aquilo em que o Estado deve intervir.
O processo foi combinado com a Altice?
Sim, o acordo parassocial passou pela descrição das funções, decisões que implicam o apoio do Estado e a desnecessidade de este ter a maioria do capital da empresa para obrigar à realização de investimentos que entretanto foram realizados. Para o Estado ter a totalidade do capital, ter-se-ia que alterar o regime legal da empresa, sujeitando-a a um processo de decisão mais burocrático e desadequado a decisões que uma empresa daquela natureza tem de ter a agilidade de tomar. Se o capital fosse maioritariamente do Estado, por exemplo, teria sido impossível realizar todo o processo de aquisição de equipamentos nestes meses porque a sujeição às regras de contratação pública o teria impedido. Portanto, mantivemos uma empresa com regras de flexibilidade, o Estado com a missão de controlo suficiente, e obtivemos o essencial — os investimentos que faltavam fazer.
Não é hoje tão crítico em relação à Altice como foi há um ano?
O que eu disse no ano passado, está dito e não tenho uma palavra a alterar. Entretanto, foi feito um conjunto de investimentos necessários.
O Estado chegou a multar a Altice?
Não sei dizer. Isso é o MAI que trata.
Quando terminar o contrato com o SIRESP, em 2021, admite nacionalizá-lo, como o BE pergunta?
Até 2021 teremos muito tempo para avaliar e tomar uma decisão sobre essas matérias.

SOBRE A SITUAÇÃO POLÍTICA E SOBRE O FUTURO

A entrevista com o primeiro-ministro decorreu na segunda-feira de tarde, quando lavrava o incêndio em Monchique, que àquela hora parecia controlado. Foi por aí que começámos, pelos incêndios, mas os desenvolvimentos posteriores levaram a que colocássemos novas questões no final da semana, cujas respostas pode ler nesta edição do Expresso, mas no caderno principal. Os outros temas incidiram sobretudo sobre o que resta da legislatura, incluindo a negociação com os professores depois do verão e o Orçamento do Estado a apresentar em outubro. E, claro, a situação política e as eleições de 2019, sobre as quais António Costa fala pela primeira vez como se estivesse em campanha, pedindo votos e deixando recados aos parceiros de esquerda.
Que erros cometeu nas eleições legislativas de 2015 — que perdeu — que não quer cometer em 2019?
[Risos] Não sei se foram erros. Percebi que não ganharia essas eleições quando, um dia, em Viseu, conversei com uma comerciante que me explicou que concordava com tudo o que propúnhamos, achava que era sério, que íamos mesmo fazer aquilo, mas tinha imenso medo que, fazendo isso, voltássemos a uma situação de rutura financeira. Percebi que o grande problema que tivemos foi as pessoas temerem que isso pudesse acontecer outra vez. Felizmente, a realidade demonstrou que esse risco era infundado. Hoje, o país tem um nível de confiança e de clima económico como há muito não tinha, e, portanto, a expectativa é que a escolha seja simples. Quem quer dar continuidade à atual solução política…
Dar continuidade à atual solução política pressupõe um acordo entre o PS e os partidos de esquerda?
Creio que o título da vossa entrevista há um ano foi que a atual solução política não varia por haver ou não maioria.
Isso depende também dos parceiros.
Pois, com certeza, mas para já depende dos portugueses.
A moção que apresentou ao Congresso do PS dizia que para concretizar o seu projeto tudo dependia da força e da capacidade do PS. Se ficar dependente de terceiros não vai ter a força para fazer o que quer?
Acho que é claro para todas as pessoas que esta solução política só é possível com um PS forte. E quanto mais forte for o PS, melhor funcionará esta solução política. Um PS mais enfraquecido certamente suscitará mais dúvidas sobre a estabilidade política e a continuidade desta política. Um PS que não tenha condições de formar esta solução política torna a situação inviável.
Não pede a maioria absoluta, mas gostava de tê-la.
Mas acha que há algum partido que concorra sem ter o desejo de ter o maior número de votos possível? O PS não é um partido anormal, deseja ter o maior número de votos. Mas alguém passa a votar no PS se eu pedir maioria absoluta?
Já houve quem fizesse um certo tipo de chantagem com isso. Não é só assim que se formula a frase…
Então diga lá…
Palco O primeiro-ministro deu a entrevista no seu gabinete no Terreiro do Paço, onde se encontra até finalizarem as obras no residência oficial, em São Bento
PALCO O PRIMEIRO-MINISTRO DEU A ENTREVISTA NO SEU GABINETE NO TERREIRO DO PAÇO, ONDE SE ENCONTRA ATÉ FINALIZAREM AS OBRAS NO RESIDÊNCIA OFICIAL, EM SÃO BENTO
Como no passado se fez: “Sem maioria absoluta não formo Governo.” Lembra-se?
Sim, mas nunca fiz chantagem [para ter maioria]. Já tive maiorias absolutas, relativas, já tive ultraminorias, até já perdi as últimas eleições legislativas e respeito sempre os cidadãos. Há uma coisa sobre a qual não tenho a menor dúvida: os portugueses têm um infinito bom senso. E sei que com esse infinito bom senso saberão dar ao PS a força que o PS necessita para prosseguir bem a continuidade das políticas que promovam confiança, emprego, crescimento, estabilidade nas nossas finanças públicas, de modo a recuperar o prestígio internacional e a centrar-se no trabalho essencial para termos uma economia mais competitiva.
As sondagens dão-lhe entre 39% e 42%. Mais dois ou três pontos percentuais e pode ter maioria absoluta. Acredita nisso?
Temos os resultados eleitorais que os cidadãos entendem que merecemos ter. E que são adequados à visão estratégica que o eleitor faz de quais são os instrumentos adequados. A solução mais sofisticada que os portugueses encontraram foi na segunda eleição do engenheiro Guterres, onde conseguiram aquele empate de 115-115 [deputados]. Foi a mais sofisticada, e a experiência não resultou bem. Verificou-se que seria melhor os 116 do que termos ficado nos 115.
Se ganhar sem maioria, como governa? À Guterres, fazendo acordos pontuais (como já tem feito também com o PSD), reedita as posições conjuntas, faz acordos verbais, escolhe um parceiro preferencial?
