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domingo, 15 de março de 2015

O lado lunar de Passos:

O primeiro-ministro passou mais de uma década na sombra, apesar de manter um pé discreto na política e outro nas empresas. Agora, os tesourinhos desses tempos voltam para o assombrar.

As autárquicas de 1997 marcaram a entrada de Pedro Passos Coelho na idade adulta da política. Passou de eterno líder da JSD, deputado em nome da juventude, a candidato do partido à Câmara Municipal da Amadora. Perdeu. Mas o desafio estava longe de poder ser considerado uma derrota. Tornou-se vereador sem pelouro e, dois anos depois, deixou o Parlamento. Ainda disputou, com os grandes, a distrital de Lisboa, mas também não ganhou.
Nos anos que se seguiram, Passos Coelho esteve discretamente na política. Manteve-se como vereador; pôs fim ao primeiro casamento; acabou a licenciatura de Economia com média final de 15 valores, na Universidade Lusíada. E ganhou um prémio de mérito, por estar entre os melhores alunos, patrocinado pelo Grupo Espírito Santo.

A VISÃO questionou a universidade sobre a natureza, as regras e o valor do prémio, mas a Lusíada nada respondeu até à hora de fecho desta edição. Mas nesse mesmo ano de 2004, o relatório e contas do GES relatava como o grupo empresarial continuava a privilegiar a área do ensino, em especial o universitário. "Estabeleceu protocolos com algumas das mais prestigiadas universidades portuguesas, traduzido, em 2004, num investimento de 349 300 euros", lê-se no documento.

Não há nada de ilegal ou imoral neste episódio - nem sequer diz respeito a um rendimento tributável. Serve para lhe abrir o apetite para os petiscos que se seguem.

AMADORA: A birra do derrotado
A Câmara da Amadora esteve 18 anos em mãos comunistas até que Joaquim Raposo, do PS, venceu as eleições autárquicas de 1997. Pedro Passos Coelho foi um feroz adversário, impedindo a maioria absoluta. Com 33,8% dos votos, Raposo foi obrigado a distribuir pelouros pela oposição e fez a primeira oferta a Passos Coelho. "Ele disse-me que queria o pelouro do planeamento estratégico, que incluía o urbanismo e a captação de investimentos. Isso era igual a dizer que tudo, do ponto de vista estratégico, passaria por ele", conta Raposo à VISÃO. "Tive de lhe perguntar: Mas afinal, quem ganhou as eleições?". Passos fez birra e não aceitou nenhum outro pelouro. Mas dois dos vereadores do PSD aceitaram.

DEFESA: Subsídios ilegais
Uma das votações em que Passos Coelho participou foi auditada pelo Tribunal de Contas e considerada ilegal: o pagamento do subsídio de insalubridade a funcionários da limpeza urbana e dos cemitérios, aprovada por sete vereadores, além do presidente, no ano 2000. Passos também aprovou, mas defendeu-se à parte e sozinho, perante o tribunal, enquanto os outros vereadores se defenderam em conjunto. Escreveu, como um político, sobre a "dificuldade de angariação de profissionais para aquele setor" e sobre o "quase estado de necessidade" de atribuir o apoio, sob pena de os funcionários "se absterem de cumprir a sua função", pondo em risco "a saúde pública".

CPPC: Pago em despesas ?de representação
Uma denúncia anónima sobre pagamentos que Passos Coelho teria recebido enquanto consultor do Centro Português para a Cooperação, obrigaram-no a explicar-se no Parlamento, em setembro de 2014. Não recordando pormenores, Passos disse que "durante todo esse período [1997/99]" pode "ter apresentado despesas de representação, de almoços, de deslocações", como os casos referentes a viagens a Bruxelas, a Cabo Verde ou ao Porto, mas que isso não é, nem nunca foi, incompatível com as funções de deputado em exclusividade. Acrescentou que nunca declarou nada em sede de IRS porque não era suposto.

