Exmº Senhor Ministro das Finanças
LISBOA
Excelência:
"A poucos dias de completar 75 anos, a vida ensinou-me a não perder
tempo com indivíduos arrogantes, incompetentes, ignorantes ou incoerentes daí,
eu próprio, não entender a razão de estar a escrever-lhe, mas sinto que é um
imperativo de consciência que dita esta carta.
Nasci um ano antes do início da segunda guerra mundial (se refiro o ano
é apenas porque duvido que o senhor fosse capaz de, pelo facto de errar todas
as contas, conseguir, a partir da minha idade, chegar ao ano do meu nascimento)
e portanto, ainda miúdo, senti, embora as não vivesse, bem de perto a fome e a
miséria. Sou natural de Aljustrel e como algum tempo depois do início da guerra
a mina, sustento económico da vila, cessou a actividade, vi gente, muita gente,
com fome, a alimentar-se de bolotas ou a comer açorda de coentros e alho,
aquilo a que os restaurantes que o senhor deve frequentar chamam de sopa
alentejana, sem azeite, ou seja, pão molhado em água a ferver. Anos depois
imaginei que tal situação não viria a suportar-se mais no meu país mas,
infelizmente o caminho que o senhor está a trilhar e a querer obrigar os
portugueses a seguir conduzirá inexoravelmente a uma situação de miséria bem
pior do que a que os portugueses já suportaram.
Em Outubro de 1945, alguns meses depois do fim da guerra, entrei pela
primeira vez na escola e se lembro esse primeiro dia de aulas é pelo enorme
pavor que tenho de que a história se repita.
Na parede fronteira às carteiras estava um crucifixo ladeado por 2
retratos, um senhor de bigode e fardado e um outro que estava de perfil com um
nariz grande. Depois de algumas palavras a professora perguntou: Algum de vocês
sabe de quem são as fotografias que ladeiam o crucifixo? O “Padreca” alcunha
dum moço filho da maior beata da terra e, ao que se dizia, do padre, daí a
alcunha, respondeu: São os dois ladrões que foram crucificados com Jesus
Cristo. A professora exaltou-se e terminou a arenga dizendo que um retrato era
do general Carmona, assim, sem senhor nem nada, Presidente da República e o
outro de sua excelência o Senhor Dr. António de Oliveira Salazar, digníssimo
presidente do conselho. Não sei se foi premonição se pelo ar da professora o
certo é que embirrei logo com o “pencudo” que mais tarde viria a odiar. Porque
refiro isto? Porque tenho receio de que os meus netos entrem numa sala de aula
onde, no lugar do “pencudo”, estejam as olheiras de Vossa Excelência.
Este meu medo funda-se no facto de na entrevista a que a seguir aludirei o
senhor não ter falado como ministro das finanças mas sim como primeiro-ministro
o que me leva a supor que o senhor se estará a preparar para seguir o percurso
do professor de Santa Comba.
Avancemos, deixei de o ouvir, pelas razões que atrás refiro, mas
acontece que fui visitar um amigo doente e acamado no dia em que o Senhor dava
uma conferência de imprensa, creio que no passado dia 19 e lá tive que o
escutar. No fim e após ouvir o comentário do meu amigo, que não reporto apenas
porque não utilizo palavras de outros para dizer aquilo que pretendo, respondi
ao meu amigo: Não me digas que estiveste a ouvir o “gajo” só para fazeres esse
comentário?! Sorrimos os dois, porque o riso aberto já o senhor nos roubou.
Contrariamente ao que pensava a conferência de imprensa ficou a
bailar-me nos ouvidos, a seguir, porque tenho gravado, fui ouvir as declarações
do seu chefe (ou será o contrário?) feitas antes de ser primeiro-ministro, as
declarações de Rafael Correa, Presidente do Equador na conferência realizada em
Madrid na reunião entre os países Ibéricos e da América Latina e reler a
tradução dum artigo que o senhor publicou no banco central europeu (Excess
Burden and the Cost of Inefficiency Public Services Provision) no ano de 2006
(será que se lembra ainda do que então escreveu?) e tal agudizou a necessidade
de lhe escrever e, o mais curioso é que a necessidade de gastar, ou perder,
tempo com o senhor radicaliza nas mesmas razões que me levam a afirmar que não perco
tempo com certas pessoas.
O senhor é arrogante: Só os arrogantes se afirmam donos da verdade
absoluta e o senhor afirma e reafirma que o caminho que definiu é o único muito
embora vozes autorizadas, até da sua área ideológica, digam que o caminho que o
Senhor escolheu conduz o país, ou seja conduz os portugueses, ao precipício.
O senhor é incompetente: O senhor afirmou que com o orçamento de 2012,
orçamento que me esbulhou de dois subsídios da reforma para que descontei
durante 41 anos, o deficit das conta públicas ficaria nos 4,5% acordados com a
troika, mais tarde veio afirmar que afinal o deficit ficaria nos 5% e agora já
admite que mesmo esse objectivo não seja atingido. Só um incompetente comete
tantos erros numa só operação. O Senhor afirmou e reafirmou que cumpriríamos
metas e prazos, abjurando os que reclamavam a redefinição dos mesmos, para
depois vir vangloriar-se de ter conseguido alteração das metas e dos prazos
que, por pura incompetência, não atingiu. Mas o que revela ainda maior
incompetência é o afirmar que uma “receita” que falhou redondamente em 2012
vai, desde que reforçada, produzir resultados diferentes em 2013.
O senhor é ignorante: Ignorante porque ignora a situação de miséria,
aberta ou encapotada, em que já vivem mais de um milhão de portugueses e se
prepara, com total indiferença, para aumentar o número de miseráveis do nosso
país. Ignorante porque recusa as lições que a história nos dá, aconselho o
senhor a ouvir as declarações do Presidente do Equador na cimeira
Ibero-Americana. Ignorante porque não tira as ilacções que deveria tirar da
situação grega. Ignorante porque não escuta as afirmações da directora geral do
FMI.
O senhor é incoerente: Porque escreveu, no artigo que atrás refiro, em
2006 que “um estado eficiente podia reduzir para metade a carga fiscal” e está
a duplicá-la, quando não a aumentá
-la ainda mais. Eu vou recordar-lhe o que o Senhor escreveu sobre
Portugal em 2006: “Em Portugal as receitas fiscais valiam 37,1% do PIB ou quase
60% do consumo privado. Se a provisão de serviços públicos fosse eficiente uma
carga fiscal equivalente a 37,5% do consumo devia ser suficiente.”
Face ao que atrás ficou escrito, peço-lhe que ponha de lado a
arrogância, a incompetência, a ignorância e a incoerência e preste um serviço a
Portugal, demita-se e, se lhe for possível, leve também o resto do grupo que
nos está a arrastar para o precipício.
No Alentejo, onde cresci e me fiz gente, ensinaram-me que se deve
cumprimentar toda a gente, lembro-me de ouvir os mais velhos dizerem: “não se
nega a salvação a ninguém”, mas, honestamente, não devo, não posso e não quero
cumprimentar o ministro das finanças do desgoverno de Portugal.
Depois de terminar este escrito e antes de o reler estive a ouvir José
Afonso que normalmente funciona como bálsamo para as minhas mágoas e ao escutar
“O que faz falta é avisar a malta” decidi que esta carta será tornada pública
no formato carta aberta."
José Nogueira Pardal
José Nogueira Pardal
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