Temos ainda um quarto da legislatura pela frente, um orçamento para aprovar, um conjunto de reformas para concluir, projetos para fazer avançar, depois temos eleições europeias e só então as legislativas. E é em função dos resultados eleitorais que podemos ver qual é a solução de governo que os portugueses desejam. Com toda a franqueza, o que digo é do ponto de vista racional: perante a situação do país hoje, faz mais sentido mudar ou continuar? Creio que objetivamente a generalidade das pessoas acha que faz sentido continuar. Estas eleições devem ser sobretudo um voto de confiança e de força na continuidade desta solução política.
Parece difícil acrescentar alguma coisa ao que são as exigências do BE e do PCP. Não corre o risco de não ter mais nada para lhes dar?
O país viveu um período muito traumático entre 2011 e 2015, e vivemos estes primeiros anos de recuperação e superação dessa situação, mas o país tem de se concentrar nos grandes desafios do futuro. E os grandes desafios passam por trabalho que leva muito tempo, como a reforma da floresta, o investimento nas qualificações, a inovação do tecido empresarial se queremos continuar a ter crescimento económico e emprego qualificado; isto são questões de fundo. Não acredito que o BE e o PCP tenham meramente uma agenda de reivindicação salarial ou de resposta à notícia.
Já houve coisas que não deu aos parceiros. Nas leis laborais, continua a ser acusado pelo PCP e pelo BE de fazer o jeito aos patrões. O PCP até fez um vídeo a compará-lo a “O Padrinho”. Chega a um ponto em que é difícil aos parceiros acompanharem o PS.
Mas o meu programa de Governo não é o programa do PCP nem do BE.
Eles estão sempre a dizer isso.
E têm razão. É o programa do PS, mais o que decorre das posições conjuntas. Em matéria laboral estavam bem identificadas as alterações que íamos fazer: dinamizar a contratação coletiva e suspendemos a caducidade dos contratos coletivos até julho do ano passado; agilizámos a emissão das portarias de extensão; acabámos com o banco de horas individual e pusemos como condição para a existência de bancos de horas serem negociados ao nível sindical, de empresa ou de secção, para que seja em coletivo, para valorizar a negociação coletiva; acelerámos um conjunto de contratos coletivos que tinham caducado. A prioridade das prioridades era o combate à precariedade e a alteração que fizemos elimina dois dos fundamentos para o recurso ao contrato a prazo: o ser desempregado de longa duração ou jovem à procura do primeiro emprego. E mais dois incentivos importantes à contratação sem termo: a criação de uma sobretaxa para as empresas que abusem da contratação e a criação de um período experimental em que é incorporado o prazo dos estágios, mas com o tempo suficiente para que ninguém tenha medo de contratar desde logo sem termo.
Está disponível para a criação de uma cláusula antiabuso do período experimental?
Estou eu e seguramente todos os parceiros sociais, porque as normas não são para ser abusadas. É um princípio geral do Direito: o abuso não é aceitável nem tolerável.
O acordo de concertação social vai ser desvirtuado no Parlamento, e o PS não vai contribuir para isso?
Espero que não, mas o Parlamento é soberano.
Corre o risco de o acordo de concertação ir abaixo outra vez?
Não tenho essa expectativa. Aliás, tenho a expectativa de que o Parlamento não desperdice esta oportunidade de aprovar uma legislação muito importante para cumprir dois aspetos fundamentais do programa do Governo: acabar com o banco de horas individual, reforçando a negociação coletiva, e combater a precariedade, sobretudo a que atinge os mais jovens.
“FIQUEI SURPREENDIDO COM O CASO ROBLES, NUNCA IMAGINEI QUE QUEM PREGA COM TANTA VIRULÊNCIA A MORAL POLÍTICA COMETESSE PECADILHOS”
Viu o vídeo que o PCP fez comparando-o com “O Padrinho”?
Não. Prefiro a versão original.
Mas contaram-lhe. Ficou incomodado? Foi uma deslealdade do PCP?
Não. Tenho um grande sentido de humor.
O PSD veio desbloquear a necessidade que tinha em encontrar parceiros para áreas em que não conseguia entender-se com a esquerda. A eleição de Rui Rio foi fundamental para isso?
Tem sido construída uma enorme mitologia sobre o relacionamento com o PSD. Sempre disse algo que me parece bastante banal e de puro bom senso: há matérias com uma dimensão institucional especial, porque transcendem de tal forma a dimensão de uma legislatura, que é benéfico para o país que sejam objeto de consensos políticos alargados. Foi uma tragédia para o país não ter havido, por exemplo, um consenso oportuno em matéria de aeroporto. Não são obras de um ou dois governos, são obras que ficam para séculos. Há um livro muito interessante de Maria Filomena Mónica sobre o Fontes Pereira de Melo que tem uma passagem muito curiosa: o debate sobre a construção da linha do comboio de Lisboa para o Porto, que suscitou enorme paixão no Parlamento. Havia deputados que diziam que era megalómano fazer essa linha porque se ia comodamente de barco de Lisboa para o Porto. Hoje rimo-nos, mas daqui a uns anos alguém se rirá de algumas decisões que não foram tomadas nos últimos anos. Este Governo não alterou em nada o programa de obras públicas definido pelo Governo anterior, acrescentámos coisas mas demos execução a tudo o que estava porque o país não pode andar neste para-arranca e a desperdiçar milhões em estudos e em contraestudos.
A entrada de Rui Rio encaixou na perfeição nesse desejo.
Tenho a certeza de que se Passos Coelho se tivesse mantido na liderança do PSD não teria sido impossível fazer esse trabalho.
Teria sido impossível fazer a descentralização?
Talvez, porque ele é muito preconceituoso relativamente à descentralização. E Rui Rio, talvez por ter sido presidente de câmara, tem uma visão muito aberta e foi um apoio essencial para que esta reforma, que é para mim a pedra angular da reforma do Estado, tenha sido aprovada neste quadro geral, que iremos concretizar nos próximos meses.
Essa reforma tem sido muito criticada, quer por autarcas quer pelo Presidente da República, que, aliás, deixou subentendido na publicação que fez no site que a pode vetar.
Interpretou assim?
Não interpretou assim?
