Rádio Freamunde

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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Divagando por Freamunde e pela vida:

Todas as terras têm pontos em comum. A minha não foge a essa regra. Goza de um estatuto especial que é o da cultura. A cultura vem dos tempos medievais e há sempre um mito que a vem realçar. E como em todas há uma estória e geralmente começa por “era uma vez”. Assim começa esta. Era uma vez um lugar que se julgava inferior aos muitos outros que Freamunde tinha. Nesse lugar as pessoas tudo fazia para o engrandecer. Mas havia muito a trabalhar para que esse povo “sofredor” deixasse de o ser. Logo de manhã a labuta era constante. Uns, para as fábricas, outros, para a construção civil e, ainda outros para a venda do peixe. Não falando nos trabalhos domésticos que eram infinitos. Era uma ranchada de filhos e isso acarretava trabalhos dobrados.
A camioneta com o peixe vinha de Matosinhos e parava na Fonte dos Moleiros, Gandarela, para ali o distribuir pelas sardinheiras e sardinheiros. Percorriam a Vila - nesse tempo tinha essa categoria - cada uma com a canastra à cabeça e com lugares marcados. Outras iam para outras terras do concelho porque a vida assim o exigia.
Ainda recordo piropos que davam às nossas sardinheiras: só sabem vender sardinha! Mas recebiam como resposta: vendemos a sardinha mas comemos a galinha! Mas não era isso que sucedia. Era a forma de ficar por cima de quem as queria ironizar.
As galinhas nesse tempo era um comestível de luxo. Só gente de grandes posses se podia dar a esse luxo. A maioria tinha como intuito a criação. Quase todas as casas na Gandarela tinham galinheiros e criavam galinhas. Era a maneira de equilibrar as finanças caseiras. Uma dúzia de ovos vendidos e uns frangos para o comércio local vinha mesmo a calhar.
As sardinheiras que iam para fora da terra andavam por lá o dia todo. À tardinha vinham com a canastra à cabeça mas em vez de transportar peixe traziam couves, batatas e mais algum tubérculo da época. Era assim a vida das sardinheiras. Também as suas clientes tinham estima por elas e era por esse motivo que lhes ofereciam os presentes atrás referidos.
Quando vinha o mau tempo - como o que se faz desde de Dezembro até hoje - não havia sardinheiras a vender peixe. E como a miséria não anda sozinha também os maridos que trabalhavam na construção civil não tinham trabalho. O mau tempo assim determinava. Por isso a miséria habitava naquele lugar. Mas a Gandarela mostrava-se altaneira para o disfarçar. Era como diziam a quem vinha com ironias: - “vendemos a sardinha mas comemos a galinha”. Dizia-se mas não se sentia. Por isso muitas vezes nem tudo o que reluz é ouro. Com isso demonstrava-se o contrário.
As crianças da minha idade que comigo andavam na escola, daquele lugar, mostravam a realidade vivida pelas suas famílias. Mas não eram só eles. De todos os lugares de Freamunde emergiam outras crianças com as mesmas necessidades. Lá iam para a escola descalças, no tempo de chuva com um saco de sarapilheira pela cabeça, pareciam pinguins, com a barriga a dar horas mas com a lição na ponta da língua. Ai de quem não soubesse de cor e salteado onde nasciam os rios, as serras onde estavam localizadas, o nome das estações do caminho-de-ferro e seus apeadeiros, levava logo uns bolos da palmatória do mestre-escola.
Mas parece que por Deus ou por obra do Espírito Santo essa vivência levava a que os alunos fossem do melhor que há. Com isto não quero dizer que a fome faz a inteligência! Não. O que quero dizer é que as dores de barriga ensinam a parir. E, assim há que dar tudo por tudo para não atrasar ano nenhum para ajudar o quanto mais depressa possível os seus pais no sustento familiar. Então sem idade de poder trabalhar lá se ia trabalhar. Os patrões empregavam-nos por consideração aos nossos pais que regra geral também ali eram empregados. E ali se fazia as praxes. O mandar buscar o ferro das precisas. Uma barrela a ver se já tínhamos penugem. Esta era a forma de nos tornarmos adultos. Quantas fugidas por causa dos fiscais do trabalho. Mas tinha de ser assim. O labutar por uns míseros tostões semanais para fazer face à vida e ao mesmo tempo para não andar a vadiar. Tornávamo-nos homens enquanto meninos.
Hoje olho para este mundo e vejo meninos que já podiam ser homens. Mas para quê! Se não têm trabalho e futuro. Tenho ido esperar o meu neto que frequenta o sexto ano no Ciclo Preparatório de Freamunde e vejo a “realidade” da nossa juventude. E sinto angústia pelo que um dia lhes venha a acontecer. Este País não é para jovens e velhos. Nem para os de meia-idade. A única via é a emigração. Anda-se anos e anos a gastar-se dinheiro com a educação para depois mandá-los para outros países. Nada me admira que daqui a poucos anos os nossos alunos se desloquem para a escola com um saco de sarapilheira pela cabeça. Que de barriga vazia já vão muitos mas têm vergonha de o demonstrar.                   

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