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quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Marcelo e Bolsonaro, o abraço do monstro:

Há momentos na vida que temos de respirar fundo. A sério. 

Marcelo declarou que o encontro com Bolsonaro foi «entre dois irmãos». Marcelo alertou para o perigo fascista na manifestação de coletes amarelos em Portugal e durante uma semana desmobilizou a manifestação dizendo que este era um país que resolvia os «problemas em democracia, e com eleições». Todos os partidos aderiram a esta tese e durante uma semana fomos bombardeados com um facto inexistente - uma suposta extrema-direita forte em Portugal. Ora a manifestação não era racista, contra os imigrantes, mas pela diminuição de impostos. Não tinha nada de fascista a não ser uns irrelevantes membros do PNR que não existem, e que ficaram reduzidos a uma, felizmente, ridícula, coluna de 20 pessoas. Se a manifestação seria grande ou não sem esta desmobilização nunca o saberemos. Em França as coisas já tinham recuado e tirando o caso da Bélgica (e da Hungria e da Sérvia com crises políticas e sociais por contágio) a verdade é que não houve até agora réplicas significativas em nenhum país europeu do movimento social dos coletes amarelos francês. É pouco provável que à beira do Natal, depois das cedências de Macrón, em Portugal tivesse lugar um movimento massivo - a não ser que os camionistas, a quem Marcelo foi abraçar uns dias antes, tivessem aderido. O que é um facto é que a extrema direita foi um móbil utilizado contra uma eventual mobilização popular, da província, dependente de carro, contra os altos impostos.

Se Bolsonaro é fascista ninguém dúvida - o Brasil ainda não é um Estado fascista, mas é comandando por um. Em países civilizados e europeus democráticos as suas declarações deram prisão - como aconteceu em Inglaterra, onde líderes de extrema-direita, por menos, foram presos e por vários anos. Ir à sua posse - tirando o extremista Orban, Marcelo foi o único líder europeu que o fez - é um sinal perigosíssimo para a normalização do fascismo. A pergunta é, o que é mais perigoso para a força do fascismo: uma manifestação do povo da província contra impostos altos ou a diplomacia fraterna exercida pelo mais alto cargo do aparelho de Estado, abraçando um homem que defende a tortura e chamando-lhe irmão?

Finalmente os últimos argumentos. Portugal tem uma relação especial com o Brasil. E muitos negócios. As relações especiais fazem-se entre irmãos iguais, não com defensores da tortura e da matança de negros e índios e a legitimação da barbárie. O Brasil está a caminho de ser uma ditadura semi militar e neopentecostal, com um chefe de Estado que abertamente defende o fim dos direitos humanos.

Sobre negócios, que não é o meu critério para gerir relações entre países, também o argumento não pega bem: Angela Merkel tem mais dinheiro na Volkswagen em São Paulo do que Portugal tem nos negócios todos com o Brasil. A diferença é que a oposição interna alemã não autorizou a chanceler a ir à tomada de posse de Bolsonaro. E a oposição de esquerda em Portugal tomou uma dose massiva de Xanax, há muito.

Marcelo é popular. Genuinamente popular - não é um hipócrita nesse campo. Foi um alívio face a Cavaco, friamente distante e arrogante. Eu, porém, não acredito numa democracia em que o poder dá abraços ao "povinho emocionado". Acredito na necessidade de um povo culto e educado que exerce ele próprio o poder e numa comunicação social informativa e crítica que não anda atrás de nenhum líder carismático, simpático ou não. Podemos debater tudo isto. Será possível uma democracia a sério? É uma grande questão. O que não podemos é por um segundo legitimar a ida de Marcelo à tomada de posse de Bolsonaro. Não se abraça um homem que tem uma arma na mão apontada aos nossos irmãos brasileiros.Este foi já o maior erro de Marcelo, e foi um erro gigante.

A boa diplomacia exigia coragem, é isso que queremos de um Presidente. Na falta dela, pelo menos uma diplomática dor de barriga, e envio de um representante. Mas nunca, nunca, abraçar um fascista.

Como chegámos aqui PS, PCP e BE?

Texto de Raquel Varela





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