Não. Acho que foi só uma nota pedagógica, dizendo que é uma lei-quadro e que, como qualquer lei-quadro agora, nos diplomas concretos é que se vai dimensionar o conjunto das transferências e os meios necessários. Acho que foi mais um cuidado talvez de professor de Direito do que esse maquiavelismo político que está a querer interpretar.
O que autarcas como Rui Moreira criticam é que há uma descentralização de competências sem transferência correspondente de dinheiro.
Eu fui presidente de uma câmara grande e percebo a posição dos 23 municípios que têm mais de cem mil eleitores, relativamente à esmagadora maioria dos outros municípios. Mas é por isso que este pacote relativo aos municípios e às freguesias não esgota o processo da descentralização. Há um segundo trabalho essencial que temos estado a fazer com os presidentes das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, que tem que ver com especificidades que não podem deixar de ser tidas em conta.
O que eles querem é mais dinheiro.
Foi um processo negociado com todos, em particular com a Associação Nacional de Municípios (ANMP), que representa o conjunto dos municípios. Já fizemos acordos com a Câmara do Porto e com a Câmara de Lisboa, por exemplo, em matéria de policiamento de trânsito, na gestão de transportes públicos, com a devolução dos STCP e da Carris; no caso do Porto fizemos até um acordo importante para devolução das Águas do Douro e Paiva aos municípios. Tomámos a decisão estratégica da maior importância do ponto de vista da desconcentração que foi sediar no Porto, na Fundação de Serralves, a coleção Miró. Com Lisboa, assinámos um acordo sobre a gestão da frente ribeirinha. Trabalho de descentralização e de desconcentração com a Câmara do Porto e com outras câmaras não tem faltado. Agora, este acordo com a ANMP obviamente não se dirige especificamente aos 23 grandes municípios, dirige-se à esmagadora maioria dos municípios portugueses.
Vai ter em conta a nota do “professor de Direito”, Marcelo Rebelo de Sousa?
Não é uma questão de ter em conta. Dos 23 diplomas regulamentares em negociação com a ANMP, em parte temos o acordo fechado, em parte temos o acordo praticamente finalizado e há dois onde subsistem divergências. É um trabalho que estamos a fazer.
“É UM PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DESCENTRALIZAÇÃO: COM A TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIAS PARA AS ÁREAS METROPOLITANAS, VAI A RESPETIVA MOCHILA FINANCEIRA”
Vai ou não dar mais dinheiro às Áreas Metropolitanas, com a transferência de competências?
Pois, com certeza, isso é um princípio fundamental: com as competências vai a respetiva mochila financeira.
Falou da coleção Miró em Serralves, o que lembra o caso Infarmed. Mantém o princípio de que deve haver deslocalização de entidades do Estado?
Acho que era saudável que isso acontecesse. Não me refiro exclusivamente ao Infarmed, acho que era bom que outras instituições pudessem estar sediadas noutras cidades.
Isso depende de si.
Não depende só de mim… Pergunta-se muitas vezes porque é que a sede do Tribunal Constitucional não é em Coimbra; e eu próprio me interrogo, tendo em conta que os presidentes do Tribunal Constitucional nos últimos anos vêm todos de Coimbra. Aí está um bom exemplo.
O TC pode mudar para Coimbra?
Não vejo nenhum motivo para que isso não [aconteça]… É um exemplo, é um serviço que é relativamente pequeno e que com facilidade se pode deslocar.
Há um plano para transferência concreta de instituições de Lisboa para outras localidades?
Não, não está neste momento a ser feito.
Como vê esta agitação no PSD? Rui Rio está a ter problemas por estar a fazer uma oposição, como ele próprio diz, “responsável”?
Não vou pronunciar-me sobre a vida interna de outros partidos.
E no seu partido? No último congresso do PS, Pedro Nuno Santos fez uma intervenção muito forte sobre o posicionamento do PS, defendendo que deve ser à esquerda. Essa “mitologia da aproximação entre PS e PSD” existe no seu próprio partido?
[Riso] Isso é um clássico. Há muitos anos fiz um discurso, no tempo de Guterres, sobre como tenho pouco gosto nessa discussão do pisca-pisca, se o PS deve olhar para o centro ou para a esquerda, porque o PS só tem um sítio para olhar, que é em frente e falar com os portugueses. O PS não é propriamente um partido que tenha uma crise de identidade nem os portugueses têm dificuldade em identificar o que é o PS.
Pedro Nuno Santos prefere um posicionamento à esquerda, Augusto Santos Silva ao centro. Isso ficou claro no congresso.
Uma das riquezas do PS é ser um partido plural. O PS conseguiu federar o conjunto da esquerda democrática em Portugal e ser hoje um referencial de estabilidade a nível nacional e também a nível da família social-democrata europeia. É um partido que tem uma identidade muito forte, e, provavelmente, a história política portuguesa criou condições próprias para que o PS ganhasse essa identidade muito marcada.
Pedro Nuno Santos foi longe demais no congresso?
Não.
Mas depois de Pedro Nuno Santos intervir, disse que tivessem calma porque ainda não tinha metido os papéis para a reforma.
Isso foi uma graça e que não tinha seguramente em mente Pedro Nuno Santos, que aliás é meu secretário de Estado, é um dos meus principais colaboradores, é amigo e com quem tenho excelentes relações. O PS vive internamente uma vida muito saudável. Recordo que aquando das eleições primárias, muitos dos vossos colegas vaticinaram feridas gravíssimas, profundas, que iam levar séculos a sarar. A verdade é que o PS se uniu, disputou bem as eleições legislativas, não tivemos o resultado que desejávamos mas respondemos aos desafios que o país nos colocou, temos governado bem. Creio que o país reconhece isso, deseja essa continuidade, e o partido vive saudavelmente essa pluralidade.
No congresso evitou tomar posição entre Pedro Nuno Santos e Augusto Santos Silva. O que disse foi: “O PS está onde sempre esteve.”
O PS está onde sempre esteve, é um partido de centro-esquerda, como são os partidos sociais-democratas e, se for verificar, em todos os estudos de politologia que têm sido feitos, os portugueses nunca tiveram dificuldades em localizar o PS nesse imaginário entre a esquerda e a direita. É aqui que o PS está e está aqui muito confortável. Relativamente ao PSD, o que estava previsto no programa de Governo e até no programa eleitoral é que devia haver consensos em matérias institucionais como a descentralização, em matérias que têm que ver com negociação de fundos comunitários ou programas nacionais de investimento, porque requerem estabilidade muito para lá da legislatura.
