O falecimento de Joana Marques Vidal é uma dupla perda. Primeiro, para a família e amigos, atingidos por uma morte prematura. Depois, para o País.
A ser verdade o que se escreve no comunicado da Presidência a seu respeito — “Granjeou o respeito e o apoio de pares, subordinados e da sociedade em geral, nunca deixando de se dedicar a uma pedagogia democrática, com destaque para a participação cívica e a defesa dos direitos fundamentais” — isso explica como chegámos ao ponto de ter em 2024 uma procuradora-geral da República que defende as práticas criminosas que os procuradores criminosos se acham capazes de levar a cabo impunemente. Porquê? Porque Joana Marques Vidal fez o mesmo, com a mesma desfaçatez e impiedade.
Com a ex-PGR, iniciou-se, desenvolveu-se e consumou-se um processo que desprezou a defesa dos direitos fundamentais dos alvos por exclusiva motivação política dos caçadores. Tal, de facto, levou a que tivesse recolhido não só o respeito e o apoio como o aplauso extasiado, ditirâmbico, “de pares, subordinados e da sociedade em geral”. Porque se tratava de Sócrates, o qual tinha em cima anos e anos de campanhas de assassinato de carácter e suspeições, a que ele resolveu acrescentar matéria de facto que justificava a abertura de investigações. Mas o essencial não mudava quanto aos princípios do Estado de direito democrático: a justiça não se faz na rua, com a turbamulta a linchar quem os algozes marcam para abate. Ora, foi isso que aconteceu, e continua a acontecer, de uma forma transversal à sociedade. Mesmo pessoas que merecem a mais alta consideração, por defenderem a liberdade e a democracia, são useiras e vezeiras, em posições de influência mediática, a continuarem o julgamento de tasca ao não se inibirem de publicitar a sua fezada culpabilizadora. Provavelmente, será antropologicamente impossível esperar excepções a essa pulsão colectiva para a ostracização de quem aparenta ter cometido falhas moralmente graves. Mas, sem a plena realização dos actos da defesa do suspeito, será que se pode saber se realmente fez o que se diz, e acha, que fez? E se a verdade for a de que fez alguma coisa ilícita, como fraude fiscal, mas que ela é quase irrisória face às calúnias que se espalharam a partir da própria Justiça?
Com o desaparecimento de Joana Marques Vidal antes da conclusão da Operação Marquês ficamos privados de uma das principais protagonistas desse processo judicial histórico, o mais importante para a comunidade que somos desde o 25 de Abril. Não que se esperasse qualquer arrependimento na senhora, mas teria sempre valor para o conhecimento profundo dos poderes fácticos que nos regem pesar as suas palavras face ao que se vier finalmente a apurar.
10 JULHO 2024 ÀS 18:12 POR VALUPI
Do blogue Aspirina B
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