Já escrevi que Mário Centeno é pouco hábil politicamente. E também já
opinei sobre a habilidade política de António Costa. Mantenho as duas teses,
mas nada disto define, por inteiro, estas duas personagens. Explico porquê.
À primeira vista, ninguém leva Mário Centeno muito a sério. O jeito
meio desengonçado, o discurso pouco fluido, as tiradas a despropósito e os
erros na gestão da comunicação fizeram do atual ministro das Finanças uma
espécie de bobo da corte, subestimado pela oposição e pela própria comunicação
social. Mea culpa: eu fui um deles. Não duvidei, propriamente, das capacidades
técnicas do economista, mas duvidei - e muito - da capacidade que Centeno teria
para jogar o jogo político a que estava obrigado, interna e externamente.
Centeno surpreendeu. Surpreendeu-me.
Não, Mário Centeno não é o Cristiano Ronaldo do Eurogrupo. E, assumindo
que a frase do ministro das Finanças alemão não era ironia da mais reles (como
só Schäuble consegue ter), só pode ser ignorância futebolística.
Cristiano Ronaldo é o melhor do mundo porque é um jogador completo.
Dribla bem, executa ainda melhor, corre para ajudar a defesa e, se for preciso,
joga lesionado porque não gosta de perder nem a feijões. O melhor do mundo é um
criativo, um visionário que antecipa as jogadas e troca as voltas aos
adversários. O melhor do mundo joga bonito, levanta estádios, encanta
multidões. Ora, Mário Centeno, como ministro das Finanças, está longe de ser
tudo isto. Se Mário Centeno fosse um jogador de futebol, era daqueles
mal-amados, de quem os adeptos desdenham, mas que cumprem um papel
absolutamente fundamental na equipa. Porque conquistou a pulso o respeito do
resto do plantel, porque contrariou as piores expectativas dos colegas e soube
aproveitar as oportunidades que o treinador lhe deu.
Mário Centeno é o Amaral do Benfica na década de 90. Um jogador
desengonçado, de baixa estatura, por quem ninguém dava nada até ao dia em que o
viram jogar pela primeira vez. O Amaral era um jogador raçudo, que não sabia o
significado da palavra desistir e estava apostado em contrariar todas as
expectativas. Quem desdenhou dele, rapidamente mudou de ideias. Era o melhor
jogador do mundo? Não. Marcou muitos golos? Não. Ganhou algum título pelo
Benfica? Também não. Mas não deve haver adepto com memória dessa época que não
se lembre dele. O Amaral era o jogador que nunca desistia, quando a equipa já
tinha baixado os braços e dado descanso às pernas. Era o homem que estava
sempre disposto a contrariar as expectativas. O bem-disposto, que jogava
futebol por prazer, que acreditava no que fazia e que, rapidamente, se tornou a
alma da equipa.
Schäuble, provavelmente, nunca ouviu falar do Amaral e a comparação que
fez entre Centeno e Ronaldo também não é para ser levada a sério. Mas é pena
que o ministro das Finanças alemão não tenha compreendido, até hoje, que Mário
Centeno foi um "jogador" inteligente, quer na forma como geriu as
contas públicas portuguesas quer na forma como foi gerindo as recomendações,
tantas vezes absurdas, que vinham de Bruxelas.
Não o fez sozinho, como Cristiano Ronaldo também não chegou a melhor do
mundo sozinho. Encontrou algum trabalho feito, o contexto internacional deu uma
ajuda, mas contou, sobretudo, com um "treinador", esse sim, muito
hábil politicamente. António Costa geriu o que parecia impossível de gerir.
Jogou o jogo a que Scolari chamaria de "mata-mata" e nunca recuou.
Nem podia.
O "campeonato" ainda vai a meio e ainda tem muitas
"jornadas" pela frente. A única coisa que podemos desejar é que, ao
contrário do Amaral no Benfica, que nunca ganhou nada, apesar de tudo o que deu
à equipa, Portugal consiga ganhar de facto. Se for à Alemanha, tanto melhor.
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