Portanto, bloco central não.
Eu nunca fui favorável à existência de blocos centrais, nem quando o próprio existiu, e salvo situações absolutamente excecionais acho que não é saudável para a democracia. O que eu tenho visto em todas as entrevistas é Rui Rio dizer exatamente a mesma coisa. E não é por eu achar que o PSD seja um partido que tenha lepra, é porque a vida democrática deve assentar na possibilidade de os cidadãos terem alternativas de governo. No nosso sistema partidário, goste-se ou não, há dois partidos que podem polarizar soluções de governo, um é o PS, outro é o PSD. O manter cada um deles a liberdade e a autonomia para construir alternativa quando o outro está no governo é saudável para a nossa vida democrática.
Pedro Santana Lopes anunciou um novo partido. Como olha para essa recomposição da direita?
Não me diz respeito. Não serei dos portugueses que hesitarão em votar entre Santana Lopes ou Rui Rio. [risos]
Mas parece dizer respeito ao Presidente da República, que apelou a Santana Lopes para não sair do PSD para não prejudicar o partido. Incomoda-o a preocupação do Presidente da República com a direita?
Todos nós temos direito ao nosso momento de fraqueza e há sempre um momento em que a nossa família nos toca no coração.
O Presidente não devia ter feito isto?
Compreendo-o. O Presidente é humano e como todos os humanos há um momento em que a família nos toca no coração.
Ficou surpreendido com o caso Robles?
Se eu fiquei surpreendido? Bom, para ser sincero, sim.
Porquê?
Nunca imaginei que quem prega com tanta virulência a moral política cometesse pecadilhos.
A moralização é uma forma de mitigar a especulação imobiliária?
Não, eu acho que a forma de mitigar a especulação imobiliária é a nova geração de políticas de habitação que lançámos. O grande erro do país foi ter entendido que as políticas públicas de habitação se tinham esgotado nos anos 90, com a eliminação das barracas, não tendo compreendido que o congelamento das rendas e o crédito fácil não eram uma solução de fundo e que tínhamos de ter uma política de arrendamento acessível dirigido à classe média. Foi isso que lançámos, com o conjunto de programas que temos, parte importante dos quais está em debate na Assembleia da República, e que passa pela criação de fortes incentivos fiscais dirigidos aos senhorios para colocarem no mercado casas com arrendamento de longa duração e a preços abaixo do custo de mercado, e também para a colocação de património público, para criar um mercado de arrendamento acessível. O mercado da habitação não se regula por via da proibição mas pelo aumento da oferta acessível à classe média, é vital isso avançar rapidamente para termos cidades equilibradas.
Depois do verão vai voltar à negociação com os professores. Já deu de barato que o PS vai perder os professores?
Ninguém pode negociar estas matérias a olhar para as eleições, isso seria absolutamente irresponsável. Tenho a certeza de que os professores estão preocupados com as suas carreiras, claro. Mas não deixam de estar preocupados com os alunos e com o país. Compreendem bem que um país que passou por aquilo que passou e que tem conseguido fazer esta recuperação extraordinária, a última coisa que pode fazer é pôr em risco o que foi alcançado. Porque é um todo inseparável o facto de termos virado a página de austeridade, criado condições para o aumento do investimento e das exportações, alcançado o maior crescimento económico do século, atingido a maior queda de desemprego da zona euro e conseguido este ritmo de crescimento de emprego e apresentarmos umas finanças públicas sólidas.
oposição Segundo António Costa, tem sido construída uma enorme mitologia sobre o relacionamento com o PSD
OPOSIÇÃO SEGUNDO ANTÓNIO COSTA, TEM SIDO CONSTRUÍDA UMA ENORME MITOLOGIA SOBRE O RELACIONAMENTO COM O PSD
Mas também diminuíram os juros…
E sabe quanto é que vamos pagar este ano em juros relativamente a 2015? Menos 1100 milhões de euros. Graças à consolidação orçamental, à redução do défice e à saída do procedimento de défice excessivo, poupámos 1100 milhões de euros ao país! São esses 1100 milhões de euros que nos permitem, sem aumentar o défice, descongelar carreiras — inclusive as dos professores —, ter mais 7900 profissionais no SNS, diminuir as taxas moderadoras e aumentar as comparticipações nos medicamentos — permitindo às famílias pagar menos um terço do que pagavam. É essencial consolidar esta mudança. Não podemos cometer asneiras nem dar passos maiores do que a perna.
Prevê-se uma desaceleração económica, há problemas internacionais, uma potencial guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, o ‘Brexit’… Está mais pessimista?
Não. Tenho boas razões para estar confiante em relação ao futuro da economia. Os níveis de contratação de investimento continuam a crescer a bom ritmo, o investimento nacional cresce como não crescia há 19 anos, o nível de contratações continua muito forte e com um dado importante: 85% dos novos contratos são sem termo, o que significa que as empresas têm uma perspetiva de continuidade. A procura de incentivos e fundos comunitários, o aumento da capitalização das empresas e o investimento que está a existir só me dão razões para me manter confiante.
Mas não teme uma inversão da situação?
Ninguém pode ignorar que a economia tem ciclos e que há riscos. Se houver uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, ou se o entendimento entre a Comissão [Europeia] e o Presidente Trump não se concretizar, são dados que não podemos ignorar. É como quando conduzimos numa autoestrada: sabemos que o limite é 120 quilómetros/hora mas nem sempre podemos conduzir a 120. O pé direito tem de estar pronto para ir ao travão ou simplesmente para aliviar a pressão do acelerador para acompanhar a situação. Mas não temos razões para não estar confiantes. Só não podemos ignorar que não somos uma ilha ou um planeta isolado.
Reclama como mérito do Governo a descida dos juros, mas grande parte desse mérito é europeu. Os juros não ficam baixos sempre.
