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domingo, 1 de setembro de 2024

Montenegro, as tragédias e as águas turvas:

Definitivamente, como costumam dizer os peritos nesta área, são “lições aprendidas" para Montenegro. Pelo menos deve saber ter humildade para aprender, porque só assim é possível alcançar o conhecimento.

Fazer-se fotografar de lancha em pleno cenário de uma tragédia foi o momento mais infeliz até agora de Luís Montenegro enquanto primeiro-ministro.

A justificação que deu, segundo a qual pretendeu “verificar a magnitude da situação e estar pessoalmente com os mergulhadores”, que nessa altura ainda estavam ocupados numa complexa missão de busca de militares da GNR que perderam a vida, mostra bons pensamentos (embora tirar fotografias e depois fazê-las chegar aos órgãos de comunicação social, pode levar a pensar em intenções menos nobres), mas revela inexperiência política a lidar com situações de elevada complexidade operacional, envolvendo várias forças de segurança e de proteção civil.

Também parece demonstrar que Montenegro está sozinho no que diz respeito a bons conselheiros nesta área. A própria tutela, ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, secretário de Estado da Administração Interna, Telmo Correia, e o secretário de Estado da Proteção Civil, Paulo Simões Ribeiro, esteve em peso no local.

Se houvesse alguém informado, com memória, teria de ter lembrado a estas altas figuras do Estado que a sua presença era totalmente dispensável enquanto a operação estivesse em curso.

Foi essa uma das conclusões da Comissão Técnica Independente que analisou a resposta aos incêndios de 2017. “A presença continuada de altas autoridades, que aguardam pelas suas explicações (…) perturba drasticamente as funções de comando e a capacidade de reflexão e de frieza que se tem de ter para tomar, em momentos sucessivos, as decisões mais adequadas”, está escrito no relatório final.

Não foi por acaso que Marcelo Rebelo de Sousa foi discreto. Por estar numa visita próxima, limitou-se a passar brevemente pelo Posto de Comando, não se fazendo fotografar nem com familiares desgostosos.

Não foi por acaso também que o presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) enviou para o terreno o seu Comandante Nacional, um operacional útil naquele cenário. Duarte da Costa, que chegou à ANEPC precisamente no rescaldo dos fogos de 2017, leu, certamente, o relatório da CPI de uma ponta à outra.

Definitivamente, como se costumam dizer os peritos nesta área, são “lições aprendidas" para Montenegro. Pelo menos deve saber ter humildade para aprender, porque só assim é possível alcançar o conhecimento.

Preocupante também que a inexperiência aqui demonstrada atinja igualmente áreas de soberania que estão sob a sua direta tutela. Temos neste momento o Sistema de Segurança Interna (SSI) “a banhos”, com um secretário-geral provisório (o ex-chefe de gabinete do anterior titular) porque Luís Montenegro não escolheu em cinco meses de governo um sucessor para o embaixador Paulo Vizeu Pinheiro, mesmo depois de este ter sido obrigado a prolongar o seu mandato mais um mês, até ao passado dia 22 de agosto, atrasando a ida para o novo posto na NATO que devia ter assumido a 15 de julho.

Temos no Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), uma secretária-geral, a embaixadora Graça Mira Gomes, a quem Montenegro, ainda enquanto líder do maior partido da oposição, retirou a confiança e exigiu a demissão, na sequência da intervenção do Serviço de Informações de Segurança (SIS) na recuperação do computador que o ex-adjunto do ministro João Galamba tinha ilicitamente levado do gabinete.

Em nenhum dos casos foram dadas explicações válidas para o vazio. Em relação ao SSI, organismo que, por exemplo, no caso das buscas no Douro que envolveram várias entidades, teria um importante papel de coordenação e articulação, o silêncio só faz aumentar as especulações sobre que será o senhor ou a senhora que se segue. Sem que tenha havido uma palavra sobre o perfil que o primeiro-ministro procura.

No que concerne ao SIRP, veio a explicação de que Mira Gomes se iria “reformar” em 2025 e que se manteria até esse momento. Ora, a reforma não é critério para manter um dirigente num cargo determinante e de absoluta confiança do primeiro-ministro, que abarca funções de controlo e de inspeção dos próprios serviços de informaçõe, com responsabilidade na sua eficiência e na garantia de que cumprem os limites legais.

São cargos demasiados importantes para que as escolhas não sejam totalmente transparentes nas justificações. 

Noutro plano, apesar de não estar na tutela do primeiro-ministro é também por ele nomeado, está o diretor nacional da Polícia Judiciária. Luís Neves, terminou a sua comissão de serviço em junho e está em gestão, diminuído nos seus poderes. O Expresso chegou a noticiar em julho que seria reconduzido, mas de S. Bento limitou-se a dizer que a decisão não estava tomada ainda, sem nenhuma explicação pública para o impasse.

Enquanto SSI e SIRP são estruturas de coordenação, a PJ é um um corpo superior de polícia hierarquizado. Se o governo aparenta desinteresse e não mostra confiança no seu mais alto dirigente, o que dirão todos os que ali trabalham?

Se é notória a falta de transparência nestes três processos, como será com a escolha do novo procurador-geral da República em outubro?

Dá a impressão que Montenegro tem alguma dificuldade em lidar com estas áreas de soberania. Onde águas turvas podem ser muito perigosas.

Valentina Marcelino

Diário de Notícias
Não foi por acaso que Marcelo Rebelo de Sousa foi discreto. Por estar numa visita próxima, limitou-se a passar brevemente pelo Posto de Comando, não se fazendo fotografar nem com familiares desgostosos.

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