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sábado, 22 de setembro de 2018

PGR nomeada, jornais enxovalhados:

Por vezes os políticos querem dizer o que pensam ou o que querem fazer, mas não querem assinar o que fica dito. Então, o político faz saber ao jornalista a mensagem e cuida para que ela vá anónima, mas com aquele perfume de sugestão de que a mensagem é mesmo verdadeira. Isso não é necessariamente incorreto, logo que seja entendido como raro e não prática corrente. Da fonte (o político), exige-se que não minta; do mensageiro (o jornalista), que tente confrontar com outras fontes o que lhe foi dito. E sobretudo, de ambos, exige-se boa fé.
Há dias, e por causa do folhetim "a PGR fica ou não fica", escrevi sobre o pecado em que os jornais estavam a cair: o anómalo passara a ser comum. Cenários taxativos e cheios de pormenores enxameavam os quiosques e as conversas dos comentadores televisivos. Talvez porque um dos lados era mais forte - o dos adeptos da continuação de Joana Marques Vidal no cargo - as "notícias" sobre o "fica" ganharam a palma.
O DN, naturalmente, também escreveu sobre o assunto. Por exemplo, recapitulámos os cenários possíveis, uns que diziam isto e outros que diziam aquilo. Mas, apresentadas as hipóteses, nós rematámos: "Não sabemos." Não sabemos, ponto, dissemos logo no primeiro parágrafo. Não saber é, por vezes, um sinal de sabedoria. E para informar os leitores sobre o que havia para informar, nós contámos como se passara, de tentações a pressões, nas precedentes mudanças de PGR. Foi pouco? Sim, mas eram os factos disponíveis. Factos.
Entretanto, o país e os jornais eram invadidos com as opiniões de vária gente, e não só de políticos, sobre a virtude de uma ou de outra decisão. Alguns ousando adiantar que o desfecho seria este ou aquele. Tudo opiniões legítimas, mesmo as erradas e tolas. Legítimas, porque opiniões. Grave nesta história foram as invenções de factos que foram reproduzidas nos jornais. Jornalistas instrumentalizados por políticos? Jornalistas de má-fé? Jornalistas enganados por alguém que lhes garantira ter tido acesso ao sanctum sactorum onde tudo se decidia?... Volto à sabedoria: não sabemos.
Mas sei que acabamos de viver um dos momentos mais graves do jornalismo português: o falso alcandorado a título. Acordo à vista para manter a PGR!, disseram manchetes. E foram por ali fora... As sibilas, as pitonisas, as cassandras jubilosas (em Portugal, gostamos de puxar as brasa para o nosso desejo) adiantaram taxativamente, como um facto, o que não veio a acontecer. Dias depois, Joana Marques Vidal não foi reconduzida.
Terão falhado o deitar de cartas, a leitura das vísceras de pássaros, o posicionamento dos astros? Não, que os nossos jornais são modernos: foram "fontes autorizadas" a informá-los. E se uma "fonte autorizada" diz que "Joana Marques Vidal já disse a Marcelo que aceita ficar", e se a mesma fonte garante que a tal decisão da própria foi tomada depois do "apelo do chefe de Estado", como não publicar? Publicou-se. Azarinho: hoje, depois do que se decidiu ontem, Joana Marques Vidal, com a cara dela olhando a câmaras, disse: "Nunca a questão me foi colocada." Eu acredito nas pessoas quando elas o dizem publicamente e o que dizem é confirmado pelos factos.
Há dias, 2 de setembro, preocupado com a deriva trumpiana (à falta de factos comprovados, contentemo-nos com os factos alternativos) à solta nos jornais, escrevi: "O problema é quando essa anomalia legítima da informação - publicar, apesar de não haver testemunhas identificáveis - passa a ser o único costume." Indignei-me com os "porta-vozes sub-reptícios" que veiculavam estar tudo decidido, insinuando que o sabiam de "fonte autorizada". De tudo que escreviam, os jornalistas davam a entender que vinha de algum lado. Ora, o dali, neste caso, só podiam ser duas pessoas, as únicas que decidiriam, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa.
Dos dois, eu julgava saber que não era o que ambos pensavam. E ambos, do que diziam publicamente, sem nunca explicitar o que iam decidir, não coincidia com o que era veiculado em alguns jornais e televisões como já decidido. Do que eu julgava saber, nada escrevi. Exatamente porque eu "julgava saber", sim, mas não sabia. Exatamente porque aquilo que eu julgava saber poderia, até ao facto consumado, ser mudado por uma das muitas razões que movem as coisas políticas. Ficamos, eu e o DN, desobrigados de fazer o que outros precisam de fazer para se limpar: pedir contas ao embusteiro (ou mais do que um) que os tratou como porta-vozes sub-reptícios. E, sobretudo, perguntarem a si próprios se não os cansa serem moços de recado.

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