Quem salvou a zona euro foi o BCE, na estratégia definida entre o presidente Draghi e Vítor Constâncio. Se fosse simplesmente seguir a cartilha da troika, a zona euro tinha implodido. Felizmente houve quem tivesse visão para a poder salvar, e, naturalmente, nós beneficiamos. Mas recordo que essa alteração da política monetária do BCE foi bastante anterior à entrada em funções deste Governo e o que eu comparo é a evolução da taxa de juro desde 2015 com a de hoje. E o que digo é que estamos a pagar menos 1100 milhões de euros graças à forma responsável como temos sabido gerir as nossas finanças públicas, como temos sustentado o crescimento e reduzido o desemprego.
Como é que pode dizer que virou a página da austeridade quando temos uma carga fiscal que não parou de subir e uma gestão orçamental que cumpre os objetivos do défice muito à custa das cativações?
Convém não confundir austeridade com rigor. Parece que as pessoas já se esqueceram do que era a austeridade. A austeridade significou cortes de salários de 30%, cortes brutais das pensões, um aumento brutal dos impostos, um corte da despesa pública com a Educação de 18% e a redução de 1% da despesa pública com a Saúde. O que temos hoje? A despesa pública com a Saúde aumentou 700 milhões de euros, com a Educação cresceu 20%, os vencimentos foram repostos, as carreiras descongeladas, as pensões foram repostas, houve dois aumentos extraordinários das pensões mais baixas e um aumento acima da inflação, eliminámos a sobretaxa do IRS, tivemos 1600 famílias a beneficiarem das alterações aos escalões, 140 famílias a beneficiarem, só este ano, do novo mínimo de existência, passando a estar isentos do IRS. Dizer que isto é o mesmo que a política do Governo anterior é estar a confundir a gema com a clara do ovo. Agora, para podermos manter esta trajetória, temos que manter uma gestão orçamental de rigor e responsabilidade. Isto não é austeridade, é realismo.
Os seus parceiros de esquerda não concordam.
Porque é que precisamos de continuar a manter saldos primários positivos? Porque temos uma dívida muitíssimo elevada. O ano passado, pela primeira vez em muitos anos, tivemos uma redução muito grande da nossa dívida, de quatro pontos percentuais. Temos de prosseguir essa redução. Estes 1100 milhões de euros que poupámos podem ser reorientados para maior aumento da despesa na Saúde, na Educação, para voltarmos a investir nas infraestruturas, designadamente na ferrovia, sem que isso signifique mais défice e mais dívida.
E como é que isso se reflete no próximo Orçamento? Usando a sua expressão: vai fazê-lo a acelerar ou a travar?
Há matérias em que temos de acelerar, outras de manter. Vai ser um Orçamento de continuidade. O descongelamento das carreiras vai prosseguir, o aumento das pensões vai continuar, a política salarial também; a melhoria de incentivos ao interior vai continuar, assim como a trajetória de redução do défice e da dívida. Temos de acelerar naquilo que é fundamental para aumentar o nosso potencial produtivo. Temos um grande desafio para podermos continuar a crescer, a ganhar competitividade e produtividade, temos de continuar a investir nos fatores de inovação. Para isso, o investimento na Educação, na formação profissional, na produção de conhecimento e na sua transferência do sistema universitário e politécnico para as empresas é importante.
Haverá aumento das dotações orçamentais para estas áreas?
Sim. Além disso, iremos ter para o ano o maior orçamento de sempre na área da Cultura.
Para quanto?
O Orçamento do Estado está a ser limado nos seus grandes números. A Cultura terá o seu maior orçamento de sempre e será orientado para o apoio à criação artística, para o ensino artístico e para a valorização da política da língua e do património histórico.
Será atingida a meta de 1% para a Cultura?
Se tivermos em conta que no orçamento do Ministério da Cultura está, por exemplo, a componente da comunicação social, que podemos tirar, e que fora do Ministério estão orçamentos fundamentais como o do Instituto Camões ou o orçamento do ensino artístico, já estamos muito para lá de 1% do PIB.
Tirando essas componentes, a Cultura terá 1%?
O Ministério da Cultura sozinho? Não, seguramente que não. Além dessa questão, vamos ter mais investimento na ciência, para assegurar que o investimento em investigação e desenvolvimento entre público e privado atinge 1,5% do PIB, meta que fixámos para 2030.
É uma forma profilática de o ministro não assinar manifestos contra o próprio Governo...
O manifesto não era contra o Governo. Era um manifesto pela ciência, e o ministro da Ciência não poderia deixar de assinar. E temos uma prioridade fundamental: a demografia. Vamos ter um programa muito forte de atração da população mais jovem que se viu obrigada a emigrar durante os quatro anos de austeridade violenta e que terá fortes incentivos para regressar nos próximos dois anos. Vamos continuar a apostar nas políticas relativas ao interior, quer do ponto de vista do investimento quer do ponto de vista dos incentivos fiscais.
Pode concretizar?
Estamos a fazer a modulação final, mas os benefícios fiscais serão indexados ao número de postos de trabalho criados e, no limite, pode chegar a uma coleta zero.
Como convencer os jovens que emigraram a voltar?
Além de todos os incentivos que o Estado possa dar, é fundamental as empresas alterarem radicalmente as suas políticas salariais. Se não pagarem adequadamente o trabalho qualificado, é impossível recuperar esta geração. E a política salarial das empresas hoje não é aceitável. Se olhar para o Estado e comparar o ordenado do senhor Presidente da República, que é o topo do Estado, ele é 17 vezes o salário mínimo nacional e cinco vezes o salário médio. Mas se for às empresas do PSI-20, a diferença entre o ordenado mais alto e o salário mínimo é de cem vezes e, relativamente ao salário médio, é 37 vezes. E se for a uma empresa tipo EDP vai ver que o salário de topo é 210 vezes o salário mínimo. Não é aceitável esta disparidade e o desinvestimento que as empresas fazem nos quadros jovens. Isto tem de mudar sob pena de perdermos esta geração.
O que pode o Governo fazer em relação a isso?
Iremos apresentar no Orçamento um pacote fiscal muito agressivo para atrair o regresso dos quadros jovens, mas as próprias empresas têm de perceber que têm alterar estas estruturas salariais. Não é possível pagarem tanto a quem está no topo e tão baixo a quem está nos outros escalões. Hoje os miúdos fazem mestrados, andam no Erasmus e têm colegas com o mesmo nível de qualificação em diferentes países. Não é possível sentirem que em Portugal ganham um quarto do que ganha um colega com a mesma formação e atividade equivalente noutro país. Isto é dramático para o futuro do país e para o futuro dessas empresas, nenhuma empresa vive dos CEO, elas vivem da qualidade dos seus quadros intermédios.
