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quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Era uma vez:

Uma pequena vila, de nome irrelevante, castigada pelas dívidas que consomem o pouco que há, o que sobra de uma vida a crédito. Ali chega, na manhã de mais um dia de crise, um forasteiro que se instala na pensão local. Sem saber o que esperar da honestidade da gente da terra, o homem pede que lhe guardem uma nota de 100euro que trazia cuidadosamente dobrada na algibeira. Na manhã seguinte, perante o espanto da estalajadeira, o abastado forasteiro abandona a vila esquecendo-se de pedir a nota de volta.

Durante cinco longos dias a mulher guardou cuidadosamente os 100euro que lhe tinham sido confiados. Ao sexto, convenceu-se que o legítimo dono não regressaria e decidiu dar-lhe destino. Entregou o dinheiro ao talhante para saldar uma dívida de meses que a atormentava. Sem acreditar na sua sorte, o talhante entrega os 100euro à sua mulher, que os usa para pagar à modista o vestido que usara para o casamento da filha, três meses antes. A modista, por sua vez, agradeceu a possibilidade de pagar, com atraso, a renda do quarto em que vivia. Também o digno proprietário tinha uma dívida antiga para com a prostituta da terra que poderia agora, finalmente, pagar à estalajadeira da pensão local os 100euro que lhe devia pelo aluguer ocasional de quartos.

Em poucos dias a nota voltou ao seu local de origem, e às mãos da estalajadeira em quem o forasteiro confiara. Não existiu nova produção, mas dívidas da população foram liquidadas e o otimismo reinava a pequena vila.

Semanas mais tarde, o abastado homem regressa à pensão e percebe, espantado, que os 100euro ainda o esperavam. E é não menos estarrecida que a estalajadeira vê então o forasteiro pegar na nota, pegar-lhe fogo, e com ela acender o seu charuto para, logo depois, soltar uma gargalhada e confessar "a nota era falsa de qualquer forma".

A fábula não é minha. Foi contada muitas vezes, e aconteceu mesmo. Em 1920, Alves dos Reis, um burlão qualificado, ajudou a resolver o problema de deflação da economia portuguesa ao forjar uma encomenda de notas, em nome do Banco de Portugal, à empresa inglesa Waterlow.

Moral da história? Decerto não passa por defender a falsificação de dinheiro. Apenas demonstrar, pela enésima vez, que a economia de um país não tem nada a ver com a gestão de um orçamento familiar. E que há muitas formas de solucionar a armadilha do endividamento sem o custo da pobreza, da recessão e do desemprego. O problema não está na inevitabilidade da economia, ou dos seus instrumentos. Trata-se apenas de vontade política.

MARIANA MORTÁGUA

DEPUTADA DO BE

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