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sábado, 7 de novembro de 2015

É preciso que nos não esqueçamos:

Quando o pobre Francisco Assis decide dissentir, os argumentos usados são retirados da poeira da guerra fria. O pessoal já não vai nisso. O Assis e os Assis têm de procurar outras alamedas de justificação.

Chega a ser comovente, por néscio e calamitoso, a gesticulação da direita e da direitinha, em VISTA de um governo de esquerda. Os preopinantes que, em pelo menos dois diários, choramingam a sua superior ignorância, fazem dó. Atribuem à esquerda todos os malefícios do mundo, desconhecendo (não fingem desconhecer: desconhecem mesmo) o percurso da História e as batalhas estabelecidas pelos homens para que a felicidade seja possível.

São aqueles que um velho jornalista de O Século chamava os “apedeutas”, escarmentando, com essa palavra antiga, aqueles que, sem saberem coisa alguma, punham-se sempre ao lado dos poderosos. Mas não vale a pena estrebuchar: as coisas vão mudar, porque as coisas mudam naturalmente em ciclos que nenhuma obstrução consegue EVITAR. Não sei se tudo vai melhorar; mas muita coisa vai ser outra.

Nesta união aparentemente espúria, entre o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda, o facto em si só o é porque António Costa, inopinadamente, decidiu interromper as derivas do seu partido, que sempre obedecera às cambiantes da política de apoio ao capitalismo, aliando-se umas vezes ao PSD, outras ao CDS. Há uma fatia larga das questões sociais que é comum àqueles partidos, embora no PS, essa fatia larga, chamada “socialismo” fora colocada na gaveta e esta zelosamente fechada à chave. Tão simples quanto isso. Quando o pobre Francisco Assis decide dissentir, os argumentos usados são retirados da poeira da guerra fria. O pessoal já não vai nisso. O Assis e os Assis têm de procurar outras alamedas de justificação.

É evidente que esta união não é vista com olhos amenos entre muitos militantes comunistas e socialistas. A cultura ideológica entre uns e outros tem sido sempre de hostilidade, animada, estimulada e tantas vezes provocada pelos próprios dirigentes dos dois partidos. Lançar gasolina para a fogueira nunca deu bom resultado. Mas também é evidente que esta situação de agressividade e, até, de desprezo pelo outro, não podia durar eternamente. A própria circunstância de o Muro de Berlim ter sido destruído e a União Soviética ter implodido explicam, talvez, o esmaecimento dos partidos obedientes àquela linha. Penso que a ideia difusa de “fortaleza cercada” e “inamovível” está historicamente ultrapassada. Na batalha dos dois sistemas, o capitalismo venceu, mas nada, em História tem carácter permanente. O que está a acontecer, em PORTUGAL, como em outros países, é significante. Pode a direita e seus sequazes e estipendiados guinchar de susto e desespero, que nada evitará o desenrolar dos acontecimentos. Claro que este avanço das coisas, o chamado “processo histórico”, não será nunca linear e os obstáculos no caminho também pertencem à natureza dos factos. Mas foi aberta uma ruptura, com as decorrentes euforias e as consequentes traições e dissidências. Tudo está previsto.

O PS tem sido uma espécie de respaldo da direita. Os lugares são equilibradamente distribuídos. A “alternância” nunca foi “alternativa” e tudo corria no melhor dos mundos, tanto mais que, com o “socialismo na gaveta”, o caminho estava facilitado. Uns iam para lugares bem remunerados, na administração ou no privado; outros eram chutados para Bruxelas, quando o maná foi aberto; outros, ainda, entravam na “diplomacia”, enfim, o forrobadó. Nem tudo será arredado e a casa nunca ficará totalmente asseada. As raízes da miséria moral são fundas e estão bem regadas, e o silêncio cúmplice é, habitualmente, bem remunerado. No entanto, continuo a crer que a esperança tem muitas vezes razão, e que, neste sentimento, não estou sozinho: milhões e milhões de homens e mulheres caminham a meu lado.

Temos uma larga experiência do sofrimento, da dor e da repressão. E temos, igualmente, um conhecimento largo da luta e da resistência. O nosso património moral, cultural e intelectual é infinitamente superior ao “deles.” É preciso que nos não esqueçamos.


(Baptista Bastos, in Jornal de Negócios, 06/11/2015)

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