RIBTEJO: Depósitos impossíveis
Dois anos depois de acabar o curso de Economia, Passos Coelho presidia à empresa RibTejo, do universo Fomentinvest. Na prática, a RibTejo era gestora do aterro de resíduos não perigosos da Chamusca, onde uma ação inspetiva detetou, em 2008, ilegalidades ao nível das descargas de águas residuais - não cumpriam as normas de qualidade impostas pela legislação em vigor. O caso foi apreciado pelo Tribunal da Golegã e pelo Tribunal da Relação de Évora que confirmou a pena aplicada à RibTejo: uma multa de 60 mil euros. A justiça considerou ainda que a empresa, presidida por Passos Coelho até 2009, "teria retirado algum benefício económico da sua conduta".

EMPRESAS: Casos atrás de casos
Entre os anos de 2002 e 2008, além da RibTejo, outras empresas do universo Fomentinvest acabaram por perder processos ou pagar multas relacionadas com atividades irregulares, muitas delas agressivas para o ambiente. Nessa fase, o primeiro-ministro chegou a integrar o conselho de administração da holding ou a presidir/administrar algumas delas, como a HLCTejo ou a EcoAmbiente. Exemplos de ações que originaram coimas: deposição de resíduos líquidos em aterro; ausência de autorização prévia para gestão de resíduos; utilização de equipamento não aprovado; ou inobservância das condições impostas na licença ambiental.

BLOGUE: Gestão exposta
Há um blogue que se dedicou, em 2011, a fazer uma lista das manchas negras no currículo do gestor Pedro Passos Coelho. Entre as informações disponibilizadas (incluindo relatórios e contas ou apresentações elaboradas por consultoras de assessoria financeira) há documentos internos, do BANIF, revelando que em 2010 o banco recebeu uma denúncia de gestão danosa no New Energy Fund, um fundo de 100 milhões de euros que tinha a Fomentinvest como principal promotora. Na altura em que o fundo foi lançado, Passos era vogal da Fomentinvest - única ligação sua ao caso. A VISÃO tentou contactar, sem sucesso, um dos remetentes das cartas do BANIF.

SEGURANÇA SOCIAL: Falha de pagamentos
A notícia foi dada pelo jornal Público e confirmada pelo gabinete do primeiro-ministro. Entre 1999 e 2004, Pedro Passos Coelho não pagou as contribuições obrigatórias à Segurança Social por achar que eram opção e por nunca ter sido notificado da dívida, prescrita desde 2009. Apesar de ter sabido da falha em 2012, Passos só a pagou agora, em 2015, após pressão da imprensa. "O primeiro-ministro julgava, enquanto foi trabalhador independente, que aquelas contribuições não eram devidas, razão pela qual também não as declarou em sede de IRS", esclareceu o seu gabinete.





IMPOSTOS: Execuções fiscais
Antes de ser primeiro-ministro, Passos tinha uma relação difícil com a máquina fiscal, como confirmou ao Expresso. Entre 2003 e 2007 colecionou, pelo menos, cinco processos de execução fiscal, no total de quase seis mil euros. Assumiu falhas de memória para precisar as informações, mas reconheceu ter havido ocasiões, em anos anteriores ao exercício das atuais funções, em que entregou declarações e procedeu a pagamentos fora de prazo, sujeitando-se ao pagamento de coimas e juros. "Uma ou outra vez por distração, outras vezes por insuficiência de meios financeiros, tive falhas no relacionamento com a autoridade tributária, que sempre corrigi", afirmou.

FORAL: O programa amigo
Quando Miguel Relvas era secretário de Estado da Administração Local, de 2002 a 2004, a Tecnoforma, uma empresa de que Passos foi consultor e administrador, dominou o programa de formação profissional Foral. Foi o Público que fez as contas, em 2012: "Só em 2003, 82% do valor das candidaturas aprovadas a empresas privadas na região Centro, no quadro do programa Foral, coube à Tecnoforma. E entre 2002 e 2004, 63% do número de projetos aprovados a privados pelos responsáveis desse programa pertenciam à mesma empresa". Ao nível do País, a percentagem situava-se, de acordo com o jornal, nos 26 por cento.

TECNOFORMA: Começam os problemas
Entre 2005 e 2009, a Tecnoforma (de que Passos foi administrador) teve vários processos de execução fiscal, que chegaram a atingir a quantia de 500 mil euros. Também houve formadores que ficaram sem receber salários, o que originou processos judiciais. Os problemas terão começado, ao que tudo indica, com o fim do já referido programa Foral, que otimizava verbas de fundos comunitários para a formação de funcionários autárquicos.
Da Revista Visão

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