Esta é a tenebrosa estória de como um aclamado académico e Ministro das
Finanças arruinou a sua carreira, na busca pelo fruto proibido.
As trevas da noite eram rasgadas pela impiedosa chuva, que se lançava
com fúria contra a calçada ao som dos relâmpagos, como soldados que se lançam
ao inimigo ao som do tambor de guerra.
No refúgio de sua casa e à luz de uma vela já quase extinta, Mário Centeno
analisa folhas de Excel, determinado a provar à UTAO, pela enésima vez, que o
seu Orçamento de Estado é tecnicamente correcto e politicamente benéfico para o
país.
Subitamente, o toque polifónico dos ABBA no telemóvel sequestra a
atenção do ministro.
"Estou sim?", diz Mário Centeno.
- Luis Filipe Vieira: "Estou, Mário? É o Luís, pá. Tudo bem,
pá?"
- Mário Centeno: "Luís? Olha, se é por causa daquilo do rio, eu já
desbloqueei as verbas para a limpeza dos..."
- Vieira: "Não! Não é o Luís Capoulas Santos. É o Luís Filipe
Vieira!"
- Centeno: "Ah! Ó Senhor Presidente, desculpe, eu estava aqui a
pensar numas contas e..."
- Vieira: "Não, não. Não tem mal. Eu também liguei assim do nada,
a culpa é minha, pá. Olha, preciso de um favorzinho teu."
- Centeno: "Claro, Senhor Presidente. Diga lá. No que eu puder
ajudar..."
- Vieira: "Olha, pá, é o seguinte. O meu filho tem um prédio para
vender e está com um problema com o IMI, quer livrar-se disso. Não dá para
orientares aí a coisa?"
- Centeno: "Como assim? O Senhor Presidente quer que isente o
imóvel do pagamento do IMI?"
- Vieira: "Isso, isso!"
- Centeno: "Mas isso não é com o Ministério das Finanças. É com a
autarquia. Se é em Lisboa, teria de ser a Câmara Municipal de Lisboa a declarar
a isenção de IMI."
- Vieira: "Ai é? Olha que caraças, pá. Então é com o Medina?"
- Centeno: "Se o imóvel for em Lisboa..."
- Vieira: "Olha, pá, não me fazes um grande favor e ligas ao
Medina? Diz-lhe que é para mim. Era um jeitaço que me farias."
- Centeno: "Mas, Senhor Presidente, isso seria ilegal. Como
Ministro das Finanças, eu não posso influenciar uma autarquia em relação a
processos de natureza financeira que ela tenha com cidadãos. Seria
corrupção."
Faz-se silêncio do outro lado. Vieira balbucia durante segundos,
hesitando em usar a bomba atómica, a proposta irrecusável, a cartada final que
levaria o ministro a vender a alma ao diabo. Respirando fundo, Vieira enche os
pulmões de ar e coragem e diz:
- "Mário, se me fizeres esse jeito, eu oriento-te dois bilhetes
para o jogo contra o Porto cá no estádio."
- Centeno: "Eh, lá! Senhor Presidente, está a falar a sério? Dois
bilhetes?" - pergunta Centeno, com um súbito e indisfarçável entusiasmo na
voz.
- Vieira: "Sim, Mário. Se puseres a tua carreira em risco e
ligares para o Medina, para me tratares de um assunto que nem tem nada a ver
contigo, eu arranjo-te dois bilhetes para um jogo de futebol, caralho. Palavra
de honra que arranjo!"
- Centeno: "Senhor Presidente! É tudo o que eu sempre quis! Este é
o dia mais feliz da minha vida! Conte comigo, Senhor Presidente! Eu trato de
tudo!"
- Vieira: "Obrigado, Mário. Vemo-nos no dia do jogo. Envia-me
depois um email só a confirmar, sim?"
- Centeno: "Pode deixar, Senhor Presidente. Amanhã já trato de
tudo e envio-lhe um email do meu gabinete, antes de vir para casa. Obrigado!
Obrigado por tudo!", responde um Centeno radiante.
Minutos depois, um telemóvel toca ao som do Ó Gente da Minha Terra, com
a voz de Mariza. O proprietário atende o telemóvel e diz: "Está lá?"
Centeno, com a voz hesitante e apreensiva, responde: "Medina, sou
eu, o Mário. Olha, tenho um favor a pedir-te..."
Fim da primeira parte.
Não perca a segunda parte, em que a trama se adensa, desta vez, com
Mário Centeno a prometer a Fernando Medina um presunto e uma camisola
autografada por Jonas, em troca da garantia de isenção de IMI prometida a
Vieira.
(Parece uma daquelas sátiras da malta da Porta dos Fundos, certo? E é,
é comédia. Não obstante, é mesmo isto que alguns jornais estão há dias a tentar
impingir ao país, sugerindo que houve uma troca de favores em cadeia, tudo para
que o Ministro das Finanças ganhasse bilhetes para uma partida de futebol. Este
é o ponto a que chegou o jornalismo nacional.)
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