«Em Portugal, o problema que se
coloca não é o de saber se vamos ter a delação premiada, mas sim se vamos
manter um regime de corrupção abençoada. O actual regime legal de combate ao
crime de corrupção tem como objectivo dissuadir os arguidos de colaborarem com
a Justiça. Será possível mudarmos esta realidade e criarmos um regime que
concretize o princípio anticorrupção que é constitucionalmente estruturante?
Pessoalmente, não acredito.»
*_*
Em Portugal, há fulanos a ganhar
dinheiro às pazadas para dizer que os partidos são corruptos, os representantes
políticos são corruptos, os deputados são corruptos, os governantes são
corruptos. Com tanto corrupto e tanta corrupção à solta, o argumento igualmente
estabelece que os polícias são corruptos, os procuradores são corruptos, os
juízes são corruptos – caso não o fossem, e conhecendo estes agentes do poder
supremo ainda melhor o que os evangelistas profissionais da corrupção
apocalíptica revelam, então já teriam metido no chilindró este mundo e o outro.
O corolário dos sistemáticos, diários, maníacos anúncios de ser a corrupção o
mal supremo a combater é este: espalhar a decadência cívica e civilizacional
onde se passa a acreditar que o Estado é corrupto, que a democracia é corrupta,
que não é com a liberdade que vamos conseguir matar a besta diabólica.
Quando a guerra santa contra a
corrupção nacional conta com os préstimos de um advogado que representa, no
jornal onde recebe dinheiro pelo que escreve, uma autoridade em Direito e seus
princípios e aplicações, quando nesse mesmo jornal há um caluniador
profissional exactamente com a mesma retórica que se viu elevado a condestável
de um Presidente da República, e quando o director do meio em causa partilha da
mesmíssima visão sobre os mesmíssimos assuntos ao ponto de lançar notícias
falsas, podemos aproveitar para colocar uma singela pergunta: qual deles,
nestes longos anos no activo, introduziu no espaço público algum dado objectivo
sobre a corrupção em Portugal que permita aferir da sua tipologia, dimensão,
gravidade e comparativo com países terceiros? Resposta: nem metade de um. A
tentativa de quantificar o fenómeno da corrupção em Portugal, para além de ser
metodologicamente dificílima, impediria o sensacionalismo e a calúnia de que se
faz a motivação política, mais a sua lógica venal e deletéria, de quem só
pretende usá-la como bandeira, tropo.
Mas sigamos o cherne. O Chico
Mota escreve no Público que o PS e o PSD (pelo menos, mas aposto que igualmente
consegue meter neste saco o CDS – e até o BE e o PCP, de quem nunca ouvimos
alarme sequer remotamente aproximado) fazem leis cujo propósito é proteger e
fomentar a corrupção. E que a não ser ele, mais os seus amigos na indústria
respectiva, o resto da população fecha os olhos face ao regabofe quotidiano.
Ora, essa prática de usar o Parlamento para institucionalizar o crime
confunde-se com o próprio regime nascido do 25 de Abril, deixa presumido esta
inteligência. Pelo que o racional assim proposto se estende para lá do plano
político e, ainda com muito mais facilidade, atinge, envolve e preenche as
dimensões económicas e sociais da nossa comunidade deste 1974. Se os políticos
criam leis para impossibilitar o combate às corrupção, então os empresários, os
funcionários e a arraia-miúda, em qualquer sector do Estado ou da actividade
privada, vai dedicar-se ao crime com devoção e paixão. Daí partilhar connosco o
seu desalento, coitado deste coitado que já não tem ilusões.
Sim? Se sim, o dinheiro da Sonae
veio e vem da corrupção pelo simples e incontornável facto, estabelecido nas
premissas anteriores, de a roleta existencial nos ter feito aparecer e
permanecer num regime estruturalmente corrupto. Se sim, quem paga ao Chico Mota
é inevitável e retintamente corrupto e/ou corruptor. Se sim, quem trabalha ao serviço
de corruptos, quem mete no bolso dinheiro corrupto para fingir que combate a
corrupção, talvez deva passar a ser visto como um colaborador da corrupção
abençoada.
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