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terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Rangel é nome de moço de estoques:


A malograda viagem de Paulo Rangel à Venezuela como moço de estoques de uns matadores populares espanhóis.

Um estranho silêncio do Parlamento Europeu e do governo de Espanha cobre o reenvio à procedência de três ou quatro deputados europeus espanhóis que pretendiam entrar na Venezuela sem visto do governo que por enquanto ainda garante a soberania do estado sobre o seu território. Em circunstâncias normais haveria chinfrim diplomático. Assim houvesse ponta por onde pegar. As notícias, poucas e comedidas, afinal têm atirado o ridículo do caso para o português Paulo Rangel, o deputado europeu que iria acompanhar os espanhóis na expedição, e se perdeu no aeroporto de Barajas antes de a aeronave descolar com destino a Caracas.

Os espanhóis são, desde Lazarillo de Torres, ou de El Buscon, especialistas em literatura pícara. Nas suas histórias surge com frequência um infeliz que atrai as desgraças e que leva com a trampa. Calhou neste episódio o papel de pícaro ao deputado Rangel. Custa-me.

Quem eram os senhoritos espanhóis? Segundo os jornais chamam-se Esteban Gonzalez Pons, José Ignáci Salafranca Sanches-Neyra e Juan Salafranca e Gabriel Mato, todos do Partido Popular Europeu, e do PP espanhol, acompanhados pelo português Paulo Rangel e pela holandesa Esther de Lange, também do PPE.

Tratava-se, pois, de uma delegação de seis deputados do PPE, dos quais quatro eram espanhóis! Parece evidente que uma delegação com esta composição tem e tinha por fim defender os interesses na Venezuela dos grupos espanhóis que o Partido Popular Espanhol representa. O Paulo Rangel, assim como a deputada holandesa fazem figura de acompanhantes, de paus-de-cabeleira. 

Compreendo que os espanhóis de qualquer partido, e que a Espanha como um todo, se movam para defender os seus interesses políticos e económicos nas suas antigas colónias da América Latina, no caso e agora na Venezuela. Gosto muito de Espanha, onde comecei a ir com doze anos, ainda na década de 50 do século passado, por isso me custa mais ver um compatriota, com quem terei poucos pontos em comum, embrulhado nestas fintas e fífias. Mas, que diabo, como dizia o meu respeitado e tragicamente falecido amigo Aquino de Bragança a propósito da vizinhança (má) entre Moçambique e a África do Sul do apartheid: não escolhemos o lugar onde nascemos e o facto é que Paulo Rangel é português como eu.

Também sou ribatejano e, numa fase da vida fui aficionado de touradas e admirador de toureiros, desde logo o Manuel dos Santos, que era da Golegã, muito perto da minha terra de nascimento, Vila Nova da Barquinha. Habituei-me de pequeno a ver os toureiros, os atores que entram nas arenas e correm os riscos (se por bons ou maus motivos é outra discussão), rodeados por figuras menores que os ajudam a vestir, que lhes atam os sapatos, que carregam as malas e os artefactos da lide, que lhes limpam os rostos suados, que os levam às costas nos momentos de triunfo ou para a enfermaria nos acidentes, como animais de carga. São os moços de estoques, ou de espadas. São respeitáveis, mas não admiráveis. O Rangel nem isso: presta-se à serventia sem necessidade. É um inútil sabujo, mas muito bem pago.

Ora, como português custa-me ver um concidadão a fazer estas figuras.

Ainda bem que a ladinice ou a sorte fez Paulo Rangel, o ora renovado candidato ao voto dos portugueses, a perder o avião e poupar-nos às suas tristes figuras.

18 Fevereiro, 2019

Carlos de Matos Gomes

No jornal Tornado

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