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sábado, 26 de julho de 2025

A intenção de nos fazer voltar ao tempo das ceroulas;

 

Eu ainda sou do tempo em que Wilhelm Reich era um dos nossos gurus e a Revolução Sexual um objetivo político e cultural, que parecia incontornável no final do século XX. O problema foi terem-se vindo a instalar demónios, que nada têm a ver com o nu como ideal de beleza e o sexo como aquilo que Manuel Fonseca lembraria num poema como sendo aquilo que de mais belo alguém pode partilhar na vida. A proliferação da pornografia, a pedofilia, as violências sexuais não consentidas vieram manchar o que tenderia a ser uma evolução, que já se sugeria na Antiguidade, mas as religiões quiseram proibir de forma mais ou menos ostensiva nos séculos desde então decorridos. Hoje, como o demonstra a prevista eliminação da sexualidade dos currículos escolares, há quem queira voltar ao tempo, também traduzido em versos por Ary dos Santos, em que o sexo era praticado por viris procriadores vestidos de ceroulas. Razão para voltarmos a defender o papel do Nu e do Sexo como pilares de uma afirmação progressista da evolução humana.

É precisamente neste cenário de aparente retrocesso que se inserem as polémicas atuais no mundo das artes internacionais sobre o uso do nu. O que outrora era celebrado como o pináculo da forma humana e da expressão artística – pensemos na perfeição do Davi de Michelangelo ou na paixão esculpida em O Beijo de Rodin – é hoje alvo de censura em contextos tão banais como salas de aula ou plataformas digitais. A arte, que deveria ser um espaço de liberdade e reflexão, vê-se enredada numa batalha contra um puritanismo crescente, que parece ignorar séculos de história da arte e o valor intrínseco da representação do corpo.

Não se trata apenas de esculturas. Fotografias, pinturas e até performances artísticas que exploram a nudez, não como vulgaridade, mas como verdade, vulnerabilidade e beleza, são sistematicamente atacadas. Assiste-se a uma estranha inversão: enquanto a pornografia, muitas vezes violenta e desumanizante, prolifera em espaços digitais pouco regulados, a arte que humaniza o corpo é banida. Este paradoxo revela uma profunda confusão moral e uma perigosa deturpação do que é o nu artístico. O problema não é o corpo na sua essência, mas a incapacidade de discernir entre a celebração da forma e a sua exploração mercantilizada ou violenta.

A tentativa de eliminar ou restringir a sexualidade nos currículos escolares não é um ato isolado; é parte integrante desta mesma batalha. Ao negar aos jovens uma educação abrangente e descomplexada sobre a sexualidade – que naturalmente inclui a sua representação artística e histórica –, estamos a privá-los das ferramentas essenciais para a distinção crítica. Como poderão eles diferenciar a beleza da anatomia humana de representações objetificadoras, ou o consentimento da coerção, se o assunto é silenciado e relegado ao tabu?

Defender o papel do nu na arte e de uma sexualidade livre de preconceitos não é promover a libertinagem. Pelo contrário, é reafirmar o humanismo. É advogar por um conhecimento que permite aos indivíduos compreender e respeitar o seu próprio corpo e o dos outros, celebrar o afeto e o prazer de forma saudável e consensual, e reconhecer as perversões não como parte da sexualidade inerente, mas como desvios que devem ser combatidos com educação e justiça, e não com censura e ignorância.

O receio da nudez e da sexualidade expressa-se, paradoxalmente, no medo de ver e de saber. Voltar aos "viris procriadores vestidos de ceroulas" é voltar a um tempo de escuridão moral, onde o corpo era uma fonte de vergonha e o prazer um pecado. A arte, através do nu, e uma educação sexual livre, através do conhecimento, são os faróis que nos guiam para longe dessa regressão. Elas são a linha de frente de uma luta que visa resgatar a integridade da experiência humana e a liberdade individual, permitindo que a sexualidade seja vivida na sua plenitude, como algo belo, consensual e fundamental para a nossa evolução, tal como a história e os poetas já nos ensinaram. 

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