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quinta-feira, 17 de maio de 2018

Selvajaria é nome pequeno:

(Luísa Meireles, in Expresso Diário, 16/05/2018)
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Sabe do que estou a falar não sabe? Acertou em cheio: do futebol, do Sporting e da tremenda vergonha de ver uma fotografia destas.
Esta é a cabeça de Bas Dost, o holandês que joga pelo Sporting e que é um dos seus mais famosos marcadores. Disse que se encontrava “vazio”. A fotografia foi tirada pouco depois de conhecido o ataque de um bando à Academia do Sporting em Alcochete, ontem, a meio da tarde, espancando com barras de ferro e cintos atletas e equipa técnica, destruindo o balneário e vandalizando a área. Encapuzados, ainda por cima, o pequeno requinte de grandes criminosos. É o quê esta gente: energúmenos, vândalos, arruaceiros, selvagens, ou “casuals”, como se designam agora aqueles que só aparecem para as cenas de pancada?
O recinto estava rodeado de jornalistas, já de plantão por causa da verdadeira novela em que se transformou o dia a dia do clube dos leões. Ainda ontem, a notícia era o suposto os jornais titulavam como “terramoto”, ou “ponto final” o conflito entre o seu histriónico presidente e o seu (agora) desafortunado treinador, se tal adjetivo é apropriado para quem ganha 7,5 milhões de euros por ano. Mas adiante, que a questão hoje não é essa.
Os comentadores não pararam toda a noite (e eu com eles, ó, logo eu, ironia das ironias!) e hiperbolizaram o relato. Tragédia, ainda vá, mas ato de terrorismo? Enfim, é melhor não perder a dimensão das coisas, se bem que reconheça que o seriado vai cada dia tomando novas e piores tonalidades. Não vou repetir os pormenores, disponíveis, por exemplo, aquiaqui, e mais aqui (em vídeo) mas o que aconteceu ontem no Sporting, se foi exclusivo do clube, não o é infelizmente no mundo do futebol.
O clube vive momentos de pesadelo, desde que perdeu em Madrid, que custam a crer: eles são as inacreditáveis tiradas de Bruno de Carvalho (que nem os atletas quiseram ver ontem em Alcochete), os tumultos e insultos em Alvalade, num crescendo que foram até ao lançamento de petardos pelos próprios adeptos no jogo com o Benfica, à quase agressão dos jogadores Rui Patrício e William de Carvalho depois da derrota com o Marítimo e, agora, a isto. Já para não falar das suspeitas que impedem sobre o mesmo clube a propósito das suspeitas de suborno dos jogos de andebol e que parece estenderem-se a outras modalidades (e a outros clubes), segundo diz o jornal I.
Os adeptos estão zangados. No restrito mundo em que estou a escrever, há um que diz que pediu as quotas de volta, outro que nem consegue falar e outro ainda que diz, como a direção do clube, “que isto não é o meu Sporting”, mas “um bando de selvagens”. Quem está por trás disto, perguntam. E com que objetivo? Que vai acontecer a Bruno de Carvalho? E ao Sporting? Os jogadores vão-se embora? Eu não sei, mas há muitos palpites.
Marta Soares, o tão corajoso chefe de bombeiros que ajuda a demitir comandantes da Proteção Civil, ainda ontem dizia que o Sporting não vivia em crise, mas só vai convocar os órgãos sociais do clube para segunda-feira. Houve quem reclamasse que ele devia demitir de imediato a estrutura diretiva, mas nada, aquilo parece uma aliança indestrutível. Quanto ao próprio presidente do clube,leia o que ele disse, para não ter de se beliscar. Eu, que percebo pouco do meio, deixo os comentários para quem sabe e tem opinião – a do Pedro Candeias, por exemplo (Foi chato, Bruno?) ou esta. Só consigo ver de fora.
Por isso pergunto: ninguém pensou quais seriam as consequências de um “presidente-adepto”, de fala desbragada e que – como diz – “para ter sucesso, a primeira coisa a fazer é criar fama de maluco”? [para assinantes, lamento] Pois ganhou-a e este é o resultado do populismo no futebol. Mas o pior é o resto. Voando sobre o Sporting, ninguém pensou sobre os efeitos de horas sem fim a falar de futebol, no tempo extravagante que ele tem no espaço público, na televisão e na rádio em especial, a pretexto das audiências, num círculo vicioso de dar circo a quem pede circo porque não lhe dão mais nada?
Ninguém imaginou o poder da linguagem de confronto e espírito de guerra que animam os comentadores profissionais de desporto que pululam em cada horário nas televisões? Do escândalo após escândalo, dos crimes que atravessam este desporto? Da raiva que suscitam nos adeptos e do “mono-papo” que abrange legiões de portugueses? Que se pode esperar senão sangue desta cultura de ódio que parece estender-se à sociedade inteira depois de tudo isto? Por isso, deve ler esta opinião do Daniel Oliveira, escrita ainda antes do que aconteceu em Alcochete.
Desculpem, mas há consequências. A Justiça e o Governo têm o dever de tirá-las e nós todos de refletir sobre elas. Não sei se chegam palavras de repúdio pela violência e de solidariedade para com os agredidos, nem a promessa de que no domingo, no final da Taça, o Jamor será a “festa do futebol”. Tem de haver regulação. Lá fora, Portugal continua a ser o campeão europeu e o país de onde saem campeões, entre eles o grande Ronaldo (que por acaso se formou nos primórdios da Academia de Alcochete do Sporting). Eu, por enquanto, só consigo resumir o meu pensamento à mesma palavra com que comecei este texto: vergonha.
Do blogue (Estatua de Sal)

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