O presidente da junta
Rui Madeira é presidente da Junta de Freguesia de Alvalade, no
Alentejo. Ele faz aquilo que esperam dele. Procura estar próximo dos problemas
das 2098 pessoas que moram por ali e que não são muito diferentes dos problemas
que existem noutros lados e que se agravaram com a falta de dinheiro, apesar de
estarmos em ano de autárquicas. Já vão longe os tempos de abundância
pré-eleitoral em que havia ideias - boas e más -, projetos, também bons e maus,
dinheiro para contratar pessoas a prazo ou, imagine-se, até para o quadro da
Junta. O orçamento não aumentou, tem vindo até a encolher, como acontece pelo
país inteiro. Hoje Rui Madeira tem o mesmo dinheiro - "a verba" - que
tinha há uma década, embora agora haja mais custos.
É a vida, claro, mas o problema dele é outro, é de natureza um pouco
diferente. Com ou sem recessão, as pessoas morrem e também morrem próximas do
fim de semana; uma inconveniência biológica que não tem solução. Se morrem têm
de ser enterradas, não há alternativa, porque as famílias, depois do velório,
não querem esperar pela segunda-feira. Ora bem, ao sábado e ao domingo há agora
um transtorno logístico delicado: deixou de haver coveiro na Junta de Alvalade.
A pessoa que lá estava e que tinha essa função demitiu-se em 2012. Recebia o
salário mínimo e cansou-se. Digamos que a posição não era bem paga e não
oferecia boas perspetivas laborais. Coveiro é emprego, não é vocação; ou é
remunerado como deve ser ou ninguém anseia pelo lugar.
Apesar da ausência de coveiro, entre segunda e sexta-feira não há
embaraço nenhum. Rui Madeira pede uma equipa emprestada ao Cercal ou a Ermidas,
que ficam ali perto - no município de Santiago do Cacém -, e o assunto é
resolvido por especialistas habituados a estes assuntos terrenos. Mas ao fim de
semana é um sarilho. Tem de ser ele também a meter mãos à empreitada, porque
não tem mais ninguém em quem possa delegar. O presidente da junta de freguesia
vira, portanto, coveiro em part-time. Teve de aprender a tratar do serviço, a
enfiar-se na cova e, quando chove, a tirar de lá a água. Não acontece todos os
fins de semana e tem sempre a ajuda de quem sabe, mas as sextas-feiras passaram
a dar-lhe a volta ao estômago.
Quando foi eleito, Rui Madeira - aluno de Arquitetura Paisagista -,
nunca pensou que teria de passar por isto. Acomodar um caixão, fazê-lo pousar
na terra e depois tapá-lo com todos os cuidados não estava, digamos, no job
description de presidente da junta. A austeridade tem destas coisas, diz-me.
"Tive de aprender a jogá-los lá para dentro. Sei que isto está a acontecer
noutros sítios. Não é agradável." Pois não, não deve ser. A crise vai do
princípio ao fim na freguesia de Alvalade - vai; mas encontrou um adversário à
altura.
ANDRÉ MACEDO no DN
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