A Procuradoria-Geral da República considerou a greve dos enfermeiros ilegal por não corresponder ao pré-aviso e porque o fundo usado para compensar a perda de salário não foi constituído nem gerido pelos sindicatos que decretaram a paralisação.
Segundo
o parecer complementar do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da
República (PGR) publicado em Diário da República, que se refere à greve aos
blocos operatórios decretada em Novembro e Dezembro, os enfermeiros, apesar de
terem paralisado de forma intercalada, devem perder o salário referente a todo
o período da greve.
"Não
deve ser admitida a desproporção entre os prejuízos causados à entidade
patronal e as perdas salariais sofridas pelos trabalhadores em greve, pelo que
os descontos salariais devem ter em conta não só o período efetivo em que cada
trabalhador se encontrou na situação de aderente à greve, mas também os
restantes períodos que, em resultado daquela ação concertada, os serviços
estiveram paralisados", refere documento.
Quanto
ao financiamento colaborativo (crowdfunding) usado pelos enfermeiros, o parecer
considera que "não é admissível que os trabalhadores aderentes a uma greve
vejam compensados os salários que perderam como resultado dessa adesão através
da utilização de um fundo de greve que não seja constituído, nem gerido pelos
sindicatos que decretaram a greve".
No
parecer complementar pedido pelo Ministério da Saúde, o Conselho Consultivo da
PGR diz que a modalidade que a greve assumiu "não constava do aviso prévio
emitido pelos sindicatos que a decretaram", pelo que, "pela surpresa
que constituiu a forma como ocorreu, face ao conteúdo do aviso prévio, foi
ilícita".
"A
greve anunciada no aviso prévio tinha uma configuração clássica, na qual os
trabalhadores aderentes, simultaneamente, se abstêm de trabalhar, de forma
contínua, durante todo o período em que a greve decorre, nada nele indiciando
que a greve viesse a incidir nos serviços prestados nos blocos operatórios e
que os enfermeiros faltassem alternadamente, de forma organizada, de modo a
impedir a constituição das equipas que realizam as cirurgias", refere a
PGR.
Nos
avisos prévios de greve emitidos pela ASPE [Associação Sindical Portuguesa dos
Enfermeiros] e o SINDEPOR [Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal]
"apenas é mencionado que a greve decretada por estas estruturas sindicais
teria início às 08h00 do dia 22 de novembro e termo às 24h00 do dia 31 de
dezembro de 2018, abrangendo todos os turnos que comportam as 24 horas dos dias
compreendidos naquele período de forma ininterrupta, sob a forma de paralisação
total do trabalho", acrescenta.
Para o
Conselho Consultivo da PGR, a greve anunciada não teve qualquer correspondência
"com a modalidade da greve executada (greve parcial setorial e rotativa),
pelo que constituiu uma 'greve surpresa', não pela sua ocorrência, mas pelo
modo como ela se desenrolou".
Já
sobre o uso da figura do financiamento colaborativo, a PGR diz que constitui
"uma ingerência inadmissível na atividade de gestão da greve, que incumbe
exclusivamente às associações sindicais que a decretaram".
Sobre
esta matéria, diz ainda que esta violação da lei "pode determinar a
ilicitude da greve realizada com utilização daqueles fundos, caso se demonstre
que essa utilização foi um elemento determinante dos termos em que a greve se
desenrolou".
"Estamos
perante um processo de obtenção de financiamento, que comporta riscos de
instrumentalização das organizações sindicais e dos trabalhadores em
greve", diz ainda a PGR sobre a constituição de um fundo de greve através
de uma operação de 'crowdfunding'.
A PGR
recorda que as estruturas representativas dos trabalhadores são, segundo o
código do trabalho, independentes do Estado, de partidos políticos, de instituições
religiosas ou associações de outra natureza, e que estão proibidos
"qualquer ingerência destes na sua organização e gestão, bem como o seu
recíproco financiamento".
"A
constituição de fundos de greve, dado estarmos perante uma atividade
financeira, é um ato sindical abrangido por esta proibição", refere o
parecer da PGR, acrescentando: "A ilicitude desses donativos poderá
estender-se à greve por eles subsidiada, caso se demonstre que estes, pela sua
dimensão ou outras circunstâncias, foram determinantes dos termos em que a
greve se desenrolou".
Neste
parecer complementar, a PGR esclarece igualmente que o Conselho Consultivo, em
sede relativa à emissão de "parecer restrito a matéria de legalidade"
à solicitação do Governo, "carece de legitimidade para o desenvolvimento
de qualquer investigação autónoma e julgamento sobre a 'matéria de facto'"
e que, por isso, assume como pressupostos os dados que lhe foram fornecidos
pelo Ministério da Saúde.
Agência Lusa
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