Era feio e ermo. Mesmo assim era onde vivia. Para ali fui viver em mil
novecentos e cinquenta e quatro mais precisamente no mês de Junho. Digo Junho
porque no primeiro dia que ali cheguei na entrada da minha ilha (rua) ter uma
cascata ali exposta. Era uma ilha com cinco inquilinos. O senhorio era a
família Brito da drogaria que existia na rua do Comércio com o mesmo nome.
Todos os vizinhos procuravam se
entender para haver harmonia entre eles. As casas eram pequenas mas naquele
tempo tudo era pequeno. A cozinha não dava para comermos todos ao mesmo tempo.
A não ser uns sentados à mesa, que não era mesa, mas sim uma masseira, os
outros no cimento do chão. A masseira tinha este nome porque tinha duas
funções: servir de mesa de refeições, tinha um tampo que dava para abrir, que
depois de aberto, tinha um vau onde as mulheres - regra geral eram elas -
amassavam a farinha para levar ao forno e dali aparecia a célebre broa de pão
caseiro. Parávamos ali pouco tempo porque o espaço não dava para mais.
Além da cozinha tinha dois quartos e uma sala mas também de reduzidas
dimensões. Mas era a minha casa e o lugar em que vivi vinte e um anos. Ainda
hoje guardo boas recordações de ambos. Assim como dos vizinhos, a maioria já
não está entre nós. A família Sousa da Tipografia, depois na mesma casa, Zeca
“Rabão”, a seguir Alberto “Mirra” e por fim Zé “Mula”.
Na outra casa a seguir, pois
elas uniam-se em quadrado, tendo duas saídas - uma para os quintais, cortes e
retretes, a outra dava saída para o exterior - contando pela esquerda de quem
entra na dita ilha, Maximino “Frita”, ou seja a minha família, fomos para a
casa onde antes viveu a família “Malga”.
Na outra a família Juca “Careca” que quando para ali fomos já ali morava
há anos. Esta família para mim era a minha segunda família. Dávamo-nos
lindamente. Ainda recordo as pombas de papo que o senhor Juca tinha. Estavam
bem domesticadas que até vinham à sua palma da mão buscar alimento.
Na casa a seguir morava o António “Croa”, irmão do Luís “Caramancho”,
que passado pouco tempo de eu ali viver foi para África (Angola), e para o
substituir foram os pais do Chico Martins dono do restaurante Parrilhada.
Também ali estiveram poucos anos porque foram morar para uma povoação no
concelho de Chaves. Como havia poucas casas para alugar em Freamunde, esta,
esteve pouco tempo de vago. Assim depois do casamento de António Carvalho com
Bina “Pedra” passaram a ser eles os inquilinos da casa deixada vaga pelos pais do
Chico Martins. Ali estiveram uns anos até que conseguiram casa própria. Como a
minha família estava a aumentar, no lugar da Bouça não havia luz eléctrica e, para
colmatar essa deficiência, há que os meus pais irem mais cedo para a cama e já
se sabe quando se junta a gasolina ao lume a labareda é enorme. Assim ia
acontecendo e a minha mãe de dois em dois anos punha um rebento cá fora. Assim há que alugar a casa deixada vaga pela família António Carvalho e Bina Pedra,
para ali alocar parte da família.
Na outra e última casa da minha rua morava a Semarquinhas, viúva do pai
do senhor Manuel da Bouça, dono das referidas casas mas vendidas pela
Semarquinhas à família Brito. Era assim a minha ilha (rua). Modesta mas com uns
inquilinos que punham sempre acima de tudo a solidariedade. Por isso a vivência
ali para alguns até à morte.
Caso da minha mãe, Marília “Careca”, que tinham melhores condições em
casa de algum dos seus filhos mas preferiram estar ali até que a morte as
levou. Talvez por consideração aos seus maridos que ali morreram e também
porque foi ali naquela ilha (rua) que passaram os melhores ou piores momentos
da sua vida. Por isso o apego a certas coisas. Sejam elas modestas e pobres.
Foi o que aconteceu ali.
Mas hoje dá pena ver como está. Até me arrepio quando ali passo porque foi ali que passei a minha meninice, juventude e me tornei homem e não de ver no que se tornou a minha ilha (rua).
Mas hoje dá pena ver como está. Até me arrepio quando ali passo porque foi ali que passei a minha meninice, juventude e me tornei homem e não de ver no que se tornou a minha ilha (rua).
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