A
malograda viagem de Paulo Rangel à Venezuela como moço de estoques de uns
matadores populares espanhóis.
Um
estranho silêncio do Parlamento Europeu e do governo de Espanha cobre o reenvio
à procedência de três ou quatro deputados europeus espanhóis que pretendiam
entrar na Venezuela sem visto do governo que por enquanto ainda garante a
soberania do estado sobre o seu território. Em circunstâncias normais haveria
chinfrim diplomático. Assim houvesse ponta por onde pegar. As notícias, poucas
e comedidas, afinal têm atirado o ridículo do caso para o português Paulo
Rangel, o deputado europeu que iria acompanhar os espanhóis na expedição, e se
perdeu no aeroporto de Barajas antes de a aeronave descolar com destino a
Caracas.
Os
espanhóis são, desde Lazarillo de Torres, ou de El Buscon, especialistas em
literatura pícara. Nas suas histórias surge com frequência um infeliz que atrai
as desgraças e que leva com a trampa. Calhou neste episódio o papel de pícaro
ao deputado Rangel. Custa-me.
Quem
eram os senhoritos espanhóis? Segundo os jornais chamam-se Esteban Gonzalez
Pons, José Ignáci Salafranca Sanches-Neyra e Juan Salafranca e Gabriel Mato,
todos do Partido Popular Europeu, e do PP espanhol, acompanhados pelo português
Paulo Rangel e pela holandesa Esther de Lange, também do PPE.
Tratava-se,
pois, de uma delegação de seis deputados do PPE, dos quais quatro eram
espanhóis! Parece evidente que uma delegação com esta composição tem e tinha
por fim defender os interesses na Venezuela dos grupos espanhóis que o Partido
Popular Espanhol representa. O Paulo Rangel, assim como a deputada holandesa
fazem figura de acompanhantes, de paus-de-cabeleira.
Compreendo
que os espanhóis de qualquer partido, e que a Espanha como um todo, se movam
para defender os seus interesses políticos e económicos nas suas antigas
colónias da América Latina, no caso e agora na Venezuela. Gosto muito de Espanha,
onde comecei a ir com doze anos, ainda na década de 50 do século passado, por
isso me custa mais ver um compatriota, com quem terei poucos pontos em comum,
embrulhado nestas fintas e fífias. Mas, que diabo, como dizia o meu respeitado
e tragicamente falecido amigo Aquino de Bragança a propósito da vizinhança (má)
entre Moçambique e a África do Sul do apartheid: não escolhemos o lugar onde
nascemos e o facto é que Paulo Rangel é português como eu.
Também
sou ribatejano e, numa fase da vida fui aficionado de touradas e admirador de
toureiros, desde logo o Manuel dos Santos, que era da Golegã, muito perto da
minha terra de nascimento, Vila Nova da Barquinha. Habituei-me de pequeno a ver
os toureiros, os atores que entram nas arenas e correm os riscos (se por bons
ou maus motivos é outra discussão), rodeados por figuras menores que os ajudam
a vestir, que lhes atam os sapatos, que carregam as malas e os artefactos da
lide, que lhes limpam os rostos suados, que os levam às costas nos momentos de
triunfo ou para a enfermaria nos acidentes, como animais de carga. São os moços
de estoques, ou de espadas. São respeitáveis, mas não admiráveis. O Rangel nem
isso: presta-se à serventia sem necessidade. É um inútil sabujo, mas muito bem
pago.
Ora,
como português custa-me ver um concidadão a fazer estas figuras.
Ainda
bem que a ladinice ou a sorte fez Paulo Rangel, o ora renovado candidato ao
voto dos portugueses, a perder o avião e poupar-nos às suas tristes figuras.
18
Fevereiro, 2019
Carlos
de Matos Gomes
No
jornal Tornado
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