Os parceiros à esquerda exigem aumentos salariais na função pública. Já estabeleceu um teto, de 350 milhões de euros. Esse é o limite para aumentos?
Não é adequado responder a matérias que, para benefício das negociações em curso, devem manter-se reservadas. Agora não tenho nenhuma razão para achar que as negociações não vão ser bem-sucedidas.
presidente Sobre Marcelo Rebelo de Sousa e a direita, diz o primeiro-ministro: “Todos temos direito ao nosso momento de fraqueza. Há um momento em que a família nos toca no coração”
PRESIDENTE SOBRE MARCELO REBELO DE SOUSA E A DIREITA, DIZ O PRIMEIRO-MINISTRO: “TODOS TEMOS DIREITO AO NOSSO MOMENTO DE FRAQUEZA. HÁ UM MOMENTO EM QUE A FAMÍLIA NOS TOCA NO CORAÇÃO”
Está ou não disponível para fazer atualizações de salários na função pública?
Até as negociações estarem encerradas não vai haver mais especulação.
Em relação às pensões, há um ano foi posta na mesa a proposta de reforma antecipada sem penalização para quem tiver 60 anos de idade e 40 de tempo de trabalho. Essa proposta vai ressurgir agora?
Já demos dois passos decisivos. Primeiro, a eliminação de qualquer tipo de penalização para quem tenha 48 anos de trabalho e o mínimo de 60 anos de idade. Demos um segundo passo agora, que foi a possibilidade de reforma aos 60 anos para quem tenha 46 anos de serviço e tenha começado a descontar aos 15 anos de idade. É uma matéria sobre a qual estamos a trabalhar para procurar fazer justiça a quem não teve a oportunidade de ter a infância que poderia ter tido. Estamos a trabalhar e a ver se conseguimos dar mais algum passo em frente.
Já falou várias vezes do Serviço Nacional de Saúde, citando números de investimento. Mas as melhorias não são percetíveis, pelo contrário.
Então, imagine os problemas que haveria se não tivéssemos mudado de política. Sofremos, porventura, do excesso do sucesso desta solução governativa. Algumas pessoas passaram da descrença sobre a possibilidade de cumprirmos os nossos compromissos para a ilusão de que é tudo possível. Tivemos um esmagamento do conjunto dos serviços públicos durante aqueles quatro anos. E já conseguimos produzir resultados: temos mais 302 mil consultas hospitalares por ano, mais 22 mil cirurgias, mais médicos, mais enfermeiros. Apenas 7% dos portugueses não têm médico de família, antes eram 15%. Temos de continuar a cumprir o caminho. E com três prioridades: saúde preventiva, daí o grande investimento na alteração daquilo que são os estilos de vida de todos nós; investimento nos cuidados de saúde primários, e por isso já inaugurámos muitos centros de saúde e vamos criar 100 novas unidades de saúde familiar ao longo da legislatura; e desenvolver a rede de cuidados continuados, o nosso objetivo é termos mais 700 camas por ano.
Quando um doente chega a um hospital e não é atendido, não está preocupado com a dotação orçamental mas com a assistência que existe ou não existe. Há uma grande quantidade de falhas noticiadas. Vai dizer, como o ministro da Saúde, que é dada demasiada visibilidade a determinados casos e que o serviço não está mal?
Já todos temos idade suficiente e experiência para sabermos que a Saúde é um sector onde com muita facilidade se tomam situações pontuais como paradigma. Recordo que foi preciso o ministro Correia de Campos demitir-se para acabar aquela curiosa epidemia dos partos nas autoestradas… Se alguém espera que o professor Adalberto Campos Fernandes deixe de ser ministro da Saúde para que esses problemas se resolvam por artes mágicas pode tirar o cavalinho da chuva, que ele não deixará de ser ministro.
Quando o ministro da Saúde diz “somos todos Centeno” está a dizer que todos os ministros têm limitações. O primeiro-ministro também é Centeno?
O que o ministro da Saúde quis dizer é o seguinte: a política do Governo é uma política integrada. Cada um tem o seu Ministério mas somos um só Governo. Não há um bom ministro das Finanças com um mau ministro da Saúde, nem um bom ministro da Saúde como um mau ministro das Finanças. Sei que é muito injusto quando naqueles estudos de opinião sobre quem é o melhor ministro, há uns que brilham muito à custa das notas dos outros. Mas isso faz parte da vida do Governo. Aquilo que é fundamental é que cada um se sinta parte igual desta equipa. Não teríamos este défice se o ministro da Educação, o da Saúde, a da Justiça não fizessem o trabalho deles. O ministro das Finanças sozinho não teria conseguido este resultado.
O que se passa nos transportes públicos, também vai dizer que é extrapolação mediática?
Não. É muito simples: é o resultado de, ao longo de quatro anos, termos um secretário de Estado que entendeu que o principal produto de uma empresa de transportes era o EBITDA. Não interessava se transportava ou não pessoas, se havia ou não havia composições, se a manutenção era feita ou não, se as infraestruturas existiam ou não. No final desta legislatura, vamos multiplicar por quatro o investimento em ferrovia. Neste momento já temos ganhos importantes de passageiros na Carris e nos STCP na sequência da passagem da gestão para as autarquias, está aprovada a expansão do Metro de Lisboa e do Metro do Porto, vamos investir 50 milhões de euros na aquisição de dez novos barcos para a Soflusa e para a Transtejo, estamos a fazer um investimento de dois mil milhões de euros na ferrovia, não só nas ligações a Espanha, seja pela linha da Beira Alta, Beira Baixa ou do Minho, temos o maior investimento dos últimos 100 anos em ferrovia, que é a linha que liga o Porto de Sines à fronteira do Caia. Estamos a modernizar a Linha do Oeste, e o OE deste ano criou condições para que a CP abra um concurso para a aquisição de novas composições essenciais para a modernização do serviço de ferrovia.
Há um ano lançou o desafio de uma consensualização política com o PSD nas obras públicas. Haverá novidades ainda nesta legislatura?
