Fui ouvir a entrevista que o procurador deu à SIC Notícias em defesa do Ministério Público. Confrangedora, digo-vos. Imaginam uma pessoa a justificar o injustificável? É ele. Várias passagens bradam aos céus (como a que refere o facto de António Costa não ser suspeito, ponto, ignorando tudo o resto que aconteceu justamente por causa da suspeita) e várias outras apontar-lhe-iam o inferno directamente e já, tal a indiferença com que trata a vida das pessoas. Por volta do minuto 11 reconhece que as provas com que o MP avança para a acusação podem nalguns casos ser frágeis e facilmente desfeitas pelas defesas ou pelas instâncias superiores, mas pronto, é o que é. É a Justiça a funcionar e há que voltar atrás e “repensar”, ou seja, continuar a vasculhar, devassar e escutar até a prova ser sólida (!). O facto de o mal estar feito, e por vezes irremediavelmente, e nunca chegar a haver fundamento para a acusação é coisa que não o preocupa um segundo. Mesmo que o suspense dure anos.
Este senhor entende que o Ministério Público pode e deve, por exemplo, andar a acompanhar e a vigiar as démarches de um governo para a concretização de investimentos só porque sim. Há negócio, há um governo, há marosca. Escute-se, pois. E se as pessoas são honestas, se apenas se deparam com obstáculos que exigem o estudo de soluções legais ou alterações legítimas de legislação face a interesse público maior? Não interessa. Discutem as leis, são suspeitos. Se forem dentro, vão, que é para aprenderem a não ganharem eleições (o PS, claro) ou a não quererem investir em Portugal. Nada disto foi dito na entrevista, mas pode facilmente deduzir-se. E se o governo durar quatro anos e os processos de investimento também, então escuta-se quatro anos, só interrompendo quando os protagonistas fizerem pausa ou forem de férias. Isto sim, foi dito. Neste particular, ainda tem a distinta lata de desculpar-se com o facto de as escutas não serem contínuas, porque às vezes os processos estão parados… Ufa, que alívio!
E quanto às escutas da vida privada e de tudo o que não tem a ver com os processos, mas que vem por arrasto? Ah e tal, diz ele, a lei prevê que se expurguem do processo. Só que, entretanto, já alguém andou a escutar a vida íntima e privada de outros e ficou a saber de assuntos que de todo não lhe dizem respeito e a dispor da possibilidade de usar esses dados como e quando bem entende. Isto importa ao procurador? Nada. Absolutamente nada. Rosário Teixeira diz isto com tamanho à-vontade que a nós só nos resta desejar que alguém faça alguma coisa e depressa para pôr fim a este estado de coisas.
Quanto aos megaprocessos, a justificação é que são complexos porque a realidade é complexa e os procuradores não podem focar-se numa árvore para deixarem de ver a floresta. Problema (não equacionado na entrevista, que até foi bem conduzida): e se a floresta for uma invenção deles? E se 15 anos de conjecturas arruinarem a vida de um cidadão? Não interessa. Há que aceitar (isto foi dito).
Em suma, Rosário Teixeira acha que está tudo bem na instituição onde trabalha. Se achasse que alguma coisa estava mal, tinha a oportunidade de o dizer. Para ele, está tudo tão bem que até o próximo procurador deve vir de dentro do Ministério Público. Não sei quem tem em mente (já que ele próprio se exclui), mas a ideia deve ser que estas boas práticas não se percam. Possivelmente treme só de pensar que as ilegalidades e os abusos podem acabar.
“Pôr ordem na casa” parece-me uma expressão demasiado branda para definir o que é preciso fazer com o Ministério Público.
5 JULHO 2024 ÀS 10:41 POR PENÉLOPE
Do blogue Aspirina B
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