A certa altura a bola vai parar ao pé de um dos grupos. O rufia-mor desse bando diz aos miúdos para não voltarem a aproximar-se, ou fica-lhes com a bola e dá-lhes uma sova. Os miúdos afastam-se assustados.
Vem o rufia-mor do outro bando e incentiva-os a atirar a bola outra vez para o outro lado. Os miúdos dizem: "é melhor não, que eles batem-nos". Mas este rufia insiste: "não te preocupes, nós vamos lá defender-vos".
Alguns miúdos continuam receosos, outros mais afoitos atiram a bola outra vez para lá, para ver o que acontece. O primeiro rufia-mor e seus capangas ficam com a bola e avançam ao soco e ao pontapé sobre os miúdos, que se defendem como podem. O outro rufia-mor não faz mais do que dar umas pedras aos miúdos apavorados, incentivando-os a acertar nos outros capangas que são mais e maiores, e a quem não faltam pedras e bastões.
Um grupo de 27 amigos civilizados, que bebiam o seu drink de fim de tarde numa esplanada ali perto, assisitiu a tudo desde o início. Sabia que aquele parque era um local violento. Sabia que os dois bandos disputavam entre si o domínio pelo espaço e pelos negócios que lá se faziam. Ouviu as ameaças do primeiro rufia-mor aos miúdos e o incentivo à provocação do segundo. Mas fingiu que não via, até ao momento em que os miúdos começaram a levar porrada a sério.
Nessa altura, os amigos da esplanada mostraram-se muito chocados e começaram a comprar pedras ao segundo bando de rufias para oferecer aos miúdos para atirararem ao primeiro bando de rufias, enquanto continuavam a levar porrada.
No final, os dois rufias-mor decidiram juntar-se e roubar os miúdos já estropiados, não só a bola, mas os telemóveis, a roupa de marca e os trocos que tinham no bolso. E gritaram ao grupo de amigos civilizados, que continuaram o tempo todo na esplanada: "agora venham cá vocês cuidar dos fedelhos".
(Ricardo Paes Mamede, no Facebook)
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