A manifestação/concentração de 14 de novembro de 2012 à frente do
parlamento, lembram-se? Foi aquela em que a polícia, de capacete e fato
antimotim, esteve a levar com pedras do passeio, arremessadas por meia dúzia de
pessoas, durante uma - inexplicável - hora. Ao fim da qual avançou e varreu à
bastonada a praça e todas as ruas, circundantes e não circundantes, até ao Cais
do Sodré, agrediu dezenas e prendeu outras dezenas de pessoas.
Pois bem: mais de dois anos depois, aliás, dois anos, quatro meses e
duas semanas depois, a 1 de abril (adequado, como se verá), soube-se do
resultado da averiguação efetuada pela Inspeção-Geral da Administração Interna.
E sabemo-lo por um jornal, o Sol, que "teve acesso ao relatório",
porque acesso público - por exemplo no site da instituição, onde seria de
esperar ver o dito - não existe. Aliás, mesmo para jornalistas, fui informada,
só por requerimento e "tem de ir a despacho".
Criada há 20 anos, na sequência da horripilante decapitação de um
cidadão no posto da GNR de Sacavém, a IGAI surgiu como a grande esperança de
que as forças policiais fossem na sua atuação alvo de fiscalização e formação
no sentido de respeitarem a lei - incluindo, naturalmente, os deveres de
respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, razão de ser primeira das
polícias. Mas o tempo incompreensível ocorrido desde os acontecimentos até,
segundo o Sol, o relatório ficar "disponível" (para quem?) e os
excertos reproduzidos esmorecem a expectativa. Diz então a IGAI que houve
"abuso de poderes funcionais" por parte dos agentes. Enumera:
"empunhar o bastão com o cotovelo acima do ombro" (dando balanço);
bater na cabeça (e até na cara, num dos casos reportados pelo relatório); conduções
ilegais a esquadra "para identificação"; colocação de pessoas, nem
sequer detidas formalmente, em celas; etc. Menciona por exemplo um bombeiro
que, indo para o trabalho, foi apanhado na confusão e acabou cinco dias no
hospital e uma jovem de 17 anos que diz terem-na obrigado a despir-se
integralmente e a pôr-se, nua, de cócoras (fez queixa ao DIAP, que arquivou),
entre outros. Conclusão da IGAI: se a conduta dos agentes em causa
"mereceria certamente censura e ação disciplinar", como "as
caras estavam escondidas pelos capacetes e viseiras" nada se pode fazer. O
mesmo quanto às nove pessoas que alegam ter sido agredidas na casa de banho da
esquadra do Calvário por "agentes embuçados": "Uma agressão
poderia produzir gritos e estes seriam ouvidos pelas muitas pessoas que estavam
na esquadra", cita o Sol. Mas "mesmo que houvesse prova, os seus
autores não poderiam ser reconhecidos" - estavam embuçados, então. O
jornal resume: "Tudo arquivado." Pode acrescentar-se: batam, prendam
ilegalmente, torturem, desvirtuem por completo a vossa missão, envergonhem o
vosso uniforme, senhores polícias. Desde que ninguém filme e tapem a cara, da
IGAI (que também pode pintá-la de preto, já agora) não esperem castigo.
FERNANDA CÂNCIO
Hoje no DN
Hoje no DN
Sem comentários:
Enviar um comentário