Como vem sucedendo ultimamente e
com uma frequência preocupante, também desta vez Cavaco Silva perdeu uma
excelente oportunidade para guardar silêncio ou ponderar melhor o alcance do
que disse. Primeiro, por respeito à tripulação daquele avião e a todos os
trabalhadores da TAP, que vivem tempos de incerteza e instabilidade que
certamente o Presidente não pode dissipar. Depois, por respeito às gerações de
portugueses, residentes e emigrados, que andaram ao colo da TAP e com a TAP ao
colo, sustentando-a com a sua fidelidade e com o seu dinheiro (500 milhões, por
exemplo, no governo do dr. Cavaco Silva) e que a consideravam coisa sua — agora
vendida sem lhes dar cavaco.
Ao considerar a venda da TAP um
“alívio”, o Presidente ou conhece os termos do contrato ou assina de cruz a
decisão do Governo
Ao considerar a venda um
“alívio”, o Presidente deixou insinuada uma de duas coisas: ou que conhece os
exactos termos do contrato de venda (que ninguém mais, excepto o Governo,
conhece) ou que, mesmo desconhecendo-os, assina de cruz a decisão do Governo.
Na primeira hipótese, é notável para quem está há dois anos a reclamar
consensos e, pelos vistos, não se importa e é solidário com um negócio feito no
desconhecimento e contra a vontade do maior partido da oposição e da totalidade
dos donos da empresa: os contribuintes. Na segunda hipótese, o apoio
entusiástico de Cavaco Silva a um negócio cujos contornos desconhecerá e não
poderá avaliar, significaria apenas um passo — mais um — na direcção de apoio
incondicional que vem dando ao Governo em funções, a quatro meses das urnas.
Lamentável, mas já sem surpresa para ninguém.
Aliás, lá em cima, a 10.000
metros, ponderando sobre as críticas recebidas a este propósito, Sua Excelência
declarou-se também absolutamente indiferente a elas, com o “ego satisfeito” que
lhe dão as quatro maiorias absolutas recebidas ao longo destas penosas duas
décadas em que ocupou o topo do Estado. É assim que ele reflecte sobre os dados
referentes ao crescente descrédito com que uma maioria consistente de
portugueses analisa o seu desempenho. Mas está de saída, já não lhe importa o
que os portugueses pensam sobre ele. A seu tempo, tratará de cuidar para que a
historiografia oficial registe apenas o que lhe interessa. E, daqui até ao
final do mandato, não é provável que Cavaco Silva tenha de abdicar, em visitas
de Estado, de aviões fretados à TAP sob a insígnia “Air Portugal”, que
certamente prefere a aviões fretados à EasyJet ou à Balkan Airlines. O que não
faltou a Cavaco Silva foram motivos de alívio.
2 Já com os pés bem assentes na
terra da Bulgária, Sua Excelência aproveitou também uma pergunta de
circunstância para azucrinar os gregos e o seu Governo. Fica-lhe mal, é feio
bater em quem está por baixo e melhor teria feito em deixar essa tarefa para o
seu Governo, pois que a representação do Estado não se adequa com o
envolvimento nas questões dos governos europeus. Aliás, deverá ter acreditado
no desonroso acontecimento a que assistiu, quando, noutra visita de Estado à
República Checa, tinha Portugal acabado de pedir ajuda externa, ouviu, em
silêncio, o anfitrião checo criticar, em termos ofensivos, os portugueses e o
seu Governo. O novo-riquismo é sempre uma coisa feia de ver.
3 Felizmente, tenho fundadas
razões para crer que as palavras de Cavaco não chegaram à Grécia e ao seu
Governo — com coisas bem mais importantes em que pensar por estes dias. Ou, se
chegaram, terão produzido o mesmo efeito que as críticas internas produzem em
Cavaco Silva, segundo o próprio: nenhum.
Esta quinta-feira à tarde, em
Atenas — no que se anunciou como o último dos dias D para a Grécia —, enquanto
o Eurogrupo discutia no Luxemburgo o futuro dos gregos na Europa, o céu ficou
subitamente cinzento e a chuva começou a cair, augurando más notícias, depois
de dias de sol e calor tórrido. Mas, passadas umas duas horas, o sol estava de
regresso, as colinas de Atenas e a da Acrópole estavam outra vez nítidas, como
estava o mar do Pireu, para lá delas, e o Parténon vigiava do alto da cidade,
lembrando que aqui começou a Europa dos valores que são os nossos. No ar, havia
de novo um horizonte de ilhas, de ciprestes e de oliveiras, a inteireza do
mundo mediterrânico que será para sempre a melhor civilização que o homem
conseguiu criar.
O clima refletia a incerteza
destes dias, entre a chuva e o sol, a descrença e a esperança. De um povo que,
como me contava uma jornalista grega, se habituou a viver há meses com o seu
destino suspenso — não já dia a dia, mas hora a hora.
A única certeza é que 84% dos
gregos querem continuar na UE e no euro. Mesmo que critiquem os excessos de
linguagem e de arrogância, apoiam maioritariamente o Governo do Syriza — não
pelo que conseguiu, mas pelo que tentou. Por ter tentado, por ter resgatado o
orgulho da Grécia. Sabem que cometeram erros e leviandades e que estão a pagar
por eles. Mas também acreditam que a receita dos credores é um caminho de
empobrecimento sem saída.
No centro de Atenas há menos
trânsito e muito menos turistas do que eu guardava memória. Quer ali quer na
periferia, não vi gente parada ou a vaguear sem destino: aparentemente, a vida
continua como sempre. Não há sinais evidentes quer de miséria quer de riqueza
(o parque automóvel é bem mais pobre do que o nosso e metade dos gregos
desloca-se de moto). Os fins de tarde e a célebre vida nocturna da cidade já
não são senão um resquício na zona da Plaka. A maior parte das pessoas está em
casa, em frente à televisão. À espera que lhes digam se o seu futuro está a
Leste ou a Ocidente, como tantas vezes sucedeu na história milenar desta terra.
Por muito que os teóricos e os economistas se esforcem por dar lições sobre o
que é e o que deve ser a Europa, a história continuará a ser sempre a chave de
todos os entendimentos.» [Expresso]
Autor:
Miguel Sousa Tavares.
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