Sim. Abrimos em junho o debate público sobre o programa nacional de investimentos 2030, que decorre até outubro. Estamos a criar o Conselho Superior das Obras Públicas, e o objetivo é criar, até ao final do ano — no máximo em janeiro de 2019 —, a nossa proposta de Programa Nacional de Investimentos para 2030 para podermos apresentá-la para debate à Assembleia da República.
Vai então ser matéria de campanha eleitoral, não será matéria que este Governo começará a executar…
Para executar não será seguramente, porque é para executar com base nos fundos europeus de 2021 a 2027. Será o Governo em funções em 2021 que iniciará a sua execução. Agora, para que encaixe no financiamento comunitário, temos de definir o que queremos fazer para saber o que temos de negociar na União Europeia.
No próximo quadro comunitário, se se mantiverem os valores de comparticipação nacional será necessário um esforço muito maior do Orçamento do Estado. Já teve um ministro a dizer que seria uma “bomba orçamental”. Acredita que a Comissão Europeia vai recuar?
A Comissão Europeia tem as costas largas. Quem aprova são os Governos no Conselho e os deputados no Parlamento Europeu. O debate com a Comissão tem corrido bem, mas é uma luta difícil. Porque com a diminuição das contribuições com a saída do Reino Unido, se não houver aumento dos recursos próprios da União é impossível haver um aumento da despesa. Quando, ao mesmo tempo, se pede à UE que se dedique a novas áreas, como o combate ao terrorismo e a política de Defesa, ou a necessidade de investir em investigação e desenvolvimento, é evidente que o bolo encolhe e a fatia de cada um encolhe também. Temos de ter um orçamento à medida das ambições da UE. E se quer investir na Defesa, na Ciência, na segurança interna, tem de pôr mais dinheiro sem sacrificar políticas que já deram boas provas. Porquê trocar o certo pelo incerto?
Mas pode existir uma “bomba orçamental”?
Para já estou determinado em fazer a negociação com a UE, para que o Orçamento da União corresponda a estas diferentes necessidades; segundo, que não haja sacrifício da política de coesão nem diminuição das comparticipações na Política Agrícola Comum; e, por fim, que não haja aumento da taxa de comparticipação nacional que seja financeiramente incomportável. Mas é uma negociação difícil, dura, que não só desejo que corra bem, mas que se cumpra no atual mandato do Parlamento Europeu.
Para aproveitar a atual composição do Parlamento e não a futura, que deverá ser mais adversa?
Sim, se não se fizer agora [a negociação dos fundos] teremos seguramente um grande problema económico na Europa, que é uma dificílima transição de quadros financeiros entre 2020 e 2021, porque essa incerteza vai adiar um conjunto de investimentos por parte dos agentes económicos e isso vai ter um efeito muito negativo para o crescimento económico da Europa. Hoje vejo um grande consenso no Conselho para que todos façamos um esforço para concluir esta negociação até ao final deste ano.
Austeridade De acordo com António Costa, dizer que a atual política é igual à do Governo anterior é “confundir a gema com a clara do ovo”. O próximo Orçamento será de continuidade
AUSTERIDADE DE ACORDO COM ANTÓNIO COSTA, DIZER QUE A ATUAL POLÍTICA É IGUAL À DO GOVERNO ANTERIOR É “CONFUNDIR A GEMA COM A CLARA DO OVO”. O PRÓXIMO ORÇAMENTO SERÁ DE CONTINUIDADE
Lisboa tem a capacidade aeroportuária esgotada, com problemas graves. E estão a ser pedidos novos estudos para o Montijo. O aeroporto do Montijo é definitivamente uma escolha encerrada?
É a solução de base em que temos estado a trabalhar. O que foi solicitado agora foi um aprofundamento do estudo de impacte ambiental que tinha sido apresentado pela ANA e que era muito insuficiente para que a decisão fosse tomada. Espero que seja tomada brevemente, porque temos de recuperar de um erro enorme, cometido há 10 anos, que foi ter-se considerado megalómano aquilo que hoje é, infelizmente, uma realidade comezinha e dramática do nosso dia a dia. O país já está a ter um custo económico muito elevado com o não ter decidido a tempo e horas a realização do aeroporto, não podemos atrasar mais a decisão. A opção do Montijo é, entre o tempo que temos para resolver o problema e a oportunidade, a melhor solução e espero que ambientalmente seja possível que ela se concretize.
E quanto ao aeroporto atual de Lisboa, o Governo vai negociar a melhoria da capacidade do Humberto Delgado?
Há várias soluções técnicas. A própria TAP vai apresentar um estudo de otimização da gestão do aeroporto. O novo sistema de navegação aérea levou muito tempo a ser contratado pela NAV, mas felizmente está feito e vai permitir otimizar a gestão do espaço aéreo e permitirá melhorar a utilização do Aeroporto Humberto Delgado. Nada disso faz prescindir termos uma outra solução e, neste momento, não há melhor solução que Montijo, desde que se verifique ser possível. Mas espero que seja um caso que todos registem para a história sobre os custos da não decisão.
Depois do verão teremos o processo de sucessão da procuradora-geral da República. Mantém a opinião de que o mandato da PGR deve ser único?
Esse é um assunto que falaremos com o Presidente da República no momento próprio, que é em outubro.
Não levanta nenhum véu?
Se o Presidente da República desejar conversar antes sobre esse assunto, falaremos com o Presidente antes sobre esse assunto. Mas é um assunto que tem de ser tratado com o Presidente e no momento em que o Governo e o Presidente entendem que deve ser tratado.
Será o Governo a propor o nome. Tem com certeza um perfil de PGR.
Com certeza.
Pode falar do perfil?
Não, isso é uma forma indireta de falarmos daquilo que só deve ser falado em outubro.
A saída de José Sócrates do PS foi para si o fim de um embaraço?
Não. Não havia embaraço.
“AS EMPRESAS TÊM DE ALTERAR AS ESTRUTURAS SALARIAIS. NÃO É POSSÍVEL PAGAREM TANTO A QUEM ESTÁ NO TOPO E TÃO BAIXO A QUEM ESTÁ NOS OUTROS ESCALÕES”
Para ele houve.
Eu não tinha nenhum embaraço. Havia uma separação clara entre aquilo que era a dimensão política do nosso relacionamento e uma questão judicial que ele tem com o sistema de justiça.
