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domingo, 20 de abril de 2014

Ex-Combatente:

A Câmara Municipal de Paços de Ferreira leva a efeito no dia 25 de Abril o 40º. Aniversário desse acontecimento. Não sei se é a primeira vez que o faz ou se não. O que é certo, julgo que é uma boa iniciativa e, de perpetuar. Sabe-se que nesses tempos o concelho de Paços de Ferreira foi pródigo em mancebos que para ali mandou. Tempos difíceis e de difícil escolha para quem era mobilizado. Se fosse refractário sabia que enquanto durasse a ditadura não podia voltar à minha terra: Freamunde. E… gostava e gosto dela que não imaginam. Aconteceu a muitos.
Mas estava fora dos meus planos. Saudoso e agarrado como sou ao meu torrão entre uma coisa e outra resolvi cumprir o serviço militar obrigatório por terras de Angola. A família, principalmente pais e irmãos, a isso me obrigaram. Não remediava a sua ausência durante vários anos. Assim mesmo estive sem os ver pessoalmente, os retratos, como eram alcunhados, lá nos levava uma bela recordação. Fosse a preto e branco ou a cores.
E, assim a 2 de Março de 1971, depois de gozado um mês de férias, apresentei-me no Quartel CICA1 no Porto para dar continuidade ao serviço militar. Estava ali, ia para quatro meses. Ao todo tinha oito meses de serviço militar. Não contava com a mobilização. Mas sempre que eram afixadas nos placardes novas mobilizações lá ia dar uma vista de olhos a ver se o nome de Manuel Maria Ferreira Pacheco, soldado Radiotelefonista 112814/70, ali estava escrito. Não estava. Suspirava de alegria.
Mas… nesse dia 2 de Março logo que me apresentei fui ler o tal placard e agora constava o meu nome e ao outro dia tinha de me apresentar no Centro de Instrução Militar de Santa Margarida (CIM), para fazer parte da Companhia de Caçadores 3341,do Batalhão de Caçadores 3838. Sabia que Santa Margarida ficava situada no Ribatejo, mais propriamente no concelho de Constança. Havia e há uma Estação de Caminhos-de-ferro com o mesmo nome da vila. Dali ao Campo Militar eram uns três quilómetros de distância num descampado onde só existia quartéis. Fazia lembrar certas zonas operacionais como mais tarde vim a encontrar em Angola.
Ali estive cerca de um mês a aperfeiçoar a Instrução Operacional, vulgo (I.O.O.) onde granjeei uma série de amigos pois era o único soldado ido do CICA1. Neste vaivém e com todas as vicissitudes chegou o dia 2 de Abril, data em que nos foram concedidos uns dias de férias de licença, chamada de licença de mobilização. Com a guia de transporte na mão e um sem número de fardamento operacional para arranjar, pois quando nos é distribuído, não olham ao número de vestimenta. Lá arranquei para Freamunde, minha terra.
 Na minha cabeça surgia o pensamento de refractário. Mas logo se dissipava. Tinha mãe e irmãos e sabia que tão cedo não os voltava a ver como referi acima. A namorada, futura esposa, essa podia ir estar comigo caso fugisse para França como era usual nessa época.
Fiquei contente com estes dias de licença. Só que nunca tinha dito a minha mãe que ia acabar o serviço militar em Angola. O meu pai sabia e até aconselhou-me a contar-lhe. Até que o resolvi fazer. As lágrimas jorraram em catadupa pela sua face abaixo. Em mim algumas também começaram a escorrer.
Para alegrar, mas uma alegria disfarçada, a Páscoa foi no dia 11 de Abril e, assim houve uma espécie de festa de despedida. Até que chegou o dia 14 de Abril, dia de partida para Santa Margarida, para embarcamos no dia 17 para Angola. Dia triste. Olhava para meus pais e meus irmãos e não sabia se iria ser a última vez que os via.
Até que chegou a hora da deslocação para a Estação de Caminhos de Ferro de Campanhã para partir para Santa Margarida. Há hora combinada apareceu o senhor Coelho, taxista de profissão, para me levar de abalada. A despedida foi triste e fugaz.
O meu pai acompanhou-me assim como um meu tio que também ia acompanhar o filho (António Vasco), que ia para Moçambique. Na véspera teve um acidente de motorizada e ia todo ligado e engessado o que originou a ter que acarretar com os seus sacos de viagem. Se já ia sobrecarregado com os meus os seus mais me sobrecarregaram. Mas teve de ser. Amigo não empata amigo e aqui tratava-se de um familiar.
