DECLARAÇÃO DE JOSÉ SÓCRATES
A minha prisão constituiu uma enorme e cruel injustiça. Seis meses sem
acusação. Seis meses sem acesso aos autos. Seis meses de um furiosa campanha
mediática de denegrimento e de difamação, permitida, se não dirigida, pelo
Ministério Público. Seis meses de imputações falsas, absurdas e, pior –
infundamentadas, o que significa que o Ministério Público não as poderia nem
deveria fazer, por não estarem sustentadas nem em indícios, nem em factos, nem
em provas. Seis meses, enfim, de arbítrio e de abuso.
Aqui chegados, que cada um assuma as suas responsabilidades. A minha
prisão foi uma violência exercida injustamente contra mim, mas foi-o de forma
unilateral – foi-me imposta. Esse acto contou sempre com o meu protesto e o meu
repúdio; nunca com o meu silêncio e muito menos com o meu assentimento. Agora,
o Ministério Público propõe prisão domiciliária com vigilância electrónica, que
continua a ser prisão, só que necessita do meu acordo. Nunca, em consciência,
poderia dá-lo.
Por outro lado, não posso ignorar – nem pactuar – com aquilo que, hoje,
para mim, está diante dos olhos: a prisão preventiva usada para investigar,
para despersonalizar, para quebrar, para calar, para obter sabe-se lá que
“confissões”. Também não ignoro – nem pactuo – com a utilização da prisão
domiciliária com vigilância electrónica como instrumento de suavização,
destinado a corrigir erros de forma a parecer que nunca se cometeram. Estas
“meias-libertações” não têm outro objetivo que não seja disfarçar o erro
original e o sucessivo falhanço: depois de seis meses de prisão, nem factos,
nem provas, nem acusação.
Meditei longamente nesta decisão, no que ela significa de sacrifício
pessoal e, principalmente, no sacrifício que representa para a minha família e
para os meus amigos, que têm suportado esta inacreditável situação com uma
extraordinária coragem. Todavia, o critério de decisão é simples – ela tem que
estar de acordo com o respeito que devo a mim próprio e com o respeito que devo
aos cargos públicos que exerci. Nas situações mais difíceis há sempre uma
escolha. A minha é esta: digo não.
Évora, 8 de Junho de 2015
José Sócrates
José Sócrates
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