Na verdade, o processo "Marquês" nunca foi distribuído nem
sorteado. A escolha do juiz, que deveria ter acontecido em 9 de setembro de
2014, não resultou de uma operação de distribuição que deveria ter sido por
sorteio ou, como diz a lei, "realizada por meios electrónicos, os quais
devem garantir aleatoriedade no resultado". Em conclusão: desde 9 de
Setembro de 2014 que o processo "Marquês" não teve um juiz legal ou
juiz natural. O Tribunal já comunicou também que nenhum juiz presidiu à dita
"atribuição manual" e que tal intervenção terá ficado a cargo da
escrivã de direito, Senhora Maria Teresa Santos. Espero que nos poupem ao
debate sobre a responsabilidade da senhora escrivã, porque o que se passou com
a denominada "atribuição manual" não foi uma falha, um descuido
burocrático que se possa atribuir a um funcionário. Pelo contrário, o que se
passou consistiu num ato intencional de escolha de um juiz, ludibriando a lei.
Estamos para ver exatamente quem deu essas instruções, mas é importante que
nada fique por dizer: o mais provável é que o processo tenha sido ilegalmente
"avocado" e o principal suspeito é o Juiz Carlos Alexandre.
Sócrates
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As únicas pessoas a quem reconheço o direito a não mexerem uma palha na
defesa pública do inocente cidadão Sócrates, inclusive o direito a julgarem-no
moralmente na praça pública, são aquelas que se consideram lesadas com a
“Operação Marquês” devido ao teor das suas relações privadas com Sócrates até
então e as consequências que os actos do actual acusado vieram a ter para estes
terceiros do círculo íntimo ou próximo (fosse política, pessoal e/ou
socialmente). Há razões psicológicas que se sobrepõem à postura cívica dado
estarmos perante acontecimentos traumáticos. Os restantes, se ficarem calados
estarão a ser cúmplices de quem está a fazer deste processo uma homérica guerra
política que implica a planeada e sistemática violação do Estado de direito,
onde tal possa ser levado a cabo sem consequências para os responsáveis, de
forma a montar um julgamento excepcional. Excepcional nisso de colectivamente
se aceitar que Sócrates deva ser condenado antes de ser julgado, e julgado sem
respeito absoluto pela Lei – assim obtendo o supremo troféu de impor o maior
castigo possível a um estupendo e aterrorizador inimigo político e a quem ouse
defendê-lo.
O Correio da Manhã, para usar aqui o arquivo mais extenso e fiel em
Portugal a respeito da matéria, publicitou ao longo dos anos as suspeitas
acusatórias maximalistas dos procuradores. Que acontece se juntarmos todas as
capas produzidas pelo esgoto a céu aberto sobre a “Operação Marquês”? Acontece
que não vamos encontrar uma única prova de corrupção. Ninguém sabe, no
Ministério Público, como provar que uma certa quantidade de dinheiro na posse
de Carlos Santos Silva tenha tido origem em actos governativos ilegais. Como
não sabem, e como não podiam deixar de acusar Sócrates fosse do que fosse
depois de terem posto a gigantesca máquina acusatória a funcionar, juntaram as
teses todas e criaram um megaprocesso que, só para ser dilucidado em tribunal,
já corresponde a uma forma de impor uma pena aos acusados mesmo que depois
venham a ser ilibados parcial ou totalmente. Isto em si mesmo pode não ser uma
violação do Estado de direito, embora tal dependa da interpretação que cada um
faça desse edifício jurídico-político, mas quando se cola à evidência de termos
tido um juiz de instrução que não se comportou como juiz dos direitos e
garantias dos arguidos, antes como duplo e carrasco do MP, então a constatação
de que o Estado de direito é neste processo uma fantochada tem de ser retirada
por qualquer um que não abdique da sua decência como cidadão, como eleitor,
como pagador de impostos, como mero anónimo que não admita ver a Justiça a ser
usada para vinganças e perseguições políticas.
Aquando da condenação de Vara à pala do sucateiro, o próprio Marcelo
Rebelo de Sousa considerou que a pena era muito exagerada face ao suposto
delito em causa (delito esse também sem provas directas). Porém, ele não estava
escandalizado, sequer preocupado. O fenómeno nascia, explicou, da maior
importância que esse tipo de crimes estava a ter na comunicação social, logo os
juízes iam atrás do que aparecia na imprensa e julgavam de acordo com o
sentimento popular. A sua placidez opinativa compreende-se sem dificuldade dado
estar na berlinda um socialista, ainda por cima já tendo anos como alvo de
calúnias por conta do seu passado maculado por suspeitas graves e pela sua
amizade com Sócrates. Não sabemos o que diria se a vítima da justiça jornaleira
fosse alguém da sua cor política, amigo ou familiar. O que sabemos é que
Marcelo sabe perfeitamente bem que uma campanha de assassinato de carácter, de
suspeições, de difamações e de calúnias pode ter, com alto grau de
probabilidade, influência nos juízes na altura de usarem o seu arbítrio para
carimbarem um dado cidadão como inocente ou culpado, com esta pena ou com
aquela. À luz do que temos visto, e continuamos a ver, acontecer no processo
que envolve Sócrates, só por milagre se fará justiça na Justiça onde a parte
mais importante do seu futuro será decidido.
A regra que enche por estes dias a retórica dos justiceiros é a de que
todos são iguais perante a lei, que ninguém está acima da lei. A “Operação
Marquês” revelou que a Justiça, a Assembleia da República, o Governo e o
Presidente da República se podem aliar numa passividade cúmplice com aqueles
que fizeram da excepcionalidade deste caso uma regra conhecida de antanho: os
mais fortes são a lei.
Do blogue (Aspirina B)
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