Quando ali chegamos (Estação de Campanhã) era um mar de gente. A maioria gente jovem e vestida de cor verde. Os restantes, familiares e amigos, a despedirem-se dos trajados a verde. Para alguns para sempre para outros por 24 meses. Era a lei da vida.
Até que chegou o dia 17 de Abril. De 16 para 17 durante a noite lá partimos com destino a Lisboa mais propriamente ao Cais do Conde de Óbidos de onde partiam os navios com soldados para as Colónias de Angola, Moçambique, Guiné e as mais pacíficas, como Timor e Cabo Verde. Saímos de noite e até deu para parecer que nos escondíamos de algo!
Depois de várias praxes embarcamos a bordo do Vera Cruz. Nessa altura começou-se a ouvir gritos e choros. Quem entrava no Vera Cruz dava a sensação que ia a caminho do cadafalso. Só os Oficiais do Quadro estavam sorridentes porque era mais uma promoção em cima dos ombros. Até o nosso Primeiro e Segundo Comandante se deram ao luxo de ir num avião da força aérea. Não eram carne para canhão. Assim se houvesse algo no alto mar com o Vera Cruz não eram apanhados nessa intentona. Nem toda a carne era para canhão. Valha-nos ao menos isso.
Desembarcados em Luanda na manhã de 26 de Abril há que rumar até ao Grafanil. Outro Centro Militar como o de Santa Margarida. Depois de uns breves dias ali no dia 4 de Maio metade da Companhia partiu para Balacende. Fazia parte dessa metade. Lá fomos transportados por umas camionetas, tipo de levar gado bovino e, alcançamos o Caxito que é como dizer as portas da entrada da guerra. Para quem ia em sentido de Quicabo, Balacende, Fazenda Margarido, Maria Fernanda, Beira Baixa, e Nambuangongo e outras mais era a porta de entrada quem viesse em sentido contrário a saída. Era melhor o segundo que o primeiro. Mas o segundo ficava para uns meses depois.
Como é sabido o concelho de Paços de Ferreira contribuiu com um sem número de soldados e oficiais milicianos de carreira não me lembra nenhum. Freamunde como a freguesia mais populosa do concelho contribuiu muito mais. Por isso umas boas centenas foram ali bater com os costados. Não havia mês do ano que não fossem mobilizados uns quantos.
 Se fomos das primeiras terras a ter um morto, Nuno Augusto Ferreira Mendes, Polícia de Segurança Pública, no 4 de Fevereiro de 1961, verdade seja dita que das várias centenas e dos vários anos de guerrilha só morreram dois e em acidentes. Um quando pilotava o avião do exército para o que estava habilitado e outro num acidente de viação em Zala. Acidente estúpido. Estava encostado a um muro, ou numa porta, quando veio em sua direcção uma viatura militar desgovernada e sem condutor. A partir daqui ou por obra e graça do padroeiro de Freamunde, S. Salvador, ou Mártir S. Sebastião mais nenhum pereceu por aquelas paragens. A não ser um pequeno ferimento ou coisa de somenos importância.
Acabada a guerrilha (1975) começamos a ser alcunhados de terroristas e outras coisas mais. Nunca levei a peito porque sabia que eram ditas por ignorantes. Nunca fui um nacionalista mas também nunca me envergonhei do meu passado. Passado é passado e valeu a pena esse tempo para hoje valorizar a amizade. Amizade que nunca supus vir a alcançar. E, também verificar o quanto éramos mal comandados. Por pessoas que por ter um segundo ou quinto ano liceal se julgavam uns seres omniscientes. Mas que lhes faltava tudo: liderança e humanismo. Estes dois valores não se conseguem nos livros da escola. É no dia-a-dia: na fábrica, no campo e no mar.
Por isso vejo de bons olhos o evento que a Câmara Municipal de Paços de Ferreira vai fazer aos ex-combatentes da guerra do Ultramar. É a forma de agradecer aos seus filhos o esforço por uma guerra sem razão de ser. Mas não por culpa destes. Mas sim de quem quis tornar num comércio uma guerrilha sem fim à vista e à custa de vidas inocentes.
Não sei se vou estar presente devido a complicações de saúde mas dou o meu aval e até já me inscrevi para receber a medalha evocativa. Se não a puder receber paciência. Mas de uma coisa podem estar certos que senti alegria por aqueles dois anos passados por terras de Angola. Pelo que sofri, pelos amigos que granjeei e pelo que conheci daquela terra avermelhada. Que de certeza absoluta vem a ser uma grande nação e o futuro de muitos jovens portugueses.                

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