Apostila – Foi confrangedor ver Ventura a dizer mal de um governo com Nuno Melo e Paulo Rangel, sobretudo depois de os deputados que o sustentam terem votado Diogo Pacheco de Amorim para vice-presidente da AR. Ingrato!
Carlos Esperança
Umas de maior importância que outras. Outrora assim acontecia. É por isso que gosto de as relatar para os mais novos saberem o que fizeram os seus antepassados. Conseguiram fazer de uma coutada, uma aldeia, depois uma vila e, hoje uma cidade, que em tempos primórdios se chamou Fredemundus. «(Frieden, Paz) (Munde, Protecção).» Mais tarde Freamunde. "Acarinhem-na. Ela vem dos pedregulhos e das lutas tribais, cansada do percurso e dos homens. Ela vem do tempo para vencer o Tempo."
Apostila – Foi confrangedor ver Ventura a dizer mal de um governo com Nuno Melo e Paulo Rangel, sobretudo depois de os deputados que o sustentam terem votado Diogo Pacheco de Amorim para vice-presidente da AR. Ingrato!
Carlos Esperança
(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 29/03/2024)
Não, eu não tenho a menor vontade de acarinhar os votantes do Chega, sejam eles quantos forem. Quem deve ser acarinhado são os outros.
Despachado como pára-quedista para chefiar a lista da AD no Algarve, o vice-presidente do PSD, Miguel Pinto Luz, teve uma derrota tão previsível quanto humilhante, atrás do PS e do Chega. Talvez a pensar já na desforra a curto prazo, não perdeu tempo a namorar os eleitores do Chega, afirmando que eles têm de ser “acarinhados”. Mas, verdade seja dita, o instinto de compreensão e tolerância para com o milhão e cem mil eleitores do partido de André Ventura contagiou todos ou quase todos os que foram chamados a enfrentá-lo nas eleições de 10 de Março, começando logo por Pedro Nuno Santos. Era preciso, explicaram-nos, entender as razões da sua “revolta”, do seu justo desencanto com a política e o estado do país, de igual forma que a mesma compreensão, e até rendição, era necessária para com a revolta do braço armado do Chega — os polícias de camisas negras, a cantar o hino como patriotas de excepção e a ameaçar um motim público, todavia juntando à solidariedade óbvia de Ventura também a do Bloco de Esquerda ou de comentadores como Daniel Oliveira. Até parece que não perceberam o que têm pela frente: não se trata só de combater ideias “racistas e xenófobas”, como repetem preguiçosamente (e, como se viu, sem sucesso), mas de tentar deter uma onda galopante de demagogia desenfreada e populismo de taberna que tornará o país ingovernável e, por arrasto, a democracia indefesa.
Quando oiço os dirigentes políticos da democracia falarem do Chega, percebo até que ponto é restrita a liberdade de pensamento de quem faz da política a sua profissão e da necessidade de ganhar votos a sua sobrevivência. De quem, como Pinto Luz, precisa de namorar todos os eleitores, incluindo aqueles que os desprezam. Eles não podem dizer, nem sequer murmurando, aquilo que salta à vista, que é o inimigo a enfrentar: não André Ventura, que lançou a semente à terra e a rega e aduba inteligentemente, mas sim os que o seguem como a um Messias. Quem já viu desfilar na TV brasileira os inúmeros canais das Igrejas Evangélicas (que já têm também representantes na bancada parlamentar do Chega) não ignora as semelhanças: o problema não são os “sacerdotes” e “bispos” daquelas confrarias de bandidos da fé, mas sim o “rebanho” de descamisados sem causa, de alienados à mercê de aldrabões de feira.
O problema, meus caros senhores, não é André Ventura, o único verdadeiro dirigente da confraria: o problema é mesmo o povo, o povo do Chega.
