«Depois da sessão de aquecimento
em torno da emigração, eis que Passos Coelho mete prego a fundo na farsa dos
mitos urbanos e decide oferecer aos portugueses um festival de mentiras como
nunca antes visto. Que Passos Coelho mente, e mente reiteradamente, não é
novidade. Mas, que me recorde, nunca o havia feito como na sexta-feira passada.
Era o último debate quinzenal, e Passos Coelho deixou bem claro aquilo que
pretende fazer até às eleições: mentir. Mentir repetidamente e sem qualquer
tipo de pudor.
Não estamos a apenas a falar de
falsas promessas, como dizer que não se vai cortar salários, não se vai
despedir ninguém, não se vai acabar com o 13º mês e que se vai fazer
austeridade apenas nas gorduras do estado e não nas pessoas. Isso era em 2011.
Em 2015, depois de 4 anos a governar, para além de promessas mentirosas como no
passado (como dizer a Bruxelas que pretende cortar nas pensões negando, em
Portugal, que tal compromisso exista), há que acrescentar um outro tipo de
mentiras, que são necessárias para ocultar o que se passou nos últimos 4 anos.
A troika, cuja vinda foi
amplamente desejada, que foi uma aliada útil durante vários anos e que até
pecava por défice de radicalismo no “ajustamento, passou a ser uma espécie de
diabo que Passos heroicamente expulsou do país.
O IVA, que o memorando previa que
fosse aumentado em 400 milhões de euros e que este governo aumentou em mais de
2000 milhões, nunca foi aumentado.
Os rendimentos dos mais pobres,
apesar do brutal aumento do IVA e de praticamente todas as prestações públicas
de combate à pobreza terem sido cortadas (Rendimento Social de Inserção,
Complemento Solidário para Idosos, Complemento por Dependência), apesar da
pobreza ter disparado, apesar do Orçamento de Estado para 2015 prever um novo
corte de 100 milhões de euros em prestações sociais, não foram beliscados.
Os salários dos funcionários
públicos e as pensões, que este governo insistiu obsessivamente cortar e que o
Tribunal Constitucional, em 2013, 2014 e 2015, obrigou a devolver, estão a
aumentar por mérito das políticas deste governo.
A educação, a saúde, a justiça
nunca estiveram melhores. Aliás, o Estado, quer nos serviços públicos, quer no
fisco, nunca funcionou tão bem e nunca foi tão amigo do cidadão como agora.
O investimento em ciência e na
inovação, apesar da destruição dos últimos 4 anos, é uma grande aposta da atual
maioria. O combate à pobreza que este governo criou também é.
O IRS, apesar do enorme aumento
de impostos, superior a 30%, é agora amigo das famílias, apesar do governo ter
optado por medidas regressivas de apoio às famílias com filhos que tratam os
filhos de ricos de forma diferente dos filhos de pobres.
O consumo cresce sem recurso ao
endividamento, apesar do crédito ao consumo ter disparado 30%.
As exportações nunca cresceram
tanto, apesar de terem crescido bem mais antes deste governo entrar em funções
e do crescimento presente ser, em grande medida, fruto de investimentos do
passado, que não estão a ser feitos no presente.
O saldo externo positivo é uma
reforma estrutural, apesar de ser, em grande medida, conjuntural, um produto da
recessão e da queda das importações. No primeiro ano em que economia cresceu
uns míseros 0.9% (depois de uma queda acumulada superior a 6%), as importações
dispararam e o saldo externo degradou-se 30%. Os últimos dados conhecidos,
apesar da desvalorização do euro e da queda do preço do petróleo, mostram que
as importações continuam a crescer bem acima das exportações.
O investimento, apesar de ter
caído 30%, regredindo a níveis de meados dos anos 80, dispara. O facto desse
“disparar” ser explicado, não pelo investimento em sectores transacionáveis,
como diz o Passos Coelho, mas pela compra de automóveis e pela construção
(depois de colapsar, deu um pequeno suspiro), que não têm qualquer relação com
o IRC – a grande reforma promotora do investimento deste governo – são
pormenores irrelevantes.
O emprego, apesar dos 450 mil
empregos destruídos, cresce espetacularmente. Passos Coelho garante que o
emprego cresce por causa das reformas estruturais, que flexibilizaram o mercado
de trabalho, e por causa da redução da dependência do Estado, apesar todos os
recursos públicos (fundos europeus) usados para fabricar empregos (mais de 50%
do “emprego” criado tem apoio público) e, sobretudo, apesar do emprego só ter
deixado de cair quando o TC impediu Passos Coelho de concretizar o seu
alucinado plano - anunciado no final de 2012 e reafirmado em abril de 2013 - de
cortar 4 mil milhões de euros no Estado Social, em pensões e em salários da
função pública.
A dívida pública, apesar das
privatizações claramente além da troika, apesar de ter aumentado 30 pontos
percentuais, mais do triplo do que o governo previa (dados que incluem todas as
alterações de perímetro orçamental e de toda a dívida dita “escondida”), vai
começar a baixar.
Há pouco, muito pouco da
narrativa de Passos Coelho que não seja mentira ou, numa versão mais suave, uma
aldrabice.
Há uma meia verdade, que é a
história nos juros. Em 2011, de facto, os juros estavam elevadíssimos e eram
incomportáveis. E os juros baixaram. Acontece que, da mesma forma que não foi
Sócrates que fez disparar os juros da da Irlanda, da Espanha ou da Itália,
também não foi Passos Coelho que, em 2012, fez baixar os juros de todos estes
países, e muito menos foi Passos Coelho que, com a confiança gerada pelas suas
políticas, fez com que os juros chegassem a níveis negativos. Por essa razão,
da mesma maneira que foi a alteração do comportamento do BCE que permitiu pôr
termo à crise das dívidas soberanas e baixar os juros, só o BCE pode evitar que
Portugal volte a ser afetado por perturbações no mercado da dívida. Passar a
ideia de que os juros estão baixos porque Portugal tem os cofres cheios, é não
só falso como perigoso. Se algo de grave se passar, não são os cofres portugueses,
por muito cheios que possam estar, que acalmam os mercados. No futuro, como no
passado, o único cofre capaz de pôr termo a uma crise nos mercados da dívida é
o BCE. Sugerir o contrário pode não ser considerado tecnicamente uma mentira,
mas não é menos grave por isso.» [Expresso]
Autor:
João Galamba.
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