(Tiago Franco, in Facebook, 26/12/2025, Revisão da Estátua)

O discurso de Natal do primeiro-ministro é, por norma, um daqueles momentos em que baixamos o som da televisão e continuamos as conversas em família. É suposto ser uma conversa rápida, cheia de generalidades por parte de quem não passa pelas privações da maioria, floreada com umas palavras de incentivo e finalizada com desejos de boas festas. Ou seja, algo que se esqueça cinco minutos depois e não aborreça vivalma. Lembram-se daquele famoso discurso de natal do Soares em 84? Ou do outro do Cavaco em 90? Então e aquele do Sócrates em 2009? Não se lembram, certo? Pois, é isso mesmo. Cumpriram todos eles o efeito de nota de rodapé entre uma azevia e um prato de arroz doce.
Mas não o do Luís. Não senhor. O nosso Montenegro quis aproveitar aqueles seis minutos para sair um bocado da bolha, encher-se de ar puro, dar algum alento e motivação à plebe, antes de voltar para o prédio de seis andares que deu entrada na câmara de Espinho como remodelação de uma casa rasteira. Disse-nos que vivemos uma altura histórica para dar o salto desejado e manter este crescimento económico pujante. Mas para isso é preciso trabalhar mais, exigir de cada um nós a excelência e a mentalidade de um Ronaldo, que tanto eleva o nome de Portugal.
Nesta parte meti aquilo em pausa e refleti. A que parte da excelência do Ronaldo se estaria ele a referir? Ao atleta de elite, com um profissionalismo nunca antes visto, que tornou Portugal relevante no mundo da bola? Ou ao pai que manda vir filhos pela Amazon, ao milionário que paga para que se arquivem acusações de violação e ao influencer que aceita ser boneco de uma ditadura a troco de uma fortuna incalculável? Tens que escolher, Luís. Visão seletiva só se aplica ao Ministério Público quando investiga a Spinumviva e não funciona para o público em geral, aquela malta que fica de pé no espetáculo.
A meio da conversa sobre crescimento económico ainda dei por mim a pensar que só faltava ele falar na Economist. E não é que, aquele saloio, foi lá mesmo? Um ranking feito com indicadores que só interessam a quem já tem dinheiro e procura um país barato para viver é, de repente, transformado num caso de sucesso para uma população que está cada vez mais pobre, mesmo trabalhando. A nossa classe média é aquilo a que a Europa civilizada chama de pobres.
Ainda assim, como tínhamos que levar com aquela merda (de texto) na noite de Natal, o gajo que o escreveu ainda pensou que não tinha encaixado propaganda suficiente e lá deixou escorregar o “nada cai do céu“.
Depois entrou no elevador da casa do Luís, foi lá ao sexto andar e, enquanto o Luís bebericava uma reserva junto à lareira, leu a obra a plenos pulmões. No fim, já com a voz embargada e a bandeira no cenário da epopeia, fechou o papel e acolheu as palmas de Montenegro, que correu a ensaiar a cara de Estado para o discurso.
E dessa maneira, um senhor que recebia avenças numa empresa familiar a troco dos seus contactos, que é dono de 55 imóveis e a quem o Ministério Público fez o favor de fechar os olhos à Spinumviva, apareceu na vossa televisão a pedir-vos que trabalhem mais, que sejam Ronaldos e que percebam, de uma vez por todas, que nada cai do céu nesta vida. E não cai mesmo. Há que ter, pelo menos, um cartão do PSD.
Do blogue Estátua de Sal
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