Divido esse povo em duas categorias: os mal informados e os mal formados. Os mal formados são os tais racistas por doença mental, xenófobos por nacionalismo pacóvio e saudosistas do Estado Novo por conforto pessoal — são a minoria, os “intelectuais” do partido. Os mal informados, a grande maioria, são uma amálgama entre aqueles que, ignorando tudo sobre o estado do mundo, que confundem com as “verdades” que lhes debita o algoritmo das redes sociais a eles destinado, acham que Portugal só não é um país triunfante entre todos porque “eles”, os que nos governam, são corruptos e inimigos do povo; e, por outro lado, aqueles que sempre existiram e que representam o Portugal no seu pior: os maledicentes profissionais de café, os intriguistas, os invejosos, os frustrados, os falhados, os que nunca reconhecem o mérito alheio nem aceitam o mérito como critério na sua actividade — a grande coligação dos medíocres. Esses confundem democracia com prosperidade e preferem sempre o seu bem-estar pessoal à liberdade colectiva e individual. Esses — não todos, mas a maior parte — precisam que apareça alguém a dizer-lhes que o seu mal-estar nunca é culpa própria, mas “deles”, e que lhes explique que a frase de Kennedy deve ser lida ao contrário: “Pergunta o que o teu país pode fazer por ti.” Porque não se informam, ignoram tudo sobre a conjuntura internacional e pensam que só por mau governo e má vontade é que Portugal não é um oásis de prosperidade. Porque não pagam impostos nem se preocupam com a despesa ou a dívida do Estado, acreditam nos milagres económicos, tão evidentes e tão simples, que Ventura lhes propõe como alternativa. Porque não são livres, não se importam de viver na dependência e, porque não são sérios na sua forma de estar, não gostam de ver os imigrantes estrangeiros na “sua” terra, mesmo a fazer os trabalhos que eles não querem fazer e que o tal “sistema” que tanto odeiam os subsidia para não terem de fazer — ao contrário do que os seus pais e avós fizeram outrora, sem desfalecimento, durante a “prosperidade” do salazarismo, naquelas comunidades de emigrantes cujos descendentes agora, vá-se lá saber porquê, também deliram com o Chega, porque estão “revoltados”.
Revoltados? Revolta é uma coisa séria, isto não o é. Sim, há sobejas razões de revolta: uma globalização que ajudou os miseráveis mas desprotegeu os simplesmente fracos ou pobres; um capitalismo que desregulou o mercado, capitulando perante os grandes interesses e corporações; uma cultura woke levada ao extremo da idiotice que agride e afasta multidões de gente simples; uma geração de líderes sem rasgo nem coragem, com medo de dizer as verdades e de fazer opções claras — aliás, muito aterrorizados por um populismo que não sabem ou não querem enfrentar em campo aberto. Mas essa revolta, para ser séria, não pode alimentar-se da ignorância, da demagogia e do triunfo da mediocridade.
Não, eu não tenho a menor vontade de acarinhar os votantes do Chega, sejam eles quantos forem. Quem deve ser acarinhado são os outros: os que votam na democracia, os que acreditam na liberdade como primeiro valor da vida colectiva, os que não querem depender nem esperar por milagres ou embustes prometidos mas abrir caminho por si, pelo seu esforço, o seu trabalho, a sua criatividade, a sua contribuição para a sociedade. Os 80% que não votaram no Chega. Esses é que têm de ser acarinhados, apoiados, empurrados para cima, para que não fiquem apeados por falta de oportunidades, enquanto se gastam atenções e recursos com os inúteis sentados nos cafés a dizer mal do “sistema”, só porque desta vez descobriram as virtudes do sufrágio universal e lá se dignaram levantar o cu da cadeira e ir votar na alternativa do Dr. Ventura.
Não é um combate fácil, mas, sobretudo, tem de ser travado e tem de ser ganho — não dando tréguas na luta das ideias, no desmascaramento das mentiras e na exposição do embuste. E governando bem, governando a pensar no país e não no partido, privilegiando não quem mais exige mas quem mais retribui, não quem mais grita e tem mais palco mas quem mais produz, mais inova e mais arrisca. Acordando no que é essencial em cada momento e discordando no que é diferente, mas, acima de tudo, não tendo medo de contrapor sempre a verdade e os factos contra a demagogia e o facilitismo de dizer ao povo o que o povo quer ouvir e não o que o povo precisa de ouvir.
Cito e subscrevo aquilo que Francisco Mendes da Silva escreveu no “Público” há 15 dias: “O tal povo ‘esquecido’ que vota em Ventura é muito mais ouvido do que se pensa. Determina muito mais do que se julga as prioridades mediáticas do país.” Isto é um facto, e a imprensa também tem muitas responsabilidades no assunto. Esta nossa doentia tendência para dar sempre mais voz e mais importância a quem mais berra ou desfila pelas ruas a cantar o hino tem como contrapartida o esquecimento de todos os outros. E os outros são os 80% que não votaram no Chega ou os 50% que pagam IRS. Só num país desnorteado é que a prioridade são aqueles e não estes. Olhemos para cima e para a frente, não para trás ou para baixo. Deixem que o diga com todas as letras: aquela senhora que eu vi na televisão a dizer que ela, a filha e a neta desta vez tinham decidido ir votar e todas tinham votado no Chega, para “ver se as coisas melhoram”, não me inspira compreensão alguma — apenas desprezo. Vai fazer 50 anos que a senhora só podia votar em eleições de fantochada e aposto que não estava melhor na vida.
