FERNANDA CÂNCIO
Hoje no DN
Ao contrário do que nos dizem os clássicos infantis, não há em regra
moral na história. É assim que podemos assistir, boquiabertos - como anteontem
- a um Santana Lopes, na TVI24, a perorar, a propósito do curso de Relvas,
sobre deverem ser os políticos julgados pelos seus atos em funções e não por
episódios do seu percurso privado (cito de memória), sem que algum dos
presentes, de Constança Cunha e Sá a Assis e Rosas, pigarreasse sequer. Que o
homem que nas legislativas de 2005 fez insinuações explícitas sobre a
orientação sexual do adversário e exigiu a audição do depois primeiro-ministro
no Parlamento sobre a respetiva licenciatura possa, sem lhe cair tudo em cima,
afetar lições de fineza e elevação é bem elucidativo, não apenas da sua
comprovada desvergonha, como da amnésia amoral da audiência.
De vez em quando, porém, a realidade faz-se fábula de La Fontaine. E
vemos então alguém como Miguel Relvas, que em abril de 2009 afirmou "se
fosse parente do engenheiro Sócrates escondia que era parente dele", acrescentando
"depois de ganhar as eleições todos os dias quero que a minha filha tenha
orgulho" a, numa audiência parlamentar do caso das secretas, três anos
depois, lamentar--se, olhos e voz tremeluzentes, pelo "muito que
custa" e "o tão injusto é" ser julgado na praça pública,
concluindo: "Todo o cidadão tem direito ao bom nome; [...] tenho família,
tenho amigos, tenho uma posição na sociedade..."
Tem Miguel Relvas toda a razão: todo o cidadão tem direito ao bom nome.
Até ele, que o negou a outros. Curioso que só se dê disso conta quando é à sua
porta que as acusações e insinuações batem, depois de tudo ter feito, como
tantos "notáveis" do seu partido, de Santana a Ferreira Leite, de
Marques Mendes a Menezes, de Pacheco Pereira a Passos, para que a doença do ad
hominismo infetasse o combate político, banalizando as considerações sobre
"o carácter", o percurso académico e até a família dos adversários.
Estamos a falar do partido cujo líder Marques Mendes pediu, em 2007,
uma comissão independente para investigar a licenciatura de Sócrates (o qual,
recorde-se, fez cinco anos de Engenharia em universidades públicas); que exigiu
uma audição da ministra Lurdes Rodrigues para explicar a suspensão de um
funcionário por supostamente ter feito uma piada insultuosa sobre o diploma do
então PM, considerando, a priori, estar ante "uma atitude intimidatória,
persecutória e opressora dos mais elementares direitos, liberdades e
garantias." Um partido, enfim, especializado na calúnia, no insulto e na
perseguição pessoal, cujo grupo parlamentar rejubila com menções "a
licenciados de domingo" ou "discursos encomendados em cafés de
Paris".
Num tal partido, a revelação da licenciatura "Novas
Oportunidades" (ah, a suprema ironia - "certificação da
ignorância", não era, senhor primeiro-ministro?) de Relvas deveria ter o
efeito de uma bomba de tinta negra - tudo com a cara pintada de preto. Isto,
claro, se face houvesse.
Excelente texto!
ResponderEliminarHouvesse vergonha na cara de algumas pessoas e o "dr." Relvas já teria sido demitido!
Peço-lhe novamente que comente a actuação da ERC e em particular do Sr. Carlos Magno, que foi objecto de elogios da sua parte num passado recente.
Cmpts,
Miguel
Miguel:
ResponderEliminarPelo que vejo apostou sempre no cavalo certo! Nunca fez algum conceito que depois se arrependesse? Foi o que aconteceu comigo. Todas as sextas-feiras ouvia às dezanove horas o Contraditório e gostava das suas intervenções. Por isso ganhei alguma admiração pela sua verticalidade. Era dos quatro - João Barreiros, moderador, Carlos Magno, Ana Sá Lopes e Luís Delgado, comentadores - que a maioria das vezes defendia a governação de José Sócrates e numa altura em que andava na baila o caso Freeport e das sucatas.
Agora com o casso Relvas/Público fiquei decepcionado com a sua postura. Já sabia, derivado às minhas antigas funções, que criticar é fácil, difícil é decidir. Por isso a decepção foi enorme e ainda mais quando o ouvi na AR, na comissão de inquérito, dizer que julgava que constava que houve uma pressão inaceitável. Então o presidente da ERC assina de cruz o que lhe põe à frente!
Carlos Magno caiu na minha consideração noventa e nove por cento.
Cumprimentos
Caro Manuel. Não foi minha intenção atacá-lo.
ResponderEliminarDescobri o seu blog procurando informação sobre o Carlos Magno e o caso Relvas e encontrei posts seus com elogios que correspondiam em grande parte ao que eu pensava sobre ele.
Eu também fui ouvinte do Contraditório durante bastante tempo e apreciava os comentários do Carlos Magno e em especial do Luís Delgado que sempre considerei dois excelentes comunicadores (mesmo que nem sempre concordasse com as suas opiniões).
Depois do relatório da ERC a minha opinião sobre o Carlos Magno mudou totalmente. O homem basicamente não tem espinha dorsal. Limitou-se a fazer o que o dono mandou!
Apenas lhe pedi para escrever um post sobre este assunto, porque pela forma clara como o Manuel escreve os seus textos e pela qualidade dos mesmos tenho a certeza que retirará a máscara ao Carlos (se é que ainda a tem para alguém).
Cmpts,
Miguel