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quinta-feira, 18 de maio de 2017

A consagração do triunfo da calúnia:

António Costa fez uma original campanha de promoção política em parceria com João Miguel Tavares. No dia 12 de Maio, os três filhos menores do segundo foram levados a S. Bento para serem fotografados e retidos nessas instalações durante umas horas pelo primeiro. Aparentemente, estamos face a uma operação de sucesso, pois não encontrei registo de qualquer protesto, fosse de políticos ou publicistas. Nas caixas de comentários, as opiniões parecem também maioritariamente favoráveis, o que equivale a um triunfo para Costa e seu parceiro de iniciativa.
Agora, era interessante conhecer a origem desta campanha. A parte em que o JMT usou os seus filhos numa crónica não conta para a avaliação do que Costa resolveu fazer. Sim, o primeiro mostrou estar disponível para a operação, mas podia ter recusado. Ao aceitar, passou a problemática do uso dos familiares em contexto mediático e profissional para outro campeonato, o equivalente a saltar de um treino na Caparica antes de uma jogatana entre solteiros e casados para a final da Champions. O mais importante, todavia, está na génese do convite primo-ministerial. Terá a ideia nascido de Costa, quiçá por ser leitor fiel do JMT ou por alguém lhe ter falado nesse tal texto criador de uma oportunidade que quis agarrar? Terá a ideia vindo de alguém da equipa do gabinete, ou governativa, ou partidária, ou de alguma agência ou assessor de comunicação? Terá a ideia aparecido em alguém da família ou amizade de Costa, tendo depois chegado por essa via ao chefe de Governo? Para além da questão relativa à invenção, temos também muita curiosidade a respeito do processo seguido durante a sua concretização. Terá a ideia sido discutida com alguém politicamente responsável? Se sim, com quem? E que posições terão tomado esses conselheiros? Ou nada se discutiu e Costa fez o que lhe deu na gana porque não achou necessário discutir o assunto ao mais alto nível, ou na esfera mais próxima, das suas preocupações governativas? Nunca o saberemos, aposto.
Já quanto à mensagem que foi tornada pública, há coisas que ficam incontornáveis. Uma delas, a principal do meu ponto de vista míope, concerne à valorização social que Costa quis fazer do JMT. Este escrevinhador já tinha sido distinguido com a suprema atenção e valorização de outro primeiro-ministro, quando foi alvo de uma acção judicial por Sócrates. Esta acção era um disparate tão grande que qualquer caloiro de um curso de Relações Públicas levaria as mãos à cabeça caso tivesse de se pronunciar sobre ela na ocasião. Pura e simplesmente, Sócrates só iria ter prejuízos políticos com essa tentativa de fazer justiça num tribunal a respeito de difamações e calúnias. Contudo, quis avançar e foi até ao fim, de derrota em derrota, permitindo que essa situação fosse explorada com espectacularidade na avalanche das campanhas negras e ódio que recebia de todos os lados. O resultado foi a transformação do JMT numa vedeta do antisocratismo, posicionamento que não mais abandonou tamanho o êxito obtido. Agora, recebe de outro primeiro-ministro uma distinção que vale mais do que uma comenda. A maior parte dos restantes cidadãos, incluindo a maior parte dos que teclam em jornais ou botam faladura nas televisões, não teria a mínima chance de receber de Costa tamanha deferência. Que poderá, então, explicar esta aliança entre um político socialista no auge do seu sucesso governativo até à data e um dos mais notáveis profissionais da indústria da calúnia em Portugal?
Costa não estava virgem destes conúbios. Tanto na Quadratura do Círculo, onde validava a postura caluniosa do Pacheco Pereira e do Lobo Xavier, como no Correio da Manhã, para onde quis ir escrever enquanto presidente da câmara de Lisboa, a sua tolerância com essa cultura e prática decadentes mostrou-se ilimitada. Mais do que isso, Costa revelou não ver qualquer obstáculo ético na exploração desses ambientes para suscitar simpatias eleitorais ou gerar influência política. Ora, é impossível que lhe tenha escapado o que JMT fez há umas semanas apenas. Entre 18 e 27 de Abril, JMT publicou no Público quatro textos que deixaram as seguintes acusações:
– Dias Loureiro usou Daniel Proença de Carvalho, o qual usou a Global Media para usar o DN e a TSF, os quais usaram Paulo Baldaia, Paulo Tavares, Anselmo Crespo e Pedro Marques Lopes. Usados para quê? De acordo com o primeiro parágrafo do texto do dia 18, usados para atacarem o Ministério Público ao serviço de um criminoso que conseguiu escapar e que ainda não está satisfeito.
– Sócrates usa Daniel Proença de Carvalho para o mesmo fim, recorrendo aos mesmos processos.
– Paulo Tavares, intencionalmente, escolheu perguntas que favorecessem Dias Loureiro e os seus interesses na entrevista que lhe fez, deixando por fazer muitas outras que o poderiam entalar.
– Aqueles que apareceram a protestar contra os termos do arquivamento do processo a Dias Loureiro são coniventes com os protestos que se fazem na “Operação Marquês” contra o Ministério Público.
– Daniel Oliveira, Pedro Adão e Silva e Miguel Sousa Tavares trabalham para os interesses de Sócrates pelo que não merecem ser invocados como vozes independentes no que concerne à opinião que calhem ter sobre o Ministério Público noutros casos.
– Joaquim Oliveira, António Mosquito e a KNJ Investment têm estado a investir num negócio falido, pelo que terão de ter outros objectivos escondidos para tal gasto de dinheiro.
– Daniel Proença de Carvalho é uma figura suspeita pois tem aparecido como advogado de “grandes figuras do regime”, o seu filho igualmente suspeito fica pelas mesmas razões. Suspeitos de quê? JMT não o diz, mas se fosse de coisa boa ele não nos estaria a avisar para termos muito cuidado com essa malandragem.
– Afonso Camões terá cometido imoralidades e/ou ilicitudes não descritas pelo JMT, mas podendo nós ter a certeza de que terão ocorrido porque o próprio JMT leu notícias a respeito de escutas na “Operação Marquês” que o levaram para essa conclusão que faz questão de partilhar com o povo.
– Paulo Rego terá cometido imoralidades e/ou ilicitudes não descritas pelo JMT, mas podendo nós ter a certeza de que terão ocorrido porque o próprio JMT descobriu que o senhor foi nomeado director-adjunto da Lusa em 2006, o que levou o bom JMT a partilhar essa conclusão com o povo.
– Luís Viana, idem idem, aspas aspas.
– Afonso Camões e Macau, Macau e os socialistas, etc.
– Pedro Marques Lopes não presta, anda para aí a mentir.
Em suma, o “jornalismo” do “jornalista” JMT foi desenterrar estas vilezas do buraco onde estavam escondidas e transportou-as com diligência para a sua coluna de opinião onde ficam em exibição como híbrido: nem são factos nem deixam de o ser, nem são notícias nem são boatos, são coisas que ele diz porque lhe atravessam a mona quando tem de trabalhar para ganhar o dele. E conseguiu calar os alvos do seu ataque, que reagiram à primeira investida mas que se recolheram em tábuas à segunda, terceira e quarta. Obviamente, o que está aqui em causa não é a pessoa, nem sequer a figura mediática, do JMT. A relevância que protagoniza remete é para quem lhe está a dar o espaço e a remuneração. Ele, tranquilamente, chegando ao ponto de usar os filhos como material profissional, veste extasiado pela facilidade e benesses a farda do franco-atirador, o David que enfrenta e assusta os Golias da sua predilecção, quase todos socialistas, ou que larguem esse cheiro, por grande coincidência e conforto cognitivo. E é neste contexto que aparece um primeiro-ministro que viu vantagem em associar a sua imagem à dele. Uma associação que tanto pode ser vista como uma brincadeira para gerar ganhos de popularidade num momento em que não precisa deles para nada se obtidos desta forma, como pode ser vista como a celebração de uma cultura e agenda políticas comum. Para quem reduza a política ao cinismo pragmático, para quem não se importe de permitir que um esgoto a céu aberto use o seu nome e voz para vender jornais e ter audiências, é a segunda hipótese a que terá maior probabilidade de estar certa.


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