Do blogue Estátua de Sal
(Por oxisdaquestão in blog oxisdaquestao, 28/03/2024)
Foi à quarta e foi mesmo: o dia 27.03 foi uma quarta-feira, é o que mostra o calendário para este ano. E mais: neste dia teve início a germinação de um novo híbrido que faltava nos campos da política nacional, que são vastos e insondáveis. A Robbialac também acrescenta uma cor ao seu catálogo de tintas plásticas para interior e exterior: o branco Assis. Aos poucos, surge o desenvolvimento que o 10 de Março acarreta à Nação; para já na produção de repolhos e na pintura das paredes de alvenaria, coisa de construção civil e obras públicas.
Cá está! E, para não se estragarem os frescos e quadros da sala, não houve foguetes por cima das palmas e, por decência, nenhum comentamerdosos disse que foi a ferros; antes todos invocaram o consenso dos sociais-democratas de direita com os idem de não tanto, mais centrais, e reformistas da gaveta fechada.
Verdade que o diretor de pista tinha o espetáculo controlado, até surgir o pormenor do indicador levantado pelo cacique da extrema-direita nacional, filiação e ramo da extrema-direita mundial de Trump, Bolsonaro, Milei, Marine le Pen, Matteo Salvini, Meloni, Abascal, Duterte, Boris Johnson, Natanyahu e do forcado Pedro Pinto (aquele que vai para os cornos do touro e o domina às arrecuas dependurado no focinho). É que a festa não se podia estragar por coisas do hemiciclo quando, cá fora era tudo beijos e abraços, sorrisos e votos de felicidades.
Afinal tudo híbrido como estava na pauta e tinha sido recomendado pelos autores da ópera. Sem ondas. Os arautos do 10 de Março, os publicitários do novo ciclo, o da AD com um Governo à Cavaco já trabalham:
Entretanto, o mundo do fetebol mostra como deve ser. E Ventura vai de prometer venturas; Assis a prometer as; Aguiar promete branco; Costa prometeu voltar as costas; Marcelo promete morcelas; Montenegro promete elevação de terra e o negro depois. Estamos a ver… Se o Santos promete milagres porquê a nossa malta não há-de prometer o que tem, dar o máximo, dar tudo, até o litro e o que for preciso, até rasgar a camisola?
Estaremos a ver?
Do blogue Estátua de Sal
O apagamento da autoria e desempenho de Otelo Saraiva de Carvalho no 25 de Abril, omitindo e revertendo o passado, como tentativa de o eliminar da História, está a atingir proporções inauditas!
O odioso regime stalinista, tem sido fonte de inspiração para os sucessivos governos, instituições e media pós 25 de Novembro, na arte do expurgo e da falsificação da História, apagando a figura de Otelo das ‘’fotografias’’ em que o seu papel foi determinante. Trabalho desenvolvido por figurantes de pé de página, ignorantes e reaccionários, alguns fascistas, têm dado o seu contributo para a mistificação da História portuguesa contemporânea.
Em homenagem ao saudoso padre Max, de 33 anos, e à sua aluna Maria de Lurdes, de 19, não lhes perdoarei.
Carlos Esperança
1. Fez bem o PS em contribuir para desbloquear a comprometedora ameaça de crise institucional criada na AR pela imprudência do PSD, ao confiar ingenuamente no acordo com o Chega para assegurar a eleição do Presidente da AR, acordo que Ventura rompeu sem escrúpulos políticos (e já sem surpresa).
Mesmo que a legislatura não venha a ser cumprida, e o PS não chegue a exercer a sua parte na presidência da AR, fica sempre o óbvio significado político deste episódio: o PSD experimentou mais uma vez os custos do "namoro" sem rede com a direita radical, e o PS reforçou o seu estatuto de partido capaz de, sem deixar de protagonizar a oposição ao Governo, sacrificar os seus interesses políticos imediatos em prol do prestígio das instituições democráticas.
É bom saber que em casos de emergência institucional há "partidos adultos na sala", capazes dos compromissos necessários para os superar.
2. Para além de se inspirar numa prática do Parlamento Europeu em anteriores legislaturas, a repartição temporal da presidência do parlamento pelos dois principais partidos tem a seu favor neste caso a igualdade de deputados entre o PSD e o PS, e esta solução pode vir eventualmente a iniciar uma "convenção constitucional", pelo menos nos casos em que o partido vencedor das eleições, ou tido como tal, não tem uma maioria de deputados no seu campo político para eleger o Presidente da AR, ou não consegue ativá-la, como neste caso.
As regras de uma democracia constitucional não se resumem aos preceitos constitucionais, incluindo também as práticas instituídas que não sejam incompatíveis com aqueles.
Publicado por Vital Moreira