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quinta-feira, 18 de maio de 2017

De homens providenciais andamos nós fartos:

capitaoferreira
Mário Centeno corre um risco importante: o de se tornar o Ministro das Finanças com melhores resultados da década, ou mesmo deste século mesmo antes de atingir os dois anos de mandato. O problema é esse.
Ao presidir ao défice mais baixo da Democracia, ao maior crescimento homólogo do PIB em 10 anos, à mais rápida redução de desemprego de que tenho memória, tudo isto enquanto repõe salários e pensões anteriormente cortados e restabelece um módico de rede de segurança social, com modestos incrementos nas prestações sociais, o perigo é só um. São dois, aliás. Primeiro, que Mário Centeno se ache um homem providencial. Segundo, que alguém ache que ele o é.
Não é. Julgo que o saberá. Espero que o saiba. E espero que saiba que tem um mundo de problemas pela frente, o menor dos quais não será saber o que fazer com a (desejável) recuperação da Economia e que se entenda com o Primeiro-Ministro sobre isso. Em Portugal, erramos mais em tempos de crescimento do que em tempos de crise.
E é aqui que o Governo pode entrar em dificuldades. Desde logo, porque o Governo não foi feito para isto. Foi, antes, concebido para ser um Governo puramente anti-austeridade.
Concluída a fase crítica da reversão da austeridade (ainda assim, longe de estar terminada) o Governo pode estar à beira da mais grave crise desde a sua incepção. Ficar sem propósito. É fatal em política.
Então o que fica a faltar? O propósito. Uma ideia, um objetivo, um rumo, que cole a ação governativa, que o eleitorado compreenda e que a maioria de suporte parlamentar possa subscrever. Um objetivo e um caminho para o atingir.
Até essa definição, há que ir atendendo ao que é urgente. Primeiro passo? Mais emprego, menos pobres, menos desigualdade. Com metas e estratégias claras. Dá pano para mangas. Os fenómenos são, obviamente interdependentes. Por exemplo, o risco de pobreza é quatro vezes maior para os desempegados que para os empregados, segundo dados de ontem do INE (resultantes do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento 2015).
Países com mais emprego têm menos pobreza e, não menos importante, empregos com salários justos reduzem a desigualdade. Países menos desiguais, por sua vez, crescem mais, e mais depressa. Isso cria, pois, todos sabemos, mais emprego. É um ciclo virtuoso emprego-combate à pobreza-atenuação das desigualdades.
Por onde começar? Temos de chegar aos mais pobres primeiro. E depressa. Ao contrário de tudo quanto nos foi dito (e mentido) foram eles que sofreram, desproporcionalmente, o custo dos erros dos últimos anos (dados do INE, idem).
Também é ali, portanto, que qualquer ajuda produzirá mais frutos. Faz sentido do ponto de vista económico, mas devemos ir para além desse tipo de consideração. É o que devemos àqueles de nós que menos podiam e mais pagaram. Estamos a falar de uma população que tem um rendimento médio (rendimento mediano, na realidade, mas não compliquemos) de 3.865 euros por ano. Por ano. Pensemos nisto por um instante.
O emprego poderá ajudar, e muito, uma parte do milhão e seiscentos mil portugueses em risco de pobreza que estão em idade ativa. Contudo, não chega. Há mais um milhão de portugueses com menos de 18 anos ou mais de 65, em risco de pobreza, para quem a Sociedade tem de ter uma resposta, e mal faria que o Estado não assumisse a liderança na construção dessa resposta. São os nossos filhos e os nossos pais (ou avós).
Mais simples é difícil. Também é certo, contudo, que é mais fácil dizê-lo do que fazê-lo.
Do blogue (Estátua de Sal)
(Mário Capitão Ferreira, in Expresso Diário, 17/05/2017)

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