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sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Chico Mota e a corrupção abençoada:


«Em Portugal, o problema que se coloca não é o de saber se vamos ter a delação premiada, mas sim se vamos manter um regime de corrupção abençoada. O actual regime legal de combate ao crime de corrupção tem como objectivo dissuadir os arguidos de colaborarem com a Justiça. Será possível mudarmos esta realidade e criarmos um regime que concretize o princípio anticorrupção que é constitucionalmente estruturante? Pessoalmente, não acredito.»


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Em Portugal, há fulanos a ganhar dinheiro às pazadas para dizer que os partidos são corruptos, os representantes políticos são corruptos, os deputados são corruptos, os governantes são corruptos. Com tanto corrupto e tanta corrupção à solta, o argumento igualmente estabelece que os polícias são corruptos, os procuradores são corruptos, os juízes são corruptos – caso não o fossem, e conhecendo estes agentes do poder supremo ainda melhor o que os evangelistas profissionais da corrupção apocalíptica revelam, então já teriam metido no chilindró este mundo e o outro. O corolário dos sistemáticos, diários, maníacos anúncios de ser a corrupção o mal supremo a combater é este: espalhar a decadência cívica e civilizacional onde se passa a acreditar que o Estado é corrupto, que a democracia é corrupta, que não é com a liberdade que vamos conseguir matar a besta diabólica.

Quando a guerra santa contra a corrupção nacional conta com os préstimos de um advogado que representa, no jornal onde recebe dinheiro pelo que escreve, uma autoridade em Direito e seus princípios e aplicações, quando nesse mesmo jornal há um caluniador profissional exactamente com a mesma retórica que se viu elevado a condestável de um Presidente da República, e quando o director do meio em causa partilha da mesmíssima visão sobre os mesmíssimos assuntos ao ponto de lançar notícias falsas, podemos aproveitar para colocar uma singela pergunta: qual deles, nestes longos anos no activo, introduziu no espaço público algum dado objectivo sobre a corrupção em Portugal que permita aferir da sua tipologia, dimensão, gravidade e comparativo com países terceiros? Resposta: nem metade de um. A tentativa de quantificar o fenómeno da corrupção em Portugal, para além de ser metodologicamente dificílima, impediria o sensacionalismo e a calúnia de que se faz a motivação política, mais a sua lógica venal e deletéria, de quem só pretende usá-la como bandeira, tropo.

Mas sigamos o cherne. O Chico Mota escreve no Público que o PS e o PSD (pelo menos, mas aposto que igualmente consegue meter neste saco o CDS – e até o BE e o PCP, de quem nunca ouvimos alarme sequer remotamente aproximado) fazem leis cujo propósito é proteger e fomentar a corrupção. E que a não ser ele, mais os seus amigos na indústria respectiva, o resto da população fecha os olhos face ao regabofe quotidiano. Ora, essa prática de usar o Parlamento para institucionalizar o crime confunde-se com o próprio regime nascido do 25 de Abril, deixa presumido esta inteligência. Pelo que o racional assim proposto se estende para lá do plano político e, ainda com muito mais facilidade, atinge, envolve e preenche as dimensões económicas e sociais da nossa comunidade deste 1974. Se os políticos criam leis para impossibilitar o combate às corrupção, então os empresários, os funcionários e a arraia-miúda, em qualquer sector do Estado ou da actividade privada, vai dedicar-se ao crime com devoção e paixão. Daí partilhar connosco o seu desalento, coitado deste coitado que já não tem ilusões.

Sim? Se sim, o dinheiro da Sonae veio e vem da corrupção pelo simples e incontornável facto, estabelecido nas premissas anteriores, de a roleta existencial nos ter feito aparecer e permanecer num regime estruturalmente corrupto. Se sim, quem paga ao Chico Mota é inevitável e retintamente corrupto e/ou corruptor. Se sim, quem trabalha ao serviço de corruptos, quem mete no bolso dinheiro corrupto para fingir que combate a corrupção, talvez deva passar a ser visto como um colaborador da corrupção abençoada.






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