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segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Plúvio e o haxixe:


A ilusão de verdade é um mecanismo cognitivo descrito cientificamente por psicólogos desde 1977De lá para cá, o fenómeno não desapareceu nem diminuiu de incidência, aumentou foi a sua literatura e alargou-se o campo experimental, teórico e prático da investigação. Consiste em algo que achamos básico, à disposição do senso comum, assim que tropeçamos na sua descrição: o que nos é familiar parece-nos mais verdadeiro.

Por exemplo, imaginemo-nos a viver numa sociedade onde ouvimos dizer em casa, na escola, no emprego, na rua, que mulheres, etiópicos (ou caucasianos, ou mongólicos), ciganos, homossexuais e judeus (ou muçulmanos, ou cristãos, ou…) são seres inferiores, por isto e por aquilo. E que podem ser ameaçadores, para isto e para aquilo. E que precisamos de fazer qualquer coisa para lidar com a ameaça, diminuir o perigo e garantir a nossa segurança. O que Lynn Hasher, David Goldstein e Thomas Toppino descobriram há 42 anos foi que a frequência com que encontramos certas ideias verbalizadas por terceiros leva-nos – apenas por surgirem mais vezes na cognição – a atribuir-lhes maior verosimilhança. O processo é automático, independente da nossa volição. Parece-nos mais verdadeiro aquilo que conhecemos melhor, e parece-nos que conhecemos melhor o que se repete no nosso mundo social. Espantoso? Ao contrário, perfeitamente lógico numa lógica de sobrevivência para animais sociais. Perfeitamente adequado à vida tribal.

O processo é o mesmo seja qual for o conteúdo da mensagem. As temáticas podem ser inócuas e banais. Como isso de acharmos que conhecemos razoavelmente os vizinhos no prédio, e que só por isso, pela frequência com que nos cruzamos e trocamos palavras de circunstância, eles nos merecem alguma confiança. Exactamente pelo mesmo processo, calhando começarmos a ouvir relatos de que um certo vizinho não é boa rês, que fez ou faz umas coisas terríveis, ou que anda metido com gente do pior, tenderemos a acreditar nos boatos numa relação directa com a quantidade e extensão das ocasiões em que a narrativa se reproduza. Rapidamente, será impossível voltar a olhar para esse vizinho sem a crença de que ele, nalgum grau ou modo, corresponde à imagem espalhada a seu respeito.

Mas não precisa de ser um vizinho, pode ser um colega de escola ou trabalho. Ou uma figura pública. Ou um ex-primeiro-ministro. Imaginemos que um certo político, temido pelo seu carisma e resultados eleitorais, arrastava um histórico de suspeições criminais desde que tinha chegado à liderança de um Governo, suspeições lançadas pelos seus adversários políticos e que se esgotaram na calúnia por nunca ter aparecido sequer indícios, quanto mais provas de ilícitos para oficializar as suspeitas. E que após abandonar a ribalta política partidária se via alvo de uma investigação judicial onde, finalmente, ficava como arguido, preso e acusado de crimes de corrupção que atingiam em cheio as suas decisões executivas como primeiro-ministro e os Governos respectivos como um todo. Não é preciso ter mais de dois neurónios para perceber que o caso irá ser inevitavelmente politizado por todas as razões e mais algumas. Acrescentemos um procurador e um juiz justiceiros, um Presidente da República e um Governo rancorosos e vingativos, uma Procuradora-Geral da República comissária política e uma comunicação social quase totalitária disposta a violar os códigos deontológicos da imprensa e a cometer crimes na ânsia de fazer o linchamento da figura delirantemente odiada até ao desfecho judicial do caso – resolução do mesmo a anos de distância e sendo o auto-de-fé continuamente alimentando pelas violações do segredo de justiça, pela deturpação na apresentação e interpretação dos materiais e dos registos obtidos pelo Ministério Público na investigação, e pelas declarações dos inúmeros protagonistas e comentadores. Neste contexto, a resposta normal das inteligências normais, independentemente da preferência partidária ou ideológica, é a de acreditar no que se ouve a respeito desse famoso e importantíssimo político, no que se lê, no que é repetido de forma sistemática – e báquica – à nossa volta desde 22 de Novembro de 2014. Papa-se tudo, há sangue e fúria, o espectáculo não pode parar. Anormal será manter o espírito crítico.

Saltemos para o  Plúvio, personalidade blogueira que ficará soterrada no esquecimento com a marca de ter sido mais uma das vítimas do diabólico engenheiro. Dotado de um impulso anal que o faz coleccionar calinadas das figuras públicas (ou nem por isso), cultor folclórico da língua portuguesa (e nada contra, antes pelo contrário) e usando o HTML para produzir boa diversão com laivos eruditos (foi exactamente para isso que o Al Gore inventou a Internet), borrou completamente a pintura quando entrou em modo Clara Ferreira Alves e desatou a tentar arrancar a mão que, in illo tempore, deu um bacalhau a Sócrates. Nesse seu transe, é possível assistir via blogue ao mecanismo da radicalização social e política comum a milhares e a milhões. Está em causa a sua identidade, a qual ele (tal como a Clara Ferreira Alves a respeito da sua) considera maculada por se ter pronunciado favoravelmente sobre Sócrates algures no tempo – ou assim achar que os outros pensam e não se esquecem. É o que volta a explicar aqui –  José Sócrates – à mistura com a promoção de José António Saraiva e do blogue “Porta da Loja”, escória patologicamente fanática. O narcisismo ferido faz exóticos companheiros de cama, porém trago este relambório chuvoso porque o ladino Plúvio resolveu convocar o grande Valupi, alguém que o deixa confuso e desesperado porque lhe aparece como um defensor desse Sócrates infame criminoso já condenado e executado no seu augado bestunto de fulano que escreve coisas para outros lerem. É assim que nasce o maniqueísmo, esse atrofio bestial e sumamente estúpido ao “quem não é por mim é contra mim”. Daí não ser capaz de conceber que Sócrates merece um julgamento justo, e que os tribunais existem para nossa segurança colectiva e não para servirem objectivos sectários.

Porém, o que verdadeiramente me interessou no patético exercício de bílis e péssima consciência foi o remoque acerca da palavra assassinato, em que o implacável caçador de desvios gramáticos vai buscar o seu critério punitivo a uma entrada de 1997 no Ciberdúvidaspunitivo a uma entrada de 1997 no Ciberdúvidas. Ora, tenho uma outra referência de autoridade para a troca: Assassínio ou assassinato é sempre crime.

COROLÁRIO
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Ganza-te à vontade, Plúvio, mas, se a ideia for a de ires teclar a seguir, então mete mais tabaco nisso.

Do blogue Aspirina B

 POR VALUPI






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