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sábado, 31 de agosto de 2024

NÃO É CURRÍCULO, É CADASTRO. NÃO É ESCOLHA, É PROVOCAÇÃO:

 Maria Luís Albuquerque chegou ao Governo sem grande currículo político ou técnico, para além da passagem pelo IGCP. Tinha sido professora de Passos Coelho e isso chegou para ter lugar no Executivo e, depois, substituir Vítor Gaspar. O percurso de Albuquerque é uma sucessão de desastres ruinosos para o Estado e para a ética. Ainda antes de chegar ao Governo, foi responsável por contratos swaps na Refer e depois, enquanto governante, por uma péssima gestão da litigância com o Santander, que veio a custar muitos milhões de euros às empresas públicas transportadoras e várias demissões. Apesar da polémica, Passos queria uma amiga fiel que não se esquivasse da absurda vontade de ir mais longe do que a troika. Paulo Portas, que defendia uma postura menos colaboracionista com a troika, ameaçou, de forma “irrevogável”, abandonar o barco por causa desta promoção. Hoje, o defunto CDS acha que é excelente escolha para comissária europeia.

Como ministra, foi responsável pela venda do BPN por €40 milhões (deixando para o Estado o grosso da fatura) e pela gestão ruinosa do dossiê do Banif, onde injetou milhões sem resolver qualquer problema. Foi Albuquerque quem comprou o experimentalismo de Bruxelas (que fez de Portugal cobaia de uma fórmula falhada) na resolução do BES e que vendeu a falsa ideia de que sairia de borla. Disse que, “aconteça o que acontecer ao Novo Banco, o Estado não vai ser chamado a pagar eventuais prejuízos”. Tudo decidido num e-mail enviado aos ministros no meio das férias. Foi também a responsável financeira pela venda da ANA à Vinci, de que seremos reféns por meio século e que o Tribunal de Contas viria a destruir em termos pouco habituais. Em quase todos os dossiês manteve uma relação problemática com a verdade. No fim do mandato, foi autora de um simulador de reembolso da sobretaxa de IRS que chegava aos 35% e acabou por ser de 0%, num descarado populismo eleitoral. Saída do Governo, foi trabalhar para o Arrow Global, um fundo que comprava ativos desvalorizados, como crédito malparado ou dívida pública, para posterior reestruturação e venda. Comprou créditos ao Banif quando Albuquerque era ministra e o Estado acionista. Esta entrada na porta giratória entre a política e a banca levou a uma alteração da lei.
O mínimo que se poderia dizer de Maria Luís Albuquerque é que representa o apoio entusiasta a uma receita errada para uma crise financeira que atingiu a Europa. Receita que provavelmente voltaria a defender se, como comissária, viesse a ter de enfrentar situação semelhante. Mas, nisto, não se distingue de quem a escolheu, o antigo líder parlamentar que deu a cara pela vontade de ir além da troika. O problema de Albuquerque não é representar o fanatismo do passismo, é ser a sua versão mais degradada. Poderíamos criticar as opções de Vítor Gaspar, mas ninguém levantou questões éticas ou de impreparação. A escolha de Albuquerque é uma chapada na memória, na exigência e na ética. Isto é passado? Se o passado político, técnico e ético não conta, conta o quê?
O problema de Maria Luís Albuquerque é não ter dimensão técnica, política e ética para qualquer cargo de responsabilidade, muito menos na Europa. É ter cadastro político no lugar de um currículo. Uma lista considerável de falhas técnicas, erros políticos e violações da ética republicana. Vindos de uma comissária como Elisa Ferreira, o seu nome é um insulto ao projeto europeu, sobre o qual, aliás, não se conhece rigorosamente nada do seu pensamento. Do que pensa sobre o mundo sabe-se que se dispôs a apresentar o livro do deputado do Chega Gabriel Mithá Ribeiro dedicado a Bolsonaro e a Trump. Não é por acaso que Ventura elogiou a escolha.
A escolha de Albuquerque não permite que o PS acompanhe o que o PSD fez com António Costa. Até porque, ao contrário do que é habitual, o líder socialista nem sequer foi consultado, mas apenas informado um minuto antes de o nome ser público, na estranha ideia de diálogo a que Montenegro nos começa a habituar. Se os socialistas apoiarem a escolha desta comissária, não estarão a apoiar o país. Estarão, em nome de um falso patriotismo, a colocar uma incompetente num lugar de responsabilidade. Alguém avise a Comissão do que lhe está a ser servido, garantindo que não lhe entregam uma pasta importante. Havia nomes como Poiares Maduro, militante destacado do PSD, apoiante de Montenegro e com conhecimento e pensamento sobre os assuntos europeus. Não faltam mulheres competentes no PSD. Para além de revelar a pequenez tribal de Montenegro, esta escolha é uma provocação política. Mais uma para tornar os entendimentos mais difíceis de engolir pelo PS.
(Daniel Oliveira, no "Expresso")

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