Receia um contágio do caso Manuel Pinho ao PS?
Não creio que haja especial contágio. Ele teve oportunidade de explicar a situação na Assembleia da República e, tanto quanto sei, aguarda a oportunidade de explicar ao sistema judiciário, se algum dia o sistema judiciário o quiser efetivamente ouvir.
Ele nada explicou na Assembleia da República. Como viu a prestação dele no Parlamento?
Não vi.
Não tem opinião?
Objetivamente não vi, só vi os relatos.
Sobre Tancos…
[interrompendo] Essa é melhor perguntar à senhora procuradora-geral da República, que é mesmo a única pessoa que tem alguma coisa a esclarecer sobre o assunto.
Acha que a PGR vai terminar o mandato com essa solução resolvida?
Já tem duas perguntas para lhe fazer.
Acha normal esta demora, depois de tantos avisos do Presidente, do ponto de vista político?
Ouça, seguramente a investigação do Ministério Público deve ter revelado uma complexidade que todos nós desconhecemos para justificar tanta demora numa investigação de um caso de polícia.
“SE NÃO SE FIZER AGORA [A NEGOCIAÇÃO DOS FUNDOS] TEREMOS SEGURAMENTE UM GRANDE PROBLEMA ECONÓMICO NA EUROPA”
Qual é a sua fasquia para ter um resultado nas eleições europeias melhor do que o “poucochinho” dos 31% de António José Seguro?
A fasquia é ter o melhor resultado possível.
Já definiu o perfil para o cabeça de lista do PS?
Não, mas gostaria que a lista fosse 100% paritária, o que significa que o género do cabeça de lista tem 50% de hipóteses de ser homem ou ser mulher.
Augusto Santos Silva pode ser o cabeça de lista?
Não está decidido ainda quem será. Iremos ter em dezembro o congresso do Partido Socialista Europeu, em Lisboa, que será um momento muito importante para os partidos socialistas a nível europeu definirem os seus programas, o seu candidato a presidente da Comissão, e nos finais de janeiro, princípios de fevereiro teremos a nossa convenção nacional sobre as eleições europeias, onde faremos não só a nossa plataforma política para essas eleições como apresentaremos pelo menos o ou a cabeça de lista, ou até a lista completa.
Já é dado como certo que tanto os socialistas como os populares podem ter uma franca diminuição no Parlamento, com os movimentos nacionalistas e xenófobos a crescerem. Teme o pior para a Europa?
Com a exceção do ‘Brexit’, em todas as eleições europeias onde se temeu o pior, apesar de tudo, ele não aconteceu: em França não ganhou a senhora Le Pen, na Alemanha a AfD não impediu a constituição de um Governo pró-europeu… É claro que o próximo Parlamento Europeu vai ser mais diversificado do que o atual, mas também a verdade é que as fraturas políticas ao nível europeu colocam-se hoje em eixos bastante mais diversos. Hoje, em várias matérias, encontra numa posição comum pessoas como a senhora Merkel, Alexis Tsipras, o Presidente Macron, eu próprio, o primeiro-ministro Sánchez, e há uns anos, provavelmente, estaríamos bastante mais diferenciados.
É uma constatação comum às diversas famílias…
Sim, mas hoje vê maiores dificuldades em encontrar posições comuns entre a senhora Merkel e os companheiros dela do PPE, como o senhor Orbán, em matéria de imigração, mas também vê com maiores dificuldades posições comuns com partidos da aliança liberal, que têm, por exemplo, sobre a matéria da reforma da zona euro uma posição muito rígida e conservadora, como é o caso da Holanda. Vai ser seguramente um Parlamento bastante mais diverso, mas em que tenho esperança, onde a questão-chave é a clarificação dentro do próprio PPE. O PPE vai ter de saber o que é que quer ser: quer ser aquilo que tem sido ou quer fazer a evolução para aquilo que os seus parceiros de Visegrado o têm puxado? Essa é a questão decisiva relativamente à formação de maiorias.
“A INVESTIGAÇÃO [DE TANCOS] DEVE TER REVELADO UMA COMPLEXIDADE QUE DESCONHECEMOS PARA JUSTIFICAR TANTA DEMORA NUM CASO DE POLÍCIA”
Está a apostar na divisão do PPE?
Não é uma questão de apostar. Não é possível votar num partido onde sobre imigração temos simultaneamente o discurso da senhora Merkel e o do senhor Orbán. Esta clarificação tem seguramente de existir. Vamos ter uma novidade, pelo menos em França, que é o En Marche, que vai estar no Parlamento Europeu e que reforçará a frente pró-europeia.
Também se prevê que os socialistas vão cair muito. Isso não o preocupa?
Não sei, vamos ver o que acontece. Eu vi essa conta dando como exemplo o resultado de Espanha, a verdade é que hoje o PSOE é Governo.
Afirmou que a reunião do Conselho Europeu no fim de junho foi das mais horríveis em que esteve. O que é que o impressionou?
A existência de divergências no Conselho Europeu não é uma novidade. Mas uma coisa é haver divergências sobre o Orçamento Comunitário, sobre quotas leiteiras ou sobre o período de defeso da pesca da sardinha. Agora, esta foi a primeira discussão a que assisti onde o que estava em causa eram valores fundamentais do sentido da União e onde a fratura foi total. Quando há governos que dizem que questões de imigração em Itália não lhes dizem respeito e que é um problema exclusivamente italiano, isto não é aceitável. Isso põe em causa o próprio sentido da União. Claro que não deixa de ser irónico verificar que o Governo italiano paga com fel dos países do Visegrado a mesma política que defende relativamente ao resto do mundo, e que tão elogiada foi pelo senhor Trump… Mas passada a ironia, não deixa de ser horrível imaginar que hoje na União Europeia há países que entendem que as questões da imigração dizem simplesmente respeito aos três ou quatro países que estão na linha da frente da pressão migratória. Isto é absolutamente inaceitável.
Marcelo Rebelo de Sousa falou há poucas semanas da preocupação com a comunicação social. Tem alguma coisa a dizer?
Se eu me preocupasse com a comunicação social, mudava de vida. Acha que se eu me preocupasse com a comunicação social conseguia estar neste ramo de atividade [risos]?

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