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domingo, 14 de setembro de 2025

O Ricochete da Incompetência:


Cem dias de governo de Luís Montenegro bastaram para confirmar o que muitos já suspeitavam: as direitas portuguesas não têm ponta por onde se lhes pegue. Os principais problemas que os governos de António Costa não tinham conseguido resolver – na saúde, na habitação, na educação – não só se mantêm como estão visivelmente piores. E se a competência dos ministros socialistas nunca esteve verdadeiramente em causa, a indigência atroz dos atuais titulares das pastas é de tal ordem que faz ter saudades até dos tempos mais conturbados da anterior governação.

Esta realidade expõe a natureza profundamente cínica da operação que levou à queda do governo socialista. Ano e meio depois da conjura judicial com origem na Procuradoria-Geral da República – apoiada por Marcelo e por uma imprensa abocanhada pelo grande capital –, os autores da façanha começam a deparar-se com o ricochete da sua estratégia golpista. Porque uma coisa é derrubar um governo, outra muito diferente é ter algo para pôr no seu lugar.

À semelhança do que Carlos Moedas faz em Lisboa, Montenegro tenta iludir os incautos com paliativos enganadores, como os recentes benefícios atribuídos aos reformados. São migalhas lançadas na expectativa de aguentar mais uns tempos nos cargos e beneficiar a sua base social de apoio, particularmente através de uma legislação laboral a contento dos patrões. Mas esta estratégia pode trazer-lhes grandes dissabores se os sindicatos da CGTP e da UGT se unirem num grande movimento grevista com potencial para pôr a andar a ministra do Trabalho.

O problema das direitas portuguesas é estrutural: não têm visão de futuro para o país, enredam-se nas suas próprias intrigas e não transmitem a mínima confiança a quem anseia por um país mais próspero e justo. Limitam-se a gerir o dia-a-dia com expedientes e a distribuir benesses pelos seus apoiantes, enquanto os problemas reais se agravam.

Esta incompetência não é casual – é o resultado lógico de uma mentalidade que vê a política como oportunidade de negócio e não como serviço público. Quando se chega ao poder através de expedientes judiciais e mediáticos em vez de propostas consistentes, o resultado só pode ser a mediocridade que agora se exibe sem pudor.

Enquanto em Portugal assistimos a este espetáculo deprimente, outros países mostram que é possível manter os princípios democráticos mesmo em tempos difíceis. O Supremo Tribunal brasileiro acabou de condenar Bolsonaro a justa pena de prisão, numa demonstração de que a legalidade democrática pode sobrepor-se aos intentos fascistas. Quatro juízes íntegros – alguns deles até com passado vinculado à direita – não deixaram de ser fiéis à Constituição e decidiram de acordo com o que ela impõe.

Que contraste com os nossos juízes e procuradores golpistas, que nem sequer dão mostras de ter argumentos suficientes para dar substância a tudo de quanto acusaram José Sócrates. Enquanto a justiça brasileira se distingue pela coragem e pela coerência constitucional, a portuguesa distingue-se pela subserviência aos poderosos e pela incapacidade de fundamentar as suas decisões mais mediáticas.

Este contraste revela algo fundamental: a qualidade das instituições democráticas não depende apenas das leis, mas sobretudo da integridade de quem as serve. No Brasil, juízes conservadores puseram a Constituição acima das suas preferências ideológicas. Em Portugal, magistrados supostamente impolutos puseram os seus cálculos políticos acima do rigor jurídico.

Nos Estados Unidos, a situação é ainda mais preocupante. A morte recente de um trumpista ultraconservador no Estado do Utah é apenas mais um episódio na escalada de violência que Trump polarizou de tal forma que tende a multiplicar o sangue derramado – tanto dos que se lhe opõem como dos que o apoiam.

Ao contrário do que aconteceu no Brasil, onde as instituições resistiram aos ataques antidemocráticos, Trump conseguiu capturar parte significativa do sistema judicial e político americano. A sua deriva autocrática não encontra os travões institucionais que funcionaram em Brasília, e o resultado é uma sociedade em polvorosa com um "xerife" que se julga nos tempos do Faroeste.

Esta comparação internacional é esclarecedora: mostra como a qualidade da democracia depende da firmeza das suas instituições e da integridade de quem as dirige. No Brasil, as instituições resistiram; nos Estados Unidos, foram capturadas; em Portugal, foram instrumentalizadas.

Há um fio condutor que liga estas três realidades: a crise das instituições democráticas quando são postas ao serviço de interesses particulares em vez do bem comum. Em Portugal, a justiça foi instrumentalizada para derrubar um governo; nos Estados Unidos, foi capturada para proteger um autocrata; no Brasil, resistiu a ambas as tentações.

O resultado está à vista: onde as instituições foram corrompidas, a governação tornou-se incompetente e a violência política aumentou. Onde resistiram, a democracia saiu fortalecida. A lição é clara: as instituições democráticas ou servem todos os cidadãos ou acabam por não servir ninguém.

Montenegro e os seus ministros são a prova viva desta verdade. Chegaram ao poder através de expedientes antidemocráticos e mostram todos os dias que não têm capacidade para o exercer. Como diz o ditado, quem vai à guerra dá e leva. E quem mina a democracia para chegar ao poder acaba por descobrir que não sabe o que fazer com ele. 

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