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sábado, 25 de outubro de 2014

Meta isto na sua cabecinha, senhor Deputado!

Não é a primeira vez que chamo a atenção para um elemento novo que acompanha esta legislatura: o policiamento da linguagem.
Com hipocrisia, a direita parlamentar - e vários membros do Governo - disfarçam o embaraço de não terem resposta para o que é perguntado com o discurso da propriedade da dignidade da linguagem.
Uma expressão banal dentro do debate político é transformada em "afronta", gera "defesas de honra" exaltadas e tudo acaba no espetacular despacho sumário: "é por estas expressões, é por esta linguagem, que os portugueses não respeitam os políticos".
O problema da direita policial é que esquece que as pessoas sabem a diferença entre afronta e linguagem política acesa, banal desde que há parlamento democrático.
Afronta é gritar por eleições prometendo não cortar em pensões e salários e, no primeiro ano no poder, roubar duas pensões e dois salários (sim, pode dizer-se roubar exprimindo o politicamente sentido e não o crime tipificado no Código Penal, ok?).
Afronta é convidar os jovens a emigrarem.
Afronta é Paulo Portas demitir-se irrevogavelmente e revogar o dito.
Afronta é pressionar sem paralelo em lugar algum o Tribunal Constitucional e cuspir na democracia.
Afronta é mentir.
Daí que esta semana - quando se discutia o embuste do OE para 2015 e a reforma fiscal feita nas notícias - o incidente entre a direita e o PEV possa parecer inofensivo, mas não é. O incidente revela um dos mais sinistros instrumentos de sobrevivência da direita: o "honesto" e "honrado" lápis azul da linguagem parlamentar em moldes de moralismo populista que não tem feito bom caminho em Portugal.
Para quem não assistiu ao episódio, um Deputado do PSD pôs em causa a legitimidade democrática do PEV e, depois, a legitimidade dos tempos desse partido, essa "farsa". Isto pode dizer-se. As pessoas dormem bem e a Presidente da AR não profere uma palavra.
Já quando o Deputado do PEV, ao fim de várias provocações, pronuncia esta verdade simples - "quem atesta a minha legitimidade democrática não é o senhor Deputado, meta isto na sua cabecinha" -, o mundo cai.
Logo aparece Nuno Magalhães corroborando o ataque à legitimidade do PEV e propondo uma conferência de líderes para "rever" os tempos daquele partido porque, claro, isto de se dizer "cabecinha" é o ponto final de um parlamento.
Calha que ponto final de um parlamento é perder tempo dos portugueses com desvios democráticos. É isso que, imagino, entre outras coisas, deixa qualquer cidadão perplexo.
Goste-se ou não se goste do PEV, a verdade é que a Constituição permite candidaturas dos partidos políticos em coligação (artigo 151º), pelo que a CDU tem habilitação direta na lei fundamental.
De resto, quando a direita clama, gritando, que o PEV nunca concorreu sozinho, esquece-se de duas coisas: primeiro, a isso não está o partido obrigado; segundo, com que legitimidades gritam PSD e CDS contra coligações pré-eleitorais? Estão esquecidos da Aliança Democrática (AD)?
Nós não.
Os senhores não me policiam o discurso e a vossa afronta está por um fio.
Escrevo-o com muito gosto: "meta isto na sua cabecinha, senhor Deputado!".
Isabel Moreira
Hoje no Expresso

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