As eleições europeias, em especial em França e na Alemanha, provaram aquilo que venho defendendo desde 2014. A doença europeia, que se tornou visível na crise do euro, não terminou nem é conjuntural. É uma crise estrutural de identidade, cada vez mais existencial. Agora, que estes dois países, a chamada “locomotiva europeia”, estão paralisados na linha de um destino incerto, importa parar para pensar. Comecemos, hoje, pela Alemanha.
Umas de maior importância que outras. Outrora assim acontecia. É por isso que gosto de as relatar para os mais novos saberem o que fizeram os seus antepassados. Conseguiram fazer de uma coutada, uma aldeia, depois uma vila e, hoje uma cidade, que em tempos primórdios se chamou Fredemundus. «(Frieden, Paz) (Munde, Protecção).» Mais tarde Freamunde. "Acarinhem-na. Ela vem dos pedregulhos e das lutas tribais, cansada do percurso e dos homens. Ela vem do tempo para vencer o Tempo."
Rádio Freamunde
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segunda-feira, 24 de junho de 2024
O novo outono alemão:
A participação maciça dos alemães nas eleições para o Parlamento Europeu (64,78%, que compara com a escassa participação portuguesa de 36, 54%) permite uma leitura inequivocamente nacional dos seus resultados. Tendo em conta que, nas eleições federais, só os partidos com mais de 5% de votos têm representação no Bundestag, apenas seis forças partidárias estão hoje em condições de formar grupos parlamentares federais. Por um lado, os três partidos da atual coligação: sociais-democratas/SPD, Verdes/Grünen e Liberais/FDP. Por outro, três formações da oposição: os democratas-cristãos da CDU/CSU; a extrema-direita da AfD, e um novel partido que tem na sigla as iniciais do nome da corajosa deputada que o criou, Sahra Wagenknecht, BSW. Os partidos da coligação governamental perderam no total 11 deputados ao PE (sendo 9 dos Verdes!), em relação às eleições de 2019. Na oposição: a CDU/CSU manteve os seus 29 deputados; a AfD juntou mais 6 deputados aos 9 de que já dispunha em 2019; a nova BSW conquistou 6 lugares. Isto significa que, no PE, o governo alemão está em clara minoria, com 31 deputados (SPD, 14; Verdes, 12; FDP, 5) contra 40 deputados dos partidos da oposição (CDU/CSU, 29; AfD, 15; BSW, 6).
O atual governo de Berlim não tem comparação com nenhum outro, mesmo incluindo o período da República de Weimar (1918-1933), na vocação para acumular desastres e, voluntariamente, sofrer desaforos. Na primeira vez que visitei a Alemanha, no verão de 1983, encontrei uma nação determinada na luta contra o perigo de guerra nuclear. Nessa altura, o risco de confronto na Europa central havia escalado devido à tensão crescente entre a OTAN e o Pacto de Varsóvia (PV). No SPD, a voz de Oskar Lafontaine, reclamava a saída da Alemanha da OTAN. Os Verdes, que em março desse ano tinham entrado pela primeira vez no Bundestag, uniam a luta pela paz à defesa da ecologia e da justiça social. Hoje, os Verdes tornaram-se belicistas por excelência. A sua reação à guerra da Ucrânia revelou uma total impreparação para identificar tanto o interesse nacional como o europeu, revelando, ainda, desprezo pelo desastre ambiental e social da guerra e suas consequências. Annalena Baerbock (M. Negócios Estrangeiros) e Robert Habeck (M. Economia e Clima) têm sido os rostos desta perda de alma de um partido, que é também metonímia da desfiguração de uma nação. A sua russofobia e total ignorância das questões militares não conhece limites. Até o apoio incondicional ao genocídio do IDF em Gaza não falta no desastre dos Verdes alemães.
Desconhecemos quando baterá a Alemanha no fundo, o que sabemos é que o resto da UE acompanhará a sua queda. Em 1919, aquando do Tratado de Versalhes, Max Weber advertia: “uma nação pode perdoar o dano causado aos seus interesses, mas não o dano causado à sua honra”. O desinteresse cúmplice do governo de Berlim pela ação terrorista que em setembro de 2022 destruiu 3 dos 4 pipelines do sistema Nord Stream I e II, metade pago com dinheiro alemão e europeu, ficará nos anais da indignidade política.
Professor universitário
Tópicos: Viriato Soromenho